O Peso do Passado: escolhas que destroem

O Peso do Passado: escolhas que destroem

O Peso do Passado – em inglês, Destroyer – de Karyn Kusama (“O convite”) é protagonizado por Nicole Kidman (“As Horas”, “Big Little Liers”) e estreia nos cinemas no dia 17 de janeiroApresenta uma Nicole Kidman dando vida à detetive do FBI Erin Bell, acabada e envelhecida física e emocionalmente, assim como a atmosfera do filme que parece desgastada e ambientada num espaço social e psíquico onde todos estão destruídos de certa forma.

Quando Erin Bell (Nicole Kidman) era uma jovem delegada do FBI, ela foi designada junto de outro policial, Chris (Sebastian Stan), com quem se envolveu romanticamente, a se infiltrar num bando de bandidos degenerados cuja especialidade era assaltar bancos. Porém, ao infiltrar-se no bando, Erin ultrapassa certas barreiras e acaba se envolvendo em algo maior do que supunha, o que deixa marcas profundas em sua vida e história pessoal e profissional para sempre.

O Peso do Passado

Anos mais tarde Erin reencontra esse bando, liderado por Silas (Toby Kebbell), e inicia uma busca frenética por reparar o passado e se vingar de todos. 

O Peso do Passado não traz nenhuma novidade em comparação aos grandes clássicos do gênero policial dramático, mas o que chama atenção é a performance de Nicole Kidman no papel da detetive Erin. A personagem muitas vezes necessita de certa profundidade dramática e energia, e apesar da sua aparência sofrida (trabalhada fortemente na maquiagem), ela não consegue superar a beleza plástica de Nicole e de seus belos olhos azuis, tornando real o sofrimento da personagem. Talvez essa opinião seja somente o reflexo de um certo desconforto com a atriz ou o fato de que o filme levanta uma questão universal ao contar a história dessa mulher que cometeu um erro no passado e não é capaz de superá-lo, nos proporcionando certo desconforto.

O Peso do Passado

Ambientado num cenário inóspito e apresentando personagens cheios de ambiguidade, O Peso do Passado tem o mérito de contar com um elenco bem equilibrado, entre homens e mulheres, além da direção e do protagonismo de duas mulheres. O longa provoca a espectadora a refletir sobre o quanto vivemos rodeadas de corrupção e dilemas éticos ao longo de nossa vida. Não somente da velha corrupção dos políticos e de funcionários públicos e federais que se corrompem por dinheiro e complementam suas rendas mensais (cujo estado não é capaz de proporcionar), mas sim daquela corrupção diária que nos rodeia de forma imperceptível e nos coloca sempre à prova sobre nossos princípios.

Passar no sinal vermelho quando ninguém vê, jogar lixo no chão sob a desculpa de que a cidade não tem cestos e é suja, contratar alguém para limpar sua carteira de motorista sem ter que passar pelo processo burocrático, demorado ou pelo pagamento de multas, furar filas, e até chegar ao ponto de acreditar que podemos roubar um bandido sem nos tornarmos um bandido; esses são apenas pequenos exemplos do quanto estamos sujeitas desde cedo a escolhas duvidosas que impactam não somente nossas vidas, mas também a de quem nos rodeia.

O Peso do Passado

Em meio aos dilemas do cotidiano e rodeado dessa corrupção “silenciosa”, O Peso do Passado, sem muitos dedos e com alto teor de clichês, apresenta uma polícia americana desgastada que desacredita em sua justiça, assim como toda uma horda de profissionais que deveriam zelar pela segurança da população e do cumprimento das leis, mas que não o fazem; por fim, traz uma sociedade onde valores éticos e morais são apenas um peso a nos lembrar constantemente que algo está fora da ordem.

É dessa forma que a diretora consegue fortalecer a presença feminina em seu filme – e por que não no cinema –, apresentando não uma Nicole linda, fazendo hora, ou uma elegante e bem-sucedida mulher da sociedade, ou uma escritora frágil e confusa mentalmente, ao contrário disso nos entrega uma mulher forte (com fragilidades) e corajosa, que desempenha um papel de destaque no universo masculino da polícia, mas que está, independente de seu gênero (assim como toda sociedade), confusa com suas escolhas e as consequências destas, assistindo sua vida seguir seu fluxo natural sem se importar com culpas e sofrimentos.

O Peso do Passado

Há sem dúvida, em filmes policiais dramáticos, o objetivo de retratar uma sociedade doente e incapaz de tratar suas feridas, nos levando a um mar de lama e corrupção. Ao deparar-se com uma decisão errada, Erin percebe que seus valores não são maiores que sua condição humana… Afinal, somos fracas diante dos atalhos que o mundo nos apresenta e que podem nos levar ao que desejamos. Tudo ao nosso redor corrobora para que queiramos sucesso, status, dinheiro… Será que pouco nos dedicamos ao real sentido da vida e aos propósitos a que somos designadas? Ou a vida é somente um estado, onde não há certo ou errado, bem ou mal? Somos somente seres humanos destinados a sobreviver?

Seja como for, ao perceber que sua alma estava “corrompida”, toda vida de Erin perde o brilho e o valor, afetando qualquer chance de ressignificar quem ela é e a retomada de seu caminho. 

Em material de divulgação do filme, a diretora disse: “Como parábola, Destroyer é uma história estimulante de uma ‘mulher contra si mesma’, um uivo sustentado cuja história, espero, pertence a todos nós”. 

Somos frutos de uma sociedade decadente que escolhe líderes para validarem suas escolhas. Vivemos perdidas em busca de quem somos, olhando para os lados e não para nós mesmas.

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O Peso do Passado não empolga, mas há virtude em prestigiar um trabalho realizado por mulheres. Apesar de não inovar muito nesse caso, traz a perspectiva do olhar feminino ao gênero policial nos permite evoluir dentro de uma cadeia de produção tipicamente liderada por homens.

Não deixe de assistir!

O Peso do Passado

PS 1: A primeira vez que vimos o cartaz do filme nos lembramos de Charlize Theron em “Monster Ball”. O que acharam?

PS 2: Dois exemplos de filmes policiais dramáticos cujo dilema moral está presente: “Os suspeitos” de Bryan Singer e “Fogo contra Fogo” de Michael Mann.

Trailer legendado:

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Mulher, mãe, profissional e devoradora de filmes. Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo, trabalhando com Gestão de Patrocínios e Parceiras. Geniosa por natureza e determinada por opção.
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