Uzumaki: o horror ascensional na obra de Junji Ito

Uzumaki: o horror ascensional na obra de Junji Ito

Uma espiral. A obsessão. A morte. Junji Ito é um dos mangakás mais consagrados do mundo, dono de excelentes histórias, e em “Uzumaki“, obra lançada pelo selo Tsuru da editora Devir, o autor chega ao ápice da insanidade, do grotesco e do mórbido ao nos apresentar uma cidade assombrada por um padrão geométrico, capaz de trazer à tona o pior que existe em cada habitante do lugar. O mangá mistura a beleza do traço explícito de Ito ao sentimento humano mais primitivo e instigante: o medo.

[ATENÇÃO: O MANGÁ APRESENTA IMAGENS EXPLÍCITAS DE MUTILAÇÕES E MORTES MUITO GRÁFICAS, NÃO SENDO RECOMENDADO PARA PESSOAS SENSÍVEIS A ESTES TEMAS]

Na trama de Uzumaki, acompanhamos dois adolescentes, a jovem Kirie Goshima e seu namorado, Shuichi Saito, ambos habitantes da cidadezinha Kurôzu-cho, e assolados pela presença sinistra e ameaçadora de uma espiral. Tudo começa quando o pai de Shuichi passa horas de sua vida procurando e colecionando objetos em formato de espiral, até que a obsessão pelas figuras extrapola o normal e fogem ao controle do homem e da própria família.

No entanto, não demora para que a cidade inteira comece a ser protagonista ou a presenciar episódios sinistros envolvendo a forma, que a cada dia que passa toma proporções catastróficas, levando tudo e todos à uma verdadeira espiral de horrores inimagináveis.

Shuichi e Kirie no mangá de Junji Ito
Shuichi e Kirie. (Imagem: divulgação/Devir)

Inicialmente, acompanhamos a história pelos olhos de Kirie, que abre o primeiro capítulo do mangá observando do alto a cidade e pensando nos eventos que viriam a acontecer no futuro. Ela é protetora da família e também de Shuichi, que após os acontecimentos com o pai logo no início da trama, fica perturbado e evita contato social, com exceção das visitas que a namorada o faz.

Kirie é vítima de vários acontecimentos ruins, um deles bem marcante, quando um de seus colegas de escola, ao se apaixonar por ela e não ser correspondido, começa a persegui-la. Diversos são os episódios que aos poucos vão tirando a sanidade e as forças da protagonista, que vai até o limite do desgaste físico e psicológico para tentar salvar Kurôzu-cho e seus habitantes.

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Cada capítulo da obra funciona como um conto que apresenta novos personagens, bem como mostra o sofrimento dos protagonistas em uma jornada rumo ao desconhecido: o que é a espiral? De onde vem? Qual será o destino de todos? Ao passo que mais pessoas se deixam influenciar pela força maligna, mais aumenta a derrocada da cidade de Kurôzu-cho.

Junji Ito é muito prolífico ao explorar diversos subtemas dentro da narrativa central de Uzumaki. Portanto, nas mais de 600 páginas do mangá, há espaço para discussões importantes como o bullying nas escolas, rejeições amorosas, a pobreza, a fome, o luto e tragédias naturais como uma característica preocupante da sociedade em questão. Além disso, a espiral sintetiza o medo puro e primitivo que todos carregam dentro de si e que não podem simplesmente ignorar, sendo contaminados por experiências que se intensificam, cada vez mais, dentro de seu próprio teor catastrófico.

Uzumaki, Junji Ito
Kirie. (Imagem: divulgação/Devir)

Ito homenageia inúmeras obras de terror consagradas, assim como seus autores, e o que mais influencia a trama de Uzumaki é H. P. Lovecraft, mestre do horror cósmico. Assim como no conto “A Cor que Caiu do Espaço”, que inclusive virou filme em 2019, com Nicolas Cage no elenco (dirigido por Richard Stanley e roteirizado por Scarlett Amaris), a obra de Junji Ito também se vale de um elemento de terror cotidiano: na obra de Lovecraft, uma cor não conhecida cai do espaço em uma fazenda e infecta a água do local, causando, também uma sequência de episódios terríveis; já em Uzumaki, temos a espiral, igualmente um elemento do cotidiano que pode ser encontrado em todos os lugares, incluindo o nosso próprio corpo, levando todos ao caos.

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Kirie em Uzumaki, de Junji Ito
Cena de “Uzumaki”. (Imagem: divulgação/Devir)

Inclusive, a teoria do caos, que determina que um acontecimento ínfimo no presente pode gerar mazelas no futuro, está presente na obra; o evento primordial, sintetizado na obsessão do pai de Shuichi, leva toda a cidade à uma crescente de dor, mortes e pavor: todos aqueles que temem a espiral, carregam em si a mesma marca, como uma maldição de nascença – o medo ascensional que leva à loucura e à degradação moral, física e mental de todo um povo.

A obra, no entanto, não é recomendada para pessoas sensíveis às mortes gráficas que o autor desenha de forma minimalista e impressionante; em certo ponto da história, a náusea é certeira, porém diretamente proporcional à vontade findar a história e descobrir o mistério por trás da espiral. Para os fãs de horror, Uzumaki é uma obra obrigatória e muito rica visual e narrativamente.

Azami Kurotani, uma das vítimas da espiral em "Uzumaki".
Azami Kurotani, uma das vítimas da espiral. (Imagem: divulgação/Devir)

Uzumaki

Junji Ito

Selo Tsuru / Editora Devir

656 páginas

Tradutor: Arnaldo Masato Oka

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Edição/revisão por Isabelle Simões.

Escrito por:

117 Textos

Formada em Letras, pós-graduada em Produção Editorial, tradutora, revisora textual e fã incondicional de Neil Gaiman – e, parafraseando o que o próprio autor escreveu em O Oceano no Fim do Caminho, “vive nos livros mais do que em qualquer outro lugar”.
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