[SÉRIES] Seven Seconds: A luta por justiça em um país marcado por tensões raciais e corrupção policial

[SÉRIES] Seven Seconds: A luta por justiça em um país marcado por tensões raciais e corrupção policial

Um homem dirige um SUV azul em uma estrada cercada por neve. Distraído por estar falando ao celular, ele bate em alguma coisa. O veículo gira e para. O homem sai e começa a procurar o que causou o acidente. Surpreende-se ao encontra uma bicicleta embaixo de seu carro e um rastro de sangue na neve. Atordoado, pede ajuda. Porém, ao invés de ligar para o serviço de emergência, Peter Jablonski (Beau Knapp), policial recém-admitido no Distrito Sul, liga para os companheiros da equipe de narcóticos. Cabe ao líder, o policial Mike DiAngelo (David Lyons), assumir o controle e resolver a situação. O que fazer para não prejudicar a carreira de um amigo policial, um homem branco que havia atropelado e, aparentemente, matado um garoto negro? Abandonar o local do acidente, deixar a vítima para trás e sumir com as provas. O jovem atropelado é Brenton Butler, um adolescente negro de 15 anos, que fica agonizando na neve por 12 horas até ser encontrado e encaminhado para hospital, em estado gravíssimo. O socorro tardio impede a recuperação do menino, que acaba falecendo. Assim começa Seven Seconds, a nova série da Netflix.

Escrita por Veena Sud e dirigida por Gavin O’Connor, o enredo cumpre o que propõe. Narrado de forma densa, expõe as mazelas da sociedade norte-americana: tensões raciais, violência contra as populações negras e corrupção policial.

“Ninguém se importa com Brenton Butler.”

Um dos pontos fortes de Seven Seconds está no tratamento dado as tensões raciais. Peter Jablonski e Brenton Butler não estavam envolvidos em uma ocorrência policial, mas sim em um acidente de carro. A morte de Brenton deveria ser vista como uma fatalidade. No entanto, as circunstâncias que envolveram o acidente foram fundamentais para caracterizar o ocorrido como crime de ódio racial, mobilizando a família, a promotoria e também, a comunidade local. O racismo ficou nas entrelinhas. Mas paralelos puderam ser traçados e a história de Brenton acabou se unindo a muitas outras histórias de violência policial contra a população negra.

Após ser atropelado, Brenton Butler foi abandonado em uma vala na beira da estrada. No momento do acidente, Brenton estava sozinho em um parque e com uma bicicleta cara, por isso, foi imediatamente acusado de fazer parte de uma gangue. Quando policiais tornam-se suspeitos do crime, uma campanha difamatória se inicia na tentativa desmoralizar o rapaz, acusando-o de se associar ao tráfico de drogas, mesmo que Brenton tenha sido apenas fichado por posse. Brenton Butler era um garoto negro e, apesar de ser a vítima, muitas vezes foi tratado como suspeito.

Mas, será que o tratamento dispensado para Brenton seria o mesmo se o garoto fosse branco?

A resposta para esta questão está no próprio enredo, na figura da garota Nadine. Viciada em drogas, Nadine vive nas ruas e havia sido surpreendida roubando em lojas. Porém, por tratar-se de uma menina branca, vinda de uma família rica, Nadine nunca foi acusada e nenhuma queixa foi prestada contra ela.

Curiosamente, Nadine estava no parque no momento em que Brenton é atropelado e testemunha a ação dos policiais. Mesmo de forma indireta, algumas questões podem ser colocadas. Se Nadine fosse atropelada no lugar de Brenton, teria sido abandonada em uma vala? Ou acusada de fazer parte de uma gangue? Será que teriam associado Nadine ao tráfico de drogas? O enredo de Seven Seconds evidencia as respostas: Não!

Ao longo dos dez capítulos fica claro que se espera um comportamento violento e criminoso da população negra. Acredita-se que os negros estão fadados à criminalidade e ao assistencialismo e, independentemente do que aconteça, não merecem justiça.  Ninguém se importa com Brenton Butler.”, diz K.J. Harper, promotora responsável pelo caso. E, de fato, ela tem razão. Para piorar, a indiferença se estende para toda a população negra norte-americana.

A Justiça não é para todos

Outro ponto forte de Seven Seconds está na luta pela Justiça, que não se limitada à exercida nos tribunais, mas se manifestando em diferentes formas. E, dentre os personagens apresentados, K. J. Harper e Latrice Butler podem exemplificar pelo o clamor por Justiça. Já uma coadjuvante inusitada, a Estátua da Liberdade é exemplo de como a sociedade americana, na maioria das vezes, finge que não vê as injustiças sociais.

K. J. Harper

K.J. Harper, interpretada pela atriz Clare-Hope Ashitey, é a assistente da promotoria responsável pelo caso de Brenton Butler. Harper é alcoólatra e se apoia no vício para afugentar seus problemas. Por trabalhar bêbada, é considerada uma advogada medíocre e é pouco respeitada pelos colegas.

A princípio se mostra cética, acreditando que a justiça dos tribunais jamais contemplaria Brenton como vítima. No entanto, com o desenrolar dos acontecimentos, K. J. abraça a causa da família Butler e, auxiliada pelo detetive Joe “Fish” Rinaldi, faz o possível para encontrar e punir os assassinos de Brenton.

Seven Seconds apostou em uma construção ousada de seus personagens. Todos têm suas qualidades e defeitos e é justamente o alcoolismo de Harper que inocenta o homem incriminado pela equipe de narcóticos. Um pobre mendigo bêbado que estava dormindo dentro de um carro, embaixo de uma ponte, levaria a culpa pela morte de Brenton.

A situação do homem comoveu Harper, exatamente pelo fato de ela saber como ele se sentia. E foi a compaixão de K. J. que a levou a questionar as provas apresentadas e seguir novas pistas.

Harper sentia-se mal por beber tanto. Mas, se não fosse por isso, os verdadeiros culpados pela morte de Brenton não teriam sido punidos. Longe de ser uma apologia ao vício, Seven Seconds mostra que a Justiça é feita de diversas formas e, em raríssimas vezes, de modo maniqueísta.

Latrice Butler

Latrice é a personagem com maior crescimento na trama, fato que deve ser associado a impecável atuação de Regina King. Ela realmente sofre por Brenton e leva o espectador consigo.

Latrice é a voz que grita por Justiça dentro da família Butler. Inconformada com a morte do filho inicia uma investigação paralela e identifica o culpado antes mesmo que a polícia o faça. Professora e pertencente a uma comunidade religiosa cristã, Latrice acredita que a Justiça será feita. No entanto, ao perceber que seu filho será visto apenas como mais um marginal negro morto em um parque, Latrice se desencanta. Já que as portas legais se fechariam, a mulher decide pela justiça das ruas e arquiteta um plano para matar o polícia responsável pela morte de Brenton.

Ao decidir matar Peter Jablonski, Latrice coloca a Justiça dos tribunais em xeque. De acordo com o que está escrito na lei, Jablonski merecia a prisão. Entretanto, as leis nem sempre são postas em prática e, devido à discriminação racial, alguns sempre serão inocentes, enquanto outros sempre serão culpados.

A investigação policial se adianta e antes que Latrice pudesse colocar seu plano em prática, os culpados são presos. Infelizmente, a justiça não é imparcial e os culpados pela morte de Brenton não tiveram o final merecido.

A Estátua da Liberdade

Assim como Nadine, a Estátua da Liberdade é testemunha da morte de Brenton. Na tomada final do primeiro episódio (que também é usada como pôster para a série) vemos K. J. analisando a cena do crime, uma poça de sangue deixada na neve após Brenton ter sido atropelado.

Nesta e nas outras tomadas em que aparece, a Estátua da Liberdade está de costas. A abordagem é proposital, presente nos momentos de maior tensão e apelo dramático de Seven Seconds. O símbolo de liberdade e justiça dos Estados Unidos está mandando um recado: a falta de atenção que a América dá aos casos de violência e corrupção policial, sobretudo no que diz respeito às populações negras. Apesar do acirramento dos conflitos sociais, pouco (ou nada) é feito. Vítimas são tratadas como criminosos e criminosos são tratados como vítimas.

Mesmo tendo sido cancelada recentemente pela Netflix, Seven Seconds merece ser assistida. A série é comovente, reflexiva e prova que poucos segundos podem fazer a diferença e conectar a vida de pessoas desconhecidas. Como também prova que a justiça não é para todos. Os tribunais, muitas vezes, são circunstanciais e as penas sempre serão mais severas para alguns do que para outros.

Sobre a autora: Priscila Oliveira Da Cruz  é nerd, pedagoga, escritora, leitora, gamer, integrante da casa de Lufa-lufa, amante de ficção científica (Star Trek, Star Wars e Doctor Who) e literatura fantástica. Deseja ardentemente que o outro lado da vida seja uma grande Biblioteca.

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