[CINEMA] A Hora Mais Escura: A Guerra de Cada Uma

[CINEMA] A Hora Mais Escura: A Guerra de Cada Uma

A busca de inspiração em grandes acontecimentos históricos para criar um roteiro quase sempre é certeira. Por mais que os livros de história nos dêem detalhes, datas e números, assistir na tela grande uma versão dos fatos, mesmo que recheada de liberdades poéticas, tem lá a sua dose de emoção. Quando o tema escolhido está próximo da nossa realidade, algo recente e mesmo assim cercado de dúvidas, torna-se ainda mais interessante. A Hora Mais Escura, da diretora Kathryn Bigelow, lançado em 2012, segue a linha do filme que lhe rendeu o Oscar de melhor diretora, “Guerra ao terror”, e envolve questões da guerra do Iraque. Mais precisamente a busca pelo dito vilão da história, Osama Bin Laden, fundador da organização terrorista Al-Quaeda, responsável pelo ataque ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001.

Reconstituição de momentos decisivos da busca e captura de Bin Laden, assim como bom timming de ação e suspense não faltam em A Hora Mais Escura. Bigelow tem sua assinatura dentro do gênero e conseguiu criar um estilo de retratar o conflito no Iraque que logo foi copiado por outros realizadores. Porém, nenhum deles tem o cuidado de deixar no ar algo mais que um simples filme sobre a captura de um homem perigoso.

Maya, a protagonista do longa, interpretada pela ótima Jessica Chastain, num primeiro olhar assume o papel de fio condutor, um detalhe num trabalho que envolve cenas de ataques aéreos e torturas. Mas basta uma atenção um pouco maior para notarmos que há outro filme para ser desvendado: a jornada de amadurecimento de uma mulher no ambiente mais hostil que pode existir.

A tela preta com o áudio de telefonemas realizados por vítimas dos ataques de 11 de setembro não serve apenas para orientar o espectador sobre o momento em que ele vai passar as próximas duas horas. É o sinal de que o humano, o improvável, aquilo que não se explica em planilhas, será o que irá mover a personagem principal.

Maya é uma mulher dentro da CIA e, na sequência, uma mulher estrangeira trabalhando no Paquistão. Duas situações nada pacíficas. Por mais que seus colegas homens pareçam exaustos física e psicologicamente, ninguém carrega o peso de Maya. Não bastasse estar atrás de um dos homens mais procurados do mundo, ela ainda precisa lidar com piadinhas, cantadas e, o pior de tudo, dúvidas sobre sua capacidade de tomar decisões.

A Hora Mais Escura

Muito se falou sobre o ambiente realista mostrado em A Hora Mais Escura na época de seu lançamento, mas poucas foram as análises sobre a alma da garota ruiva que se alimenta e dorme mal em nome de seu trabalho. Bigelow sabe que seu público, em especial a parte masculina, se interessa mais pelo tema da guerra propriamente dita do que pelo retrato de uma mulher num campo de batalha chamado CIA. Ela sabe que haverá cobranças nos quesitos de reconstituição de cenários, tipos de armas e afins, algo que talvez não seria levado tão à sério se o diretor fosse homem.

Mulheres sabem que precisam batalhar dobrado para serem notadas quando estão cercadas por homens que, pela simples questão do gênero, são considerados mais confiantes e profissionais. Bigelow suou a camiseta, dirigiu ótimas cenas de ataques e treinamentos e ainda conseguiu ter uma protagonista impiedosa e que passa por uma reviravolta que vai muito além da promoção no trabalho. Maya pode até não ter pego em armas de alto calibre, mas a munição que ela precisou usar para ser respeitada foi pesada.

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O choro na cena final de A Hora Mais Escura é um misto de alívio e revolta. Alívio pelo fim de uma missão que quase destruiu os nervos de uma mulher e revolta por saber que é uma batalha foi vencida, mas a guerra é diária, estejamos nós no Iraque ou pegando o ônibus em direção ao trabalho.

Escrito por:

Bianca Zasso é jornalista e Especialista em Cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano. Integrante da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS). Atua como pesquisadora e crítica de cinema desde 2009. Integrou durante cinco anos o projeto de extensão Cineclube Unifra. Colabora para os sites Claudemir Pereira, DVD Magazine, Delirium Nerd, Papo de Cinema, Action News e Formiga Elétrica. É apresentadora da série Bia na Toca, realizado pela produtora Toca Audiovisual. Integra o Elviras- Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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