Aline Cristine começou o projeto Cristirinhas em 2018, criando uma página no Facebook para postar seus quadrinhos. Suas tirinhas abordam problemas cotidianos, focando sempre no público feminino e geek, abordando também questões políticas e LGBT+. O Delirium Nerd conversou um pouco com a artista, sobre seu trabalho e futuros projetos. Confira!
DN – Quando você começou a desenhar? Você sempre se sentiu atraída pelos quadrinhos?
Acredito que sempre desenhei. Na infância, meu pai sempre me trazia bloquinhos de rascunho e eu devorava todos eles. Tinha uma compulsão por desenhar tudo o que via e acabou que os quadrinhos sempre foram minha inspiração. Desde Turma da Mônica a mangás, eu sempre amei a possibilidade de leitura desenhada que os quadrinhos nos dão. Inclusive, a partir dos 10 anos, eu comecei a desenhar meus próprios quadrinhos e vivia lendo e relendo eles como se tivessem sido feitos por uma editora. As histórias eram cheias de furos e desenhos simples, mas é muito divertido pegar hoje para ler e ver que não era somente um hobby.
DN – Como surgiu o Cristirinhas? De onde você tirou a ideia para o perfil? E que tipo de situações inspiram você para criar uma tirinha?
Costumo dizer que o Cristirinhas me veio como um insight. Por meu nome ser Aline, eu nunca consegui de fato ter um apelido bacana, mas meu sobrenome é Cristine, o que, além de ter uma sonoridade melhor, me dava a possibilidade de usar o “Cris”. Tempos atrás, andando na rua, me veio essa ideia de que se um dia tivesse um projeto de tirinhas, eu faria Cristirinhas, pra combinar com o Cristine do meu nome, e isso acabou me trazendo a possibilidade de criar uma personagem para mim, que não era eu, mas que também era eu, e assim eu poderia desabafar e falar sobre minha vida sem que soubessem que de fato era eu.
Certo dia me aconteceu uma situação engraçada e cotidiana que eu me lembro de ter pensado “poxa, isso daria uma tirinha de tão bobo e comum que é”. Dito e feito: eu comecei a esboçar até encontrar um traço legal, colori e salvei. Postei e divulguei pra amigos, vários elogiaram e, na medida que ia fazendo mais tirinhas, mais eles diziam “nossa, isso acontece demais comigo!”, e foi quando eu percebi que o que eu mais sabia retratar eram essas coisas que acontecem com todo mundo, mas todo mundo acha que só acontece com si mesmo.
DN – As suas tirinhas misturam assuntos do cotidiano com questões políticas. Você acha difícil atingir esse equilíbrio? E como você busca inserir política no estilo das tirinhas?
Estou tentado evitar falar de política com todo esse contexto no qual estamos vivendo, mas acredito que o trabalho que tenho feito, além de divertir e às vezes até aconselhar, é também de expor a ideologia na qual acredito, de forma que possa atingir meu público e fazê-los pensar também. Como tenho um ano de página só, peguei o ápice das eleições de 2018, então foi o momento que eu tive para tentar evitar que coisas desagradáveis acontecessem ao país e alertar o pessoal, fazendo as tirinhas políticas se tornarem frequentes na página.
Porém, se dispor para falar de política na internet hoje é estar preparada para uma onda de ódio que jogarão pra cima de você. Já recebi inúmeros xingamentos e já aconteceram muitas discussões em posts meus. Mas é o preço a se pagar, e não há como ter um equilíbrio em relação a esse assunto. Ou você luta por x ou por y. As minhas tirinhas acabam tendo uma conotação bem crítica em relação ao governo atual e seus seguidores, mesmo que seja naquele desenho infantil e simples, na maioria das vezes chegando a ser até um humor bem ácido, mas falar de política já se tornou parte da ideia da página e o público que me acompanha gosta bastante.
DN – O seu traço é bem leve, o que combina com o tom informal das tirinhas. Tem algum artista que você acha que influencia o seu estilo? E você acha que o seu traço contribui para atrair as pessoas para as tirinhas?
Eu comecei meu traço seguindo o Bryan Lee O’Malley, criador do Scott Pilgrim. Depois de ler todo o box de HQs de “Scott Pilgrim VS The World”, eu tentei ao máximo imitar o estilo dele: olhos enormes, rosto redondo e orelhas grandes, mas o estilo foi refinando, até se tornar algo bem simples, só com o vermelho, o traço preto e o fundo branco predominante, tendo pouquíssimas cores de apoio. Costumo dizer que meu traço é bem “avacalhado como eu”, sem uma arte final bacana e uma pintura digital maravilhosa. Mal tem cenário.
O fato é que sou preguiçosa mesmo (risos), mas acho que o público gosta disso. Acredito que é porque atrai a atenção pra personagem; com poucas linhas dá pra mostrar o que está acontecendo, não preciso me atentar para inserir um cenário trabalhado e traços fortes. O que o público se interessa mesmo é pela “fofura” que é a Cris e pela mensagem que ela passa de uma pessoa completamente comum com situações comuns, tão comuns que qualquer pessoa conseguiria desenhar.
DN – Você está com um projeto no Catarse para a impressão de um livro, o “Cris com C de Chata”. Pode falar um pouco sobre ele?
Então, o “Cris com C de Chata” foi outra ideia que surgiu de um insight. Eu adorei fazer essa brincadeira com o nome, porque acho que consolida uma marca dela. Todo mundo sabe quem é a Cris e agora vão saber porque ela é chata; porque ela reclama de tudo, porque é bem lerda, porque faz piada com tudo, porque é uma pessoa como qualquer outra e porque está todos os dias presente na internet e agora está dando seus primeiros passos para fora da tela, sendo acolhida pelas mãos de quem acompanha e acredita no meu trabalho.
O livro vai ter somente 48 páginas, devido ao pouco tempo de existência da Cris também. É justamente para comemorar toda essa conquista que tivemos e relembrar algumas tirinhas antigas, trazendo também uma trajetória nova, com desenhos mais elaborados, brincadeiras interativas e tirinhas que jamais serão postadas na internet, pra dar esse ar de confidencialidade e de proximidade também, pra que o leitor possa fazer do livro o que quiser e fazer dele uma peça única. E o mais engraçado do livro é que, sem perceber, ele vai mostrando também a evolução do meu traço e como os desenhos e os temas foram amadurecendo com o tempo.
Entretanto, como uma boa universitária, não consigo pagar a impressão do livro de forma completamente independente, então fiz uma campanha de financiamento coletivo no Catarse para que o pessoal adquira de antemão o livro e suas recompensas (como prints, bottons, adesivos etc), me ajudando a imprimir e a levar essa história pra outras pessoas que ainda não a conhecem.
DN – Para finalizar, queria perguntar o que você imagina para o futuro das suas tirinhas e do seu trabalho como mulher artista no Brasil!
Me pergunto muito sobre isso porque não quero ficar presa somente na internet. Acredito fielmente no poder da arte de mudar a vida das pessoas (como mudou a minha). Eu venci uma depressão porque comecei a desenhar todos os dias e quero poder repassar essa experiência para quem possa estar precisando. Quero evoluir como artista, como profissional e como pessoa, e acredito que o Cristirinhas me dá todos os dias essa possibilidade.
Publicar o meu primeiro livro já será uma grande conquista pra minha carreira, mas eu tenho vontade de mais. Para um futuro não tão próximo, meus planos são fazer do Cristirinhas a minha profissão, mas não só pra desenhar sobre coisas comuns e fazer tirinhas engraçadas. Quero sempre trazer uma mensagem positiva pra quem me ler. Contribuir com uma mudança significativa na humanidade, nem que seja através de conversas e conselhos que dou para meus seguidores na DM ou em algum projeto de inclusão com mulheres LGBTQ+, que é o foco que eu tenho sempre.
Ser mulher no Brasil já é muito difícil; e ser uma artista lésbica e levantar essa bandeira, mais ainda! Pretendo somar e ajudar de uma forma, por mínima que seja, essas pessoas que não se sentem acolhidas no próprio país que vivem.
Para acompanhar o trabalho da Aline, você pode curtir a página da Cristirinhas no Facebook e seguir ela no Instagram e no Twitter.
Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.