Wicked de Gregory Maguire: o livro que deu origem ao musical

Wicked de Gregory Maguire: o livro que deu origem ao musical

Com a estreia do filme Wicked (2024), adaptado diretamente do musical da Broadway de mesmo nome, é possível que muitas pessoas se voltem para a obra de origem que o inspirou. O livro escrito pelo autor norte-americano, Gregory Maguire é o primeiro em uma série de 4 livros que desenvolve a história do mundo de Oz.

Porém, é importante saber, para evitar desapontamentos de quem espera encontrar o musical em forma literária, que além de uma inspiração geral, há pouco em comum entre as duas obras. Em especial no que diz respeito à diferença entre os tons empregados no espetáculo teatral (e agora também cinematográfico), e em Wicked de Gregory Maguire. 

Leia mais >> “Wicked” é uma viagem para o mágico e desafiador mundo de Oz

Enquanto o musical se aproxima da magia de O Mágico de Oz (1939), fazendo alusão a produções dos estúdios Disney, com temáticas de amor proibido, bruxas e violões maléficos, o livro mantém uma abordagem muito mais sóbria e adulta, mesmo se tratando de uma fantasia. Isso porque lida com temas complexos que fazem paralelo com o nosso mundo real. 

O mágico de Oz

Wicked ou Maligna, de Gregory Maguire

Em Wicked de Gregory Maguire, a terra de Oz é um mundo dividido por fronteiras e suas culturas, que se comparam e julgam umas pelas outras. Neste mundo existem animais e Animais, sendo os Animais tão complexos e racionais quanto os humanos. Com a chegada do Mágico após cair em Oz em um balão de ar quente, as estruturas políticas do lugar começam a se transformar e novos cultos e crenças surgem em determinados pontos dessa terra. 

O livro se inicia seguindo a família de Frexpar, um influente Munchkin que tem uma função parecida com a de um líder religioso de uma comunidade, e sua família. Melena, a sua esposa está prestes a dar a luz, apesar disso, a mulher não parece contente ou de modo geral feliz com a sua vida.

Após Elphaba nascer completamente verde, Frex se volta ainda mais para as suas crenças, enquanto Melena se torna ainda mais deprimida e revoltada. A família se muda para longe de Munchkinland, para uma região onde Frex acredita poder espalhar as suas crenças. 

Na história há uma série de saltos temporais, que nos levam a conhecer os acontecimentos da vida de Elphaba, desde a difícil infância baseada na relação com sua mãe que a rejeitava e o pai, cada vez mais obcecado com o próprio mundo. Passando pelo período que a menina passa na universidade de Shiz, onde conhece Galinda, Fiyero, a senhora Morrorosa e os problemas acerca dos Animais, por meio do professor Dillamond.

A partir de então, Elphaba embarca em uma cruzada para se unir à resistência contra o Mágico e salvar os Animais da perseguição e descriminação, além do tratamento cruel ao qual estavam sendo submetidos por todo o mundo de Oz.  

Em Oz, mas longe da magia

Os personagens que vemos no livro e em suas adaptações se tornam o que mais difere o livro e o musical.

Na obra literária, Elphaba é a protagonista absoluta. Ou seja, ela não divide tanto o protagonismo com Galinda. Além disso, diferente da adaptação, inicialmente Elphaba não possui habilidades mágicas, nem pretensões de adquiri-las.

É apenas anos após sua vida em Shiz, que a personagem inicia a jornada em busca de alguma forma de aprimoramento nesse sentido. Boa parte de sua história é informada pela relação entre Elphaba e Fiyero, e não entre ela e Galinda. 

Ilustração de Elphaba
Ilustração de Elphaba | Imagem: Reprodução

Durante os muitos anos e os acontecimentos trágicos que cercam sua vida, Elphaba se torna uma pessoa dura e fria. Apesar de encontrar uma espécie de refúgio, sua mente se volta para o antigo objetivo de intervir no governo do Mágico e libertar os Animais de sua opressão. Mas esses acontecimentos se dão carregados pelo ressentimento de Elphaba sobre os anos que passou na Cidade das Esmeraldas.  

Galinda ou Glinda, como passa a ser conhecida posteriormente, tem um destaque menor no livro, estando presente apenas durante a porção da história que se passa em Shiz e retornando brevemente durante o desfecho. Ao serem obrigadas a dividir as acomodações, eventualmente ela e Elphaba desenvolvem uma amizade, mesmo sendo muito diferentes. O objetivo de Galinda é desde o princípio conseguir fazer magia e a sua ambição e descaso com as situações que Elphaba lhe mostra, não a persuadem  de se aliar ao Mágico. 

Os amores de Elphaba

Ainda assim, talvez o personagem que mais difere entre o livro e o musical seja Fiyero. Enquanto em um ele se apresenta como uma espécie de príncipe playboy que conquista o coração de todos, inclusive de Galinda e Elphaba. No outro, Fiyero na verdade é jovem que parece sentir uma certa dificuldade de lidar com as responsabilidades que o seu futuro guarda. 

Ele chega em Shiz já comprometido por um casamento arranjado e apresenta muita empatia com Elphaba. Muito relacionado ao fato de que Fiyero é descrito como uma pessoa de pele morena, cobertos por tatuagens e pequenos diamantes por todo o seu corpo. Referentes à cultura de sua terra. Algo que o aproxima de Elphaba, por também ser visto de forma diferente dos outros. 

Os três fazem parte de um grupo de amigos que também conta com Boq, Nessarose, irmã de Elphaba. Além de Avaric, Crope e Tibette. Mas destes Elphaba reencontra apenas Fiyero e Nessarose. Que em sua versão original não possui os dois braços, e se sugere como razão a isso, a possibilidade dela não ser a filha biológica de Frex. Além disso, o livro ainda conta com uma série de outros personagens que não estão presentes na versão para os palcos.

Gregory Maguire e a sua versão de Oz

Dessa forma, a história se desenvolve de uma forma que deixa poucos espaços para momentos de leveza, mas nos convida a refletir sobre uma série de temas que assombraram a sociedade ao longo da história, como a descriminação, que é o principal elemento que move a narrativa.

É a partir da diferenciação entre pessoas e Animais, que o Mágico torna aceitável a perseguição e exclusão destes da sociedade. Ao colocá-los como seres menores toda a sociedade passa a ser convencida, não apenas de que isso é verdade, como também de que sempre havia sido assim. 

Esse tipo de estratégia foi e ainda é muito utilizada para subjugar povos e justificar comportamentos racistas. Elphaba consegue enxergar a violência desse processo, por ela própria ser e se sentir diferente e excluída. A sua experiência com o pai, que se torna cada vez mais um líder religioso fanático, também a permite uma melhor compreensão sobre a figura do Mágico e a sua forma de governar. 

Ilustração de Douglas Smith de Elphaba presente no livro de Gregory Maguire
Ilustração de Douglas Smith de Elphaba presente no livro de Gregory Maguire | Imagem: Reprodução

Sendo esse um outro tema muito presente na história, o do autoritarismo que é vigente em Oz. Não apenas pela figura do Mágico, como também é possível vê-lo no governo de Nessarose sobre a Munchkinland. Quando ela assume o cargo do avô, mas sendo influenciada pelas crenças do pai. 

Você deveria ler Wicked, mas não pelo musical

O livro Wicked, de Gregory Maguire se trata muito mais de uma viagem por alguns dos caminhos mais sombrios da humanidade. Do que de uma história de amadurecimento, ascensão e queda como o musical. Além disso, tem em seu centro uma protagonista feminina que se despe dos arquétipos mais tradicionais.

O fato de ser mulher não informa as suas ações ou as repercussões delas. A narrativa ainda traz diferentes exemplos de relações maternas que não subscrevem a imagens conservadoras da maternidade, mas sem criar julgamentos sobre as personagens. 

Não é possível atribuir um valor qualitativo entre livro ou musical, já que além de serem muito diferentes um do outro, ambos são êxitos em seus respectivos formatos. O mágico musical cumpre todo o prometido dentro de sua proposta, assim como o livro. Que com maior espaço, destrincha os sentimentos, estruturas e psicologias que formam esses personagens.

Em uma espécie de estudo não apenas sobre a transformação da esperança em ressentimento, como também a respeito do controle exercido pelas estruturas no poder. 

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Historiadora e Mestre em Cinema e Audiovisual. Pesquisando estética, identidade e como desafiar os padrões. Nerd desde do berço e apaixonada por arte, cinema e educação.
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