Arcane é um fenômeno e uma das melhores séries da atualidade, tendo suas duas temporadas com praticamente 100% de aprovação de crítica e público no Rotten Tomates.
A série é baseada na lore do League of Legends (LoL), um dos jogos online mais famosos e populares do mundo, mas também um dos mais criticados também. Porém, Arcane conquistou uma leva de fãs que nunca sequer jogaram LOL e mesmo após assistir a série não tem interesse em jogar.
Só isso já coloca Arcane como uma das melhores adaptações de jogos que existem, devido ao seu poder de alcance além da bolha do LoL. Mas por que a série é tão boa assim? Vamos entender!

O que faz uma protagonista ser realmente forte
As personagens femininas fortes em Arcane têm se destacado como ícones de empoderamento e complexidade emocional. Essa representação autêntica é essencial em um momento em que a mídia tenta refletir a diversidade e as nuances das experiências femininas, muitas vezes sem grande sucesso.
Com frequência, vemos personagens de “pronta-entrega”, fortes apenas na superficialidade, como Rey de Star Wars, Capitã Marvel ou a Mulan do live-action da Disney. Esta última, aliás, serve como um exemplo claro de como a evolução e a construção cuidadosa de uma personagem são fundamentais para gerar empatia e convencer a audiência.

Fora as situações cômicas, vemos como Mulan é fisicamente fraca em comparação aos homens. Ela até cogita desistir, mas sua determinação faz sua astúcia trabalhar: ela cria uma maneira de ficar forte do seu jeito, concluindo seu treinamento como soldado.
Quando é revelada a verdade, Mulan mais uma vez usa sua astúcia, habilidades próprias e coragem para derrotar os hunos e salvar a China.
Essa versão de Mulan é bastante querida pelo público e admirada por muitas meninas nascidas no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Muito diferente da Mulan do live-action, que é praticamente uma super-heroína desde o início do filme.
Essa personagem não apresenta evolução, aprendizado, momentos de fraqueza ou superação, tornando-se facilmente esquecível.
A Revolução das Heroínas em Arcane
Vi: a heroína resiliente
A trajetória de Vi como protagonista em Arcane é marcada por uma resiliência profunda e um desenvolvimento de personagem que desafia as convenções das heroínas modernas.
Desde o início, a série apresenta Vi não apenas como uma lutadora habilidosa, mas como uma figura complexa que enfrenta suas vulnerabilidades e traumas. Sua jornada é repleta de desafios, desde a luta pela sobrevivência nas ruas de Zaun até os intensos conflitos emocionais relacionados ao seu passado.

O ambiente hostil de Zaun e as constantes ameaças em sua vida moldam Vi como uma lutadora determinada. As perdas pessoais, especialmente a separação de sua irmã Jinx (anteriormente conhecida como Powder), acrescentam um peso emocional significativo. Cada batalha que Vi enfrenta não é apenas física; é também uma luta contra seus próprios demônios internos.
Esse crescimento pessoal se reflete na forma como ela aprende com seus erros e falhas. Vi não é apresentada como uma heroína perfeita; são seus erros que moldam sua trajetória, oferecendo ao público uma representação mais realista da força feminina.
A complexidade emocional que define Vi se destaca em diversos momentos-chave da narrativa. Sua relação com Jinx é central para sua caracterização. O vínculo entre as irmãs encapsula tanto amor quanto conflito, criando um espaço onde as emoções humanas mais profundas podem ser exploradas.
Em certos episódios, a impulsividade de Vi leva a ações com consequências devastadoras para aqueles ao seu redor. Essa dualidade entre força e fragilidade cria uma narrativa rica e envolvente justamente porque Vi é falha e humana. Quem nunca se descontrolou pela raiva e acabou descontando em um ente querido, por exemplo?

A motivação de Vi vai além do desejo por poder ou reconhecimento. Ela busca redenção e reconciliação com sua irmã perdida, o que dá à sua jornada um propósito emocional profundo.
Mesmo acreditando ter perdido Powder para sempre e vendo Jinx como um mal que precisava ser detido, Vi assume a responsabilidade de levar a irmã à justiça. Seu amor fraterno, no entanto, a impede de pôr fim à vida de Jinx.

Essa profundidade emocional é algo que falta em muitas representações contemporâneas de heroínas em outras franquias populares, onde as personagens frequentemente são apresentadas sem o devido desenvolvimento.
Arcane, por outro lado, constrói suas protagonistas com nuances e motivações que refletem as lutas reais enfrentadas por mulheres no mundo moderno.
Jinx: a anti-heroína complexa
A complexidade de Jinx em Arcane revela um arco narrativo rico e multifacetado. Sua trajetória é guiada por motivações pessoais que vão além de uma simples busca por poder ou vingança.
Desde a infância, Jinx, anteriormente conhecida como Powder, foi moldada por traumas que afetaram profundamente sua identidade. Essa construção da personagem não apenas destaca sua força, mas também expõe sua vulnerabilidade.

A transformação de Powder em Jinx representa a luta interna entre o desejo de aceitação e a necessidade de autonomia. Esse conflito é evidente ao longo da série, com ações que frequentemente refletem uma batalha contra seus próprios demônios. Sua busca por validação se entrelaça com momentos de desespero e impulsividade.
O passado de Jinx influencia suas decisões e relacionamentos, especialmente com Vi. A relação entre as irmãs é marcada por amor e dor, mostrando como o trauma pode atuar tanto como um fator motivacional quanto como uma barreira para a reconciliação.
Jinx é forte, mas emocionalmente instável. Subestimada por sua loucura e fragilidade emocional, é exatamente isso que a torna audaciosa: ela atira um míssil no conselho de Piltover. Enquanto na parte nobre da cidade ela causa terror, na parte pobre Jinx se torna um símbolo de revolução, pois foi a única a realmente atingir Piltover de jeito — algo que nem Silco nem Vander conseguiram, já que sequer passaram da Ponte do Progresso.

Essa relação fraterna, ou até materna, foi um dos pontos mais altos e sensíveis da segunda temporada, culminando em um final trágico de partir o coração. E, à beira do abismo, Jinx encontrou força para lutar, não por Piltover ou Zaun, mas para ajudar sua irmã, a quem nunca deixou de amar.
Caitlyn: a inteligência e a empatia como força feminina
Caitlyn se destaca na série, cuja construção vai além dos clichês comuns. Ela representa o lado nobre de Piltover — não apenas sua riqueza, mas também sua grandeza, inteligência e empatia.
No entanto, por ter sido criada em um ambiente oposto ao de Zaun, cresceu sem plena consciência da miséria logo abaixo da Cidade do Progresso.

É Vi quem a desperta para a realidade e para o perigo iminente dos barões da química de Zaun, que faz com Cait finalmente possa agir para defender sua cidade e levar a justiça.
Claro que a sua inocência e aliada a uma vida de privilégios a faz enxergar as coisas com mais otimismo, que a coloca em conflito com Vi, que enxerga tudo com pessimismo.
Cait pensa antes de agir, bola uma estratégia e mantém a esperança. Em muitos sentidos, é o oposto de Vi, mas o desejo de corrigir as injustiças as une. Elas se enxergam por completo, com virtudes e defeitos.
Apesar dos conflitos, é justamente por reconhecerem o melhor uma na outra que acabam se apaixonando.

Vi não subestima Cait, e Cait vê o bom coração de Vi por trás de sua truculência. Vi não hesita em apontar os erros e julgamentos equivocados de Cait, enquanto Cait ensina Vi a ter um pouco mais de esperança.
Como todos os personagens de Arcane, Cait tem seus momentos de fraqueza e queda. Ela inicia a segunda temporada sofrendo uma grande perda, que vira seu mundo de cabeça para baixo, desafia seus princípios e a coloca em conflito direto com Vi.
Dominada pelo ódio, torna-se suscetível à manipulação de Ambessa, que usa seu desejo de justiça para levá-la a um caminho extremo. Isso permite que a general noxiana se infiltre em Piltover/Zaun, quase destruindo ambas as cidades em busca de sua própria ambição.

Mas é o amor por Vi que a resgata de seu ódio e a reconduz aos seus princípios, à melhor parte de sua personalidade. Em meio a uma guerra iminente, elas finalmente se entregam ao amor. E, após tantas perdas, terminam juntas.
Seu relacionamento é um exemplo tanto de força quanto de representatividade: em nenhum momento a sexualidade de ambas é questionada. Pelo contrário, é retratada de forma natural — como deve ser.
Em Arcane, Caitlyn exemplifica como a força feminina pode se manifestar por meio da inteligência emocional e da empatia.
Essa abordagem não só enriquece sua narrativa pessoal, mas também reforça a ideia de que as verdadeiras heroínas são aquelas que compreendem o poder das conexões emocionais.
Tanto Cait quanto Vi são personagens lésbicas admiradas pelo público não apenas por sua representatividade, mas por serem personagens repletas de nuances e camadas. É um casal tão verdadeiro que é impossível não torcer para que fiquem juntas.

Construção de personagens femininas
A construção de personagens femininas em Arcane é exemplar. Diferente de produções anteriores que tentaram introduzir figuras femininas fortes por meio de narrativas superficiais, a série apresenta um panorama rico, onde cada personagem possui sua própria história e um arco emocional bem desenvolvido.
As interações entre Vi, Jinx e Caitlyn formam um triângulo dinâmico, no qual cada uma traz uma perspectiva única:
- Vi representa a força bruta aliada à vulnerabilidade.
- Jinx tem uma visão distorcida da força, moldada por traumas profundos.
- Caitlyn, com sua inteligência e empatia, equilibra essas dinâmicas, proporcionando um contraponto essencial.
Essa diversidade de representações femininas demonstra o potencial da série para contar histórias impactantes que desafiam estereótipos e oferecem novos modelos para as audiências.
A jornada de Vi em Arcane não apenas redefine o conceito de heroína forte, mas também estabelece um novo referencial para futuras produções. As dificuldades que ela enfrenta e seu desenvolvimento emocional criam um espaço onde outras mulheres podem se ver refletidas.

É onde Arcane acerta
A narrativa de Arcane privilegia o desenvolvimento emocional por meio dos vínculos formados entre suas personagens. Esses laços não apenas moldam suas identidades individuais, mas também refletem as complexidades do empoderamento feminino em um mundo onde cada escolha traz consequências.
A autenticidade dessas relações contribui para um legado duradouro das heroínas na mídia contemporânea. As personagens femininas de Arcane não são apenas bem construídas; elas se tornam um modelo a ser seguido, mostrando que o heroísmo se manifesta na vulnerabilidade, no crescimento e nas complexidades da vida real.

É isso que torna uma personagem feminina forte convincente e admirada pelo público. Elas não apenas se esforçam para parecer duronas — elas realmente são, mesmo errando, mesmo tendo fraquezas, sem medo de falhar e com coragem para se superar. Afinal, todo ser humano é falho.
Mulheres são fortes porque são resilientes. Lutam contra o mundo, mas também contra si mesmas. Enfrentam seus próprios demônios, evoluem de dentro para fora e transformam o mundo ao seu redor. Há beleza na imperfeição. E Arcane não teve medo de criar mulheres imperfeitas. É isso que as torna personagens extraordinárias.