[CINEMA] “Lobo e Ovelha”: brincando de ser adulto (Mostra SP)

[CINEMA] “Lobo e Ovelha”: brincando de ser adulto (Mostra SP)

“Lobo e Ovelha” foi desenvolvido a partir de um incentivo recebido pela “Cannes Cinéfondation Residency” em 2010, quando a diretora afegã Shahrbanoo Sadat tinha apenas 20 anos de idade, sendo, desta forma, a pessoa mais jovem a receber tal contribuição. O roteiro demorou bastante tempo a ser desenvolvido e finalmente filmado, pois Sadat foi impedida de rodá-lo no Afeganistão. A fim de encontrar uma locação que mais se assemelhasse ao quadro geográfico de seu país de origem, Sadat decidiu rodar o filme no Tajiquistão (país montanhoso encravado na Ásia Central) quando este país estava com relações diplomáticas rompidas com o Afeganistão.

Shahrbanoo Sadat, viveu dos 11 aos 17 anos de idade em uma vila isolada no interior Afegão. Em seu longa-metragem de estreia, pretendeu retratar um pouco dessa cultura local escrevendo um roteiro que descreve o cotidiano de uma comunidade em que as crianças guiam a trama. Com uma excelente fotografia muito bem integrada ao contexto narrativo, conhecemos um grupo de meninos e meninas que mal se comunicam justamente pela divisão social que aquela sociedade impõe entre homens e mulheres desde a tenra idade. Com grandes planos abertos, a diretora conjuga a solidariedade existente entre os habitantes do vilarejo ao isolamento com o resto do país.

Os diálogos crus e duros entre as crianças mostram o quanto os meninos já expõem, de forma bastante arraigada, uma misoginia oriunda de uma educação pautada na lógica do patriarcado; enquanto as meninas reproduzem, através de brincadeiras, um modelo em que o casamento é o único mote de vida, apesar de trabalharem tanto ou mais que os meninos. O interessante é que o roteiro é construído em tons naturalísticos, sem manifestar um aparente julgamento de valor por parte da diretora, aproveitando os próprios contos que permeiam o cotidiano dos habitantes para fazer uma crônica social, através das figuras míticas de um lobo e de uma fada verde, que aludem ao amadurecimento e o despertar da sexualidade. O filme perde um pouco seu ritmo quando foca nos adultos sem, contudo, prejudicar o todo.

A utilização de uma linguagem sofisticada, que alinhava uma estrutura narrativa (próxima à escola do “cinéma vérité”) à ficção surrealista da fábula local, que amalgama as engrenagens das crenças populares naquela região do planeta, faz de Sabat uma cineasta diferenciada. Não é à toa que, na sua estreia, “Lobo e Ovelha” levou o prêmio Art Cinema na Quinzena dos Realizadores no Festival de Cannes (2016).

Uma mulher amaldiçoada pode muitas vezes ser tão ou mais perigosa que um lobo faminto diante de um rebanho de ovelhas.

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Aquariana, mora no Rio de Janeiro, graduada em Ciências Sociais e em Direito, com mestrado em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA/UFRJ, curadora do Cineclube Delas, colaboradora do Podcast Feito por Elas, integrante da #partidA e das Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema. Obcecada por filmes e livros, ainda consegue ver séries de TV e peças teatrais nas horas vagas.
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