O Balanço do Dia do Delirium Nerd na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo conta com três filmes dirigidos por mulheres. Faremos comentários sobre o indonésio Marlina, assassina em quatro atos, dirigido por Mouly Surya, A noiva do deserto, primeiro longa-metragem dirigido pelas argentinas Cecilia Atán e Valeria Pivato, além da produção espanhola Júlia Ist, dirigido por Elena Martín.
Marlina, assassina em quatro atos flerta com o western para contar uma balada de empoderamento, redenção e sobrevivência. Nas colinas desertas de uma ilha na Indonésia vive Marlina (Marsha Timothy), uma jovem viúva, que tem sua casa, seus pertences e sua vida invadidos por uma gangue de homens.
O filme é dividido em quatro atos, tal qual prevê o título (o assalto, a jornada, a confissão e o nascimento). Com uma ágil e eficiente montagem, vê-se logo no primeiro ato, Marlina dar conta dos 5 invasores de uma só vez. De seu estuprador, não só mata como arranca a cabeça para se salvar.
Talvez a superioridade deste primeiro ato possa frustrar o espectador que esperar algo com ares tarantinescos devido à atmosfera que o filme emula. Há um problema de ritmo que se recupera no quarto final, com o último ato em que mulheres, através da sororidade, constroem juntas um bonito desfecho.
Este terceiro longa-metragem da diretora indonésia Mouly Surya é claramente um filme que usa a alegoria e um gênero usualmente machista para subverter o discurso sobre violência contra as mulheres e dominação patriarcal. As grandes angulares utilizadas numa fotografia que merece ser ressaltada, permitem um passeio pelo ambiente árido e desértico que as mulheres precisam enfrentar, dando o tom da narrativa.
O filme se desenha através da montagem que alterna momentos de grandes silêncios com cenas de ação contidas e pontuais. Marlina, assassina em quatro atos é, sem dúvida, um libelo feminista apoiado pela linguagem cinematográfica.
Paulina García já havia brilhado como protagonista em Glória, do chileno Sebastián Lélio. Atuação que lhe rendeu o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim em 2013. Nesta nova coprodução de Chile e Argentina, ela encarna Teresa, uma mulher de 54 anos de idade que trabalhou desde os 20 como empregada doméstica de uma mesma família. O filme das diretoras argentinas estreantes Cecilian Atán e Valeria Pivato é uma grande joia dentro da simplicidade. Aqui a velha máxima “menos é mais” se aplica.
Acompanharemos a trajetória de Teresa a partir do dia em que seus patrões vendem a mansão da família. Sem ter para onde ir, ela segue para uma pequena cidade do interior. Como companhia, apenas uma maleta onde estão todas as suas coisas. Chegando nesse lugarejo à beira do deserto, Teresa esquece sua mala no trailer de Gringo (Claudio Rissi), um vendedor ambulante local. E é aí que começa o périplo da protagonista, em forma de road movie, em busca de sua mala, que na verdade é a busca pelo próprio sentido de sua vida.
Com inúmeras semelhanças ao argumento do já mencionado Glória, A Noiva do Deserto dá um passo além. O foco da câmera é, durante toda a narrativa, apenas e tão somente no primeiro plano. Todo o restante da cenografia é desfocado. Assim como o ponto de vista de Teresa sobre o mundo.
Ao viver somente o agora de forma simbiótica com a da família que a “abrigava”, ela não construiu uma vida própria. Tal qual em Que horas ela volta?, de Anna Muylaert, essa situação representa a vida de inúmeras mulheres. Sem família, se veem obrigadas a ir para a cidade grande e sujeitar-se a situações análogas a escravidão para sobreviver. Mas pouco sabemos do passado de Teresa.
O roteiro apresenta alguns flashbacks de seu passado próximo de forma orgânica apenas para situar a narrativa. Afinal, o que importa nesse momento é a estranha (e mágica) relação que Teresa e Gringo começam a construir em busca de sua maleta perdida. A química entre os personagens é extraordinária, sendo o motor da trama que culmina num emocionante desfecho lírico, tal como é desenhada a estética e poética do filme.
Júlia Ist é o longa-metragem de estreia da diretora espanhola Elena Martín, que aqui também assume a atuação, protagonizando o filme. Júlia (Elena Martín) é estudante de arquitetura e decide cursar um semestre em Berlim. Nessa aventura de brincar de casinha e experimentar uma nova cultura, deixa de lado a família, os amigos e o namorado. Apesar do desconforto inicial e as dificuldades em se comunicar no novo idioma, Júlia aos poucos vai se enturmando e se apaixona por um colega de classe.
Os filtros cinza e azulados utilizados pela fotografia dão o tom que aquela jornada ao exterior significa na vida da estudante. Mas nem tudo é semi tonado. Júlia precisa dar conta de que toda aventura também requer responsabilidades. E é sobre o (des)equilíbrio desta jornada que se trata esse filme.
Apesar da ótima atuação de Elena Martín e do carisma da protagonista, “Júlia Ist” é bastante irregular, e o roteiro perde força em seu terço final.
Para ver os horários de exibição dos filmes, acesse o site da Mostra.
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