O legado de Leia Organa

O legado de Leia Organa

Leia Organa. Heroína. Senadora. Princesa. General. Lenda. Carrie Fisher.

Não apenas uma lenda no universo das ficções, mas alguém que teve a força de transpor o audiovisual e estabelecer-se como um ícone. Um exemplo de força feminina que não é muito difícil de vir à mente quando se responde a pergunta: quem você gostaria de ser? Leia Organa.

Pois a verdade é que Leia jamais teria tamanho efeito no universo feminino e da cultura pop não fosse sua intérprete. Carrie Fisher, de certa maneira, tornou-se a princesa. Tomou ela para si, reivindicando sua história, seu crescimento, acrescentando seu brilho e talento de forma opinativa e transformando sua participação no primeiro estabelecimento das trilogias. Carrie. Repleta de defeitos e acertos, dona de uma língua afiada e uma humanidade que transpunha seu corpo, sendo quase tangível. Dona de uma aura tão magnética que era difícil não querer ser parte de seu mundo. Quem nunca quis ser amiga de Leia Organa, amiga de Carrie Fisher, ou sua filha, namorada, namorado? Não há quem não seja tocado por sua humanidade e pela maneira magnífica e apaixonante que essa chega em nossos olhos.

A ascensão de Leia Organa

Leia Organa (Imagem: divulgação)

Na década na qual Star Wars nasceu e Leia/Carrie foram apresentadas ao mundo, mulheres em posições centrais nas histórias de aventura, ação, ficção científica… eram raras; consequentemente, nem sempre alcançavam a escala global. Mas o hit sobre Jedis e Siths trouxe consigo um trio de atores e personagens prontos para entrar na história. Carrie Fisher, Mark Hamill e Harrison Ford foram lançados a um estrelato de proporções magnânimas. A vida deles e de incontáveis pessoas ao redor do mundo seria transformada após a chegada ao apogeu e consolidação de seus personagens. Mas a glória tem seu lado obscuro, que pede um preço muito mais alto para as mulheres do que aos homens.

A exposição midiática é de uma crueldade que toca o feminino em seus ossos, em suas curvas, em sua mente, coração, no âmago do seu ser. Carrie e Leia não foram apenas bem recebidas e pronto. Leia encontrou dificuldades em ser aceita, Carrie encontrou o sexismo. Há uma curva de crueldade exponencial que assombra as mulheres que ousaram ser grandiosas. Os maiores desafios da princesa foram a hiperssexualização e o direcionamento de personagem. Os mais árduos percalços na vida de Carrie foram a intensa exposição, o tecer de uma expectativa sobre seu futuro na carreira, uma idealização da mulher que era, a objetificação e os fantasmas da depressão e transtorno bipolar dos quais tinha diagnóstico desde a adolescência.

Críticas foram feitas assim que o filme foi lançado, oscilando elas entre usar o termo tomboy para diminuir a personagem, chamá-la de militarizada, ou no outro espectro a reconhecendo apenas como mais uma princesa a ser resgatada. Havia uma crítica generalizada sobre a “masculinização” de Leia, o que era um problema para a época, pois a tornava menos “atrativa”.

Entregando uma contextualização de época, o lançamento do primeiro Star Wars flutua num período onde a masculinidade exacerbada encontrava protestantes ao redor dos Estados Unidos, cicatrizes da Guerra do Vietnã. Sendo assim, a rejeição não veio apenas dos homens por sua aparência masculinizada, mas também das mulheres, pelo mesmo motivo. Mas o público envelhece, Star Wars transcendeu a cultura pop e tornou-se um ícone e blockbuster pioneiro e a percepção cultural feminina e os movimentos sociais também mudam, sendo que a partir do momento onde é passado a aceitar que mulheres podem estar em cargos militares ou em qualquer lugar que quiserem, Organa abraçou de vez o espectro de ícone.

Carrie Fisher como Leia Organa (Imagem: divulgação)

Leia veio para uma geração carente de exemplos na ficção. Você pode contar nos dedos os grandes nomes relevantes na cinematografia mundial de ficção que eram mulheres relevantes e pivots nos plots. A Princesa não existia em função de ninguém além das suas crenças. A herdeira Organa, gêmea Skywalker, não precisava de um homem guiando sua jornada ou falando a ela o que fazer. Crescer assistindo tantos homens no centro da mídia acaba construindo uma falsa falácia de que aquilo é normal, quando não é ou não deveria ser. E ainda que sua história seja vinculada à do irmão e a jornada deles esteja atrelada, ela veio num período onde mulheres dificilmente podiam se imaginar numa posição de comando e estratégia sem ter homens condescendentes ao seu redor.

Mas de repente, tínhamos Leia. Leia de língua afiada, Leia que empunha armas, Leia que tinha tantas e tantas falas, Leia que fazia os homens ao seu redor obedecê-la sem promessas de recompensa sexual, Leia arguta, estrategista, passional, de temperamento explosivo, capaz de perdoar, amar, errar, não abaixar a cabeça diante dos impasses e seguir em frente. Para quem a viu pela primeira vez num período onde líderes femininas não eram lugar comum e para quem a vê pela primeira vez nos dias correntes, a sensação é de que Leia quem comanda o trio. E isso é de um prazer incrível. É de sentir-se abraçada por aquele mundo e saber que sim, podemos; as mulheres podem e devem tomar a frente, seja de uma Galáxia tão tão distante, quanto do dia a dia comum; que mulheres podem errar, o que para nós é tido como um luxo. Mulher errar é um luxo, uma coisa que não pode ser repetida sem que marque sua vida para sempre. E para representar isto, temos não Leia, mas Carrie Fisher.

Incrivelmente humana, mas de força sobrenatural

Leia Organa (Imagem: divulgação)

A atriz, comediante, escritora, revisora e criadora que viveu a vida ao máximo. Entre acertos e tropeços, ela nos conquistou fora da Princesa Leia ao mesmo tempo em que a abraçava, mostrando para todos que a humanidade foi parte essencial de sua carreira. Falhas podem nos mostrar mais do que a perfeição e esta foi a proposta de Carrie: ela entregou-se ao mundo sem retoques. Acabou encontrando voz no ativismo feminino, na luta pela normatização do debate entorno das doenças mentais, ao expor seu vício em drogas, ao falar sobre seu processo de recuperação, sobre seu relacionamento complicado com uma mãe de incrível fama. E a fama não é doce com quem sofre de doenças mentais.

O mundo não é gentil se você sofre de qualquer transtorno não aceito pela sociedade e eles não foram bons com Carrie Fisher, cobrando a exaustão da mente. Há muito, muito poder em ser uma mulher em Hollywood e despir todo o mistério ao seu redor, rasgando sua idealização e expondo quem se verdadeiramente é. Mas Carrie foi forte. Carrie, tal como Leia, era uma força da natureza. Ela foi contra a norma e nos presentou com risos enquanto tecia histórias tristes, com reflexões, com sua boca suja e modo direto de falar. De capacidade argumentativa incrível, inteligência ímpar, nossa Princesa Carrie… tornou-se General. Comandante da própria vida, que levou o comando para a vida de Leia, décadas depois, quando a mesma tornou-se General Leia Organa, título pelo qual agora é conhecida.

General Leia Organa (Imagem: divulgação)
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São raros os atores que conseguem entender que sua personagem, dependendo do contexto, dependendo do seu alcance, não tem uma relevância momentânea e relativa, inclusive porque existe uma falta de envolvimento social na construção de personagens em diversas obras. Princesa Leia foi criada num período de tempo onde garotas não eram heroínas, elas eram resgatadas. Garotas não tinham oportunidade de serem vistas como a pessoa mais inteligente na sala sem que isso tirasse seu apelo e carisma. Foi Carrie Fisher quem compreendeu a importância da protagonista que tinha em mãos e decidiu abraçar a Princesa com toda garra.

Ela lutou para transformar a Skywalker na estrategista cheia de personalidade que se tornou. Carrie entendeu o alcance da irmã gêmea de Luke e decidiu que iria lutar por ela, para que as meninas pudessem ter um exemplo, ainda que fictício; mas a ficção é arte, cultura, e cultura transcende. A atriz já dizia que “I don’t want life to imitate art, I want life to be art” [“Eu não quero que a vida imite a arte, eu quero que a vida seja arte”, tradução livre]. Obras marcantes ignoram o tempo, perdurando muito mais do que seus criadores e espectadores da época. Leia tornou-se um ícone para as décadas seguintes, onde meninas e meninos, não apenas da década de 80, cresceram apaixonados por ela. Seu legado continuou e chegou aos novos episódios e com eles conhecemos a estrategista que tanto queríamos ver aprofundado nos antigos filmes.

Viemos a conhecer, também, a Leia mãe. Mãe imperfeita, mas que ama muito; que tentou do seu jeito o melhor para seu filho e sofreu uma dor irreparável ao vê-lo ser consumido pela mesma força sombria que corrompeu o pai que nunca teve. Carrie e seu investimento na personagem, e agora madura, trouxe um ar de sabedoria profunda para a tela e um sentimento de nostalgia misturado ao brilho e admiração por ver o quão longe nossa Princesa tinha ido. Leia continuou focada naquilo que sabia de melhor: fazer o bem. Resgatar vidas. Nem mesmo seu relacionamento amoroso conseguiu quebrar suas crenças ou fazê-la parar quieta num lugar. Nem mesmo a perda do filho, do irmão. Do amor de sua vida. Leia continuou batalhando. É não apenas um ícone da cultura pop como um exemplo a ser seguido, que dá forças e arrepios nas mulheres que desejam seguir caminhos difíceis e não muito aceitos pela sociedade.

Eternizadas: General e nossa princesa. Leia e Carrie

General Organa é um símbolo de resiliência. E em tempos tão complicados no mundo em que vivemos, sentir o corpo se arrepiando ao ver que a resistência é possível é uma experiência única. Mas seu Legado não deve parar por aí. Deve ser exercido na empatia com as Leias da vida real. As Carries da nossa vivência. Empatia é a palavra e ela emana tanto da General quanto de sua atriz. Por trás de toda luta, está o óbvio: uma incansável vontade de justiça e aceitação.

Rey e General Leia (Imagem: divulgação)

A maior herança que Leia e Carrie podem nos deixar é essa: a coragem de seguirmos nossas vidas e encarar adversidades, mas nunca esquecer de quem está ao seu lado, mesmo que você não saiba o nome do próximo, mesmo que você nunca, nunca vá falar com ele. A luta não é apenas nas Estrelas. A Luta é no seu dia a dia. A Força, no Episódio VIII, mostrou que estava com Leia. A Força estava com Carrie, em cada passo de sua difícil jornada. A Força está com todos nós! Basta fechar os olhos, respirar fundo. E tome o primeiro passo para o resto de sua vida. Carrie Fisher vai ser sempre lembrada. Sua humanidade jamais será esquecida. Seu presente ao mundo e toda sua fantástica jornada conjunta com a de Leia é a bravura.

“Stay afraid, but do it anyway.”

Carrie Fisher.


Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

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Escrevo onde meu coração me leva. Apaixonada pelo poder das palavras, tentando conquistar meu espaço nesse mundo, uma frase de cada vez.
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