[LIVROS] Cama de Gato: Humor, fim do mundo e realismo fantástico (resenha)

[LIVROS] Cama de Gato: Humor, fim do mundo e realismo fantástico (resenha)

Cama de Gato é considerada uma das principais obras do escritor americano Kurt Vonnegut, ao lado de “Matadouro 5” e “Café-da-Manhã dos Campeões“. A história é tida como “uma sátira do homem moderno e de suas loucuras” e tem como ponto de partida a pesquisa do protagonista para escrever um livro sobre o dia do bombardeio em Hiroshima, com foco no inventor da bomba.

Assim como em outras obras do autor, o tom é de sátira e sarcasmo e a história é contada de forma rápida, direta e curta (Cama de Gato tem apenas 278 páginas). Tudo começa quando Jonah (ou John) resolve escrever um livro sobre o dia em que a bomba atômica Little Boy explodiu em Hiroshima. Para coletar dados, ele vai atrás dos filhos do falecido cientista que criou a bomba, Dr. Felix Hoenikker. Ao visitar a cidade em que o cientista viveu, Jonah também vai ao local de trabalho de Hoenikker e a outros locais que tiveram algum significado na vida do cientista.

Os três filhos são completamente peculiares e excêntricos. São eles: Newt Hoenikker, um anão pintor de estilo minimalista e abstrato, Frank Hoenikker, um general na republica de bananas de San Lorenzo, localizada na América do sul, e Angela Hoenikker, uma alta clarinetista. Após conhecer e conviver com os três, a história passa a ser sobre o que o Dr. Hoenikker fez no dia em que a bomba explodiu. Mas ao longo da narrativa este objetivo se perde e tudo se confunde e se mistura numa profusão de realismo fantástico e ficção científica que resulta em algo improvável e impensável, como se Douglas Adams resolvesse escrever histórias ambientadas em Macondo, a cidade fictícia de Gabriel Garcia Marquez.

Cama de Gato

Logo no início da leitura temos contato com a religião de Bokonon, o Bokononismo. Por um tempo, as partes que mencionam as práticas e crenças desta religião podem parecer sem graça e sem sentido, mas ao longo da leitura de Cama de Gato é impossível não dar algumas risadas nessas mesmas partes – que ficam cada vez mais nonsense. Outro pondo positivo vai para a inventividade de Vonnegut ao criar o Gelo 9, que tem potencial apocalíptico e faz parte do grande desfecho da história.

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A (falta de) representação feminina

Há personagens femininas, mas nenhuma merece grande destaque na obra – vale ressaltar que pelo tamanho do livro, nenhum personagem é construído com profundidade, até porque esta não é a intenção. Não bastasse isso, alguns trechos podem incomodar e nem todas podem achar o humor do autor algo engraçado. Como na problemática parte em que Jonah visita a empresa que Dr. Hoenikker trabalhou.

“A srta. Pefko não estava acostumada a bater papo com alguém tão importante como o Dr. Breed, e estava envergonhada. Até seu jeito de caminhar foi afetado, e ela começou a marchar de forma rígida e galinácea. Com um sorriso apático, ela esmiuçava o cérebro em busca de algo para falar, mas não encontrou nada além de lenços de papel usados e bijuterias”.

[…]

“Uma mulher gorda e ofegante, com ar de derrota, vestindo um macacão imundo, vinha se arrastando atrás de nós, ouvindo o que a Srta. Pefko dizia. Ela se virou para examinar o Dr. Breed com um olhar de reprovação impotente. Detestava pessoas que pensavam demais. Naquele momento, ela me pareceu uma representação de quase toda a humanidade.” (p. 41)

E assim, entre religião, ficção científica, humor torto e ditaduras terceiro-mundistas apocalípticas a história segue. Cama de Gato tem um estilo peculiar que pode não agradar a todas as leitoras, mas quem aprecia os já mencionados Douglas Adams e Gabriel Garcia Marquez – e até mesmo Thomas Pynchon -, deve se deliciar com a obra. Vale como leitura despretensiosa. Desses livros que pegamos em um fim de semana e devoramos de uma só vez!

Entre os trechos mais memoráveis, está um em que dois personagens conversam acerca de uma provável greve de escritores:

– […] acho que não ficaria em paz se apoiasse uma greve assim. Quando um homem se torna escritor, assume uma obrigação sagrada de produzir beleza, iluminação e conforto a toda velocidade.

– Não posso evitar pensar no choque que seria para o mundo se de repente ninguém criasse mais livros novos, histórias novas, poemas novos…

– E você ficaria orgulhoso quando as pessoas começassem a morrer como moscas? – perguntei.

– Acho que morreriam mais como cães raivosos, rosnando e mordendo umas às outras, e correndo atrás do próprio rabo.

Na edição da Aleph, a competente tradução é de Livia Koeppl, Cássia Zanon foi copidesque e a revisão ficou por conta de Raquel Nakazone, Camila Fernandes E Isadora Prospero. Aliás, uma curiosidade: o time da Aleph é repleto de mulheres! Vejam Só: Betty Fromer é diretora executiva, Bárbara Prince e Andréa Bergamaschi fazem parte do editorial, Luciana Fracchetta e Stephanie Antunes estão na equipe de comunicação, Roberta Martins é do Financeiro e Lidiana Pessoa, Roberta Saraiva e Ligia Carla de Oliveira integram o departamento Comercial!


Cama de Gato

Kurt Vonnegut

Editora Aleph

280 páginas

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