[LIVROS] As Coisas Que Eu Aprendi Depois Que Eu Morri: A misoginia da sociedade de hoje

[LIVROS] As Coisas Que Eu Aprendi Depois Que Eu Morri: A misoginia da sociedade de hoje

“As Coisas Que Eu Aprendi Depois Que Eu Morri” é um livro da autora nacional Victoria Ribeiro, publicado na plataforma digital da Amazon. Através da história de Mariana e Bernardo, ele mostra como o mundo se deteriora pela ganância humana e como os poucos sobreviventes continuam suas vidas em meio a uma cidade de São Paulo em ruínas. Com uma escrita emocionante, ele descreve cenários terríveis, sobretudo para as mulheres, e traz uma reflexão sobre as atitudes das pessoas de hoje.

[NÃO CONTÉM SPOILERS]

Mariana está no último ano do ensino médio quando a guerra começa. Todos os sonhos sobre o que seria depois de se formar foram destruídos junto com sua cidade. Porém, isto é algo que se descobre no depois, porque mais importante do que descobrir o que houve é fugir de onde se está no momento. E ela está num lugar terrível.

Pensar no passado pode ser cruel para ela, principalmente porque se lembra de Bernardo e de como ele foi diferente dos outros homens em sua vida. Bernardo compreendia o porquê de ela não querer ser reconhecida por sua beleza, mesmo que não soubesse de tudo o que havia se passado com ela desde que a tia – com quem vive desde os 12 anos – a levara para São Bernardo do Campo na tentativa de fugir da guerra. Ela lutara tanto em sua juventude para ser bela e, então, aceita pelos demais, que se surpreendera ao ver o quão pouco a beleza significava para a sua felicidade – pelo contrário, descobriria que a beleza não somente trouxera tristeza no processo de sua aquisição como traria mais tristeza no fim do mundo.

Confiar nas pessoas é algo difícil para a protagonista, que desde cedo conheceu a brutalidade de um mundo machista em que as mulheres são descartadas como seres humanos e consideradas produtos. Não bastasse como foi destruída por pessoas próximas, sobreviveu para descobrir que mulheres eram objetos de satisfação da sexualidade masculina em um mundo em que as regras foram anuladas. De quase todos homens que conheceu, apenas um se preocupou em entender suas vontades e necessidades. E ela decide sair em busca dele, mesmo que tenha que encarar perigos como o tráfico de mulheres e grupos canibais ou caminhar por estradas de corpos.

A busca por Bernardo não caracteriza a necessidade de se ter um homem ao lado, como se poderia imaginar. Simboliza a busca por aquilo que ainda resta de racional quando nada mais sobrevive. É a forma que ela encontra de se manter sã quando todo o resto foi corrompido, violado e destruído. Mariana viu a morte de perto e viu como a vida pode ser uma morte. Encontrou em outras mulheres o mesmo medo que encontrava em si, um medo aprisionado em vergonha e segredos que ela deixava que a definissem, mas que não precisavam definir.

Enquanto a protagonista procura por Bernardo, este vive sua própria trajetória. Ele estava esperando na escola em que ambos combinaram de se encontrar até que adoeceu. Resgatado por um grupo de sobreviventes amigáveis, Bernardo enfrenta seus próprios fantasmas, vestígios de sua vida conturbada com um pai agressivo e de sua curta felicidade ao lado de Mariana.

“As Coisas Que Eu Aprendi Depois Que Eu Morri” toca em muitos pontos dolorosos, sobretudo no que se refere às mulheres, utilizando como pretexto o fim da sociedade como é conhecida atualmente. Contudo, preocupa-se em demonstrar que a crueldade presente neste cenário de guerra é algo proveniente de hoje. A brutalidade ronda as pessoas, mas estas ainda se preocupam em ocultá-la ao invés de combatê-la, em viver na hipocrisia de que o cotidiano está perfeito. E a brutalidade misógina que a autora descreve em seu livro está no homem que pensa que pode controlar os passos de uma mulher, no homem que bate em uma mulher, no homem que vende uma mulher, no homem que compra uma mulher, no homem que estupra uma mulher.

Victoria Ribeiro tem uma sensibilidade extraordinária ao narrar esta história de dor e escancarar que o fim do mundo está ocorrendo hoje. “As Coisas Que Eu Aprendi Depois Que Eu Morri” revela que os valores estão invertidos e que o ser humano caminha para sua própria destruição. No entanto, transforma a destruição interna de hoje e a destruição externa do amanhã em algo mais poderoso. Talvez não seja possível reconstruir o que foi perdido – dentro de cada um ou no mundo físico -, mas é possível transformar isto em força para lutar por algo melhor.

“Estamos sozinhos, cada um por si, sem regras, não temos mais pais. Era muito mais fácil quando tínhamos alguém para culpar. Fica pior quando estamos cientes de que somos monstros também, animais com a maldição do conhecimento.”


As Coisas Que Eu Aprendi Depois Que Eu Morri

As Coisas Que Eu Aprendi Depois Que Eu Morri

Autora: Victoria Ribeiro

Editora: Beatriz Ramos

243 páginas

Onde comprar: Amazon

Escrito por:

136 Textos

Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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