Sherlock: como NÃO criar personagens femininas

Sherlock: como NÃO criar personagens femininas

Lançada em julho de 2010 pela BBC, Sherlock é uma série (ou minissérie, devido ao seu formato de 3 episódios longos por temporada) que retrata as aventuras do famoso detetive inglês Sherlock Holmes dos dias atuais. A produção tem sido muito comentada e aclamada pela crítica tanto pelo seu roteiro, quanto pela atuação e direção, desde o seu início. Entretanto, com o final da sua quarta temporada agora em 2017 muitos começaram a questionar as escolhas dos criadores da série, Steven Moffat e Mark Gattis. As criticas se deram mais devido ao roteiro e produção dos episódios, entretanto vamos trazer aqui uma crítica que é tão importante quanto: a construção das personagens femininas na série.

Sophie Gilbert publicou no site The Atlantic, em janeiro, uma reflexão sobre a forma que a série tem construído as mulheres, mostrando como, apesar de ser situada nos dias atuais, Sherlock ainda consegue cair em estereótipos femininos e usar essas personagens mulheres apenas como instrumentos para desenvolver a história dos dois homens brancos que são os personagens principais: John Watson e Sherlock Holmes.

Por causa dessa quarta temporada, que nos fez questionar se vamos mesmo ou não continuar a ver a série, e de uma recente matéria onde Steven Moffat defende a sua criação de personagens femininas, mostrando que ele realmente não entende o que significa criar personagens femininas fortes e complexas, decidimos trazer algumas das personagens principais e analisar os seus papéis na série:

Molly Hooper

Molly Hooper

Molly (Louise Brealey) aparece na série logo no começo como uma patologista que auxilia Sherlock nas investigações de crimes. Apesar de ser inteligente, interessante e uma personagem original, que deveria ter feito apenas um ou outro episódio mas conquistou os criadores da série e se tornou uma personagem regular, Molly se tornou apenas uma mulher apaixonada por Sherlock. Mesmo que em outras temporadas ela tenha tido mais importância para o desenvolvimento dos episódios, na quarta ela mal aparece, e no último episódio, The Final Problem, é forçada a admitir o seu amor por Sherlock Holmes pelo telefone depois de ser manipulada pela vilã, que era também a irmã perdida do detetive. Essas e outras cenas mostram que, apesar de ser uma boa personagem, Molly é raramente bem utilizada na história pelos escritores, ficando sempre de lado apenas para amar o herói protagonista.

Irene Adler

Irene Adler

Talvez um dos maiores casos de tentativa de construir uma personagem feminina complexa com estereótipos de mulheres Badass, Irene (Lara Pulver) aparece no episódio Um escândalo em Belgravia como uma dominatrix sensual que é também super inteligente; sua inteligência é equivalente à de Sherlock. Entretanto, ela também se torna dependente dele, precisando ser salva e até mesmo se apaixonando por ele (mesmo que a personagem seja apresentada como lésbica a princípio).

Esse papel limitado e sexualizado de Irene mostra como o gênero faz diferença na criação dos personagens em Sherlock. Ela é tão inteligente quanto o personagem principal, mas ao invés de ser desenvolvida com complexidade ela acaba existindo apenas para entrar na categoria de “mulher forte super foda” que daria cookies feministas para a séries. Irene manipula os homens com sua sexualidade, mas no final se torna em uma mulher “emocional” que pensa com o seu coração e não seu cérebro, dando a Sherlock uma vantagem sobre ela.

Mary Watson

Mary Watson

Mary (Amanda Abbington) aparece como a noiva de John Watson na terceira temporada, depois que Sherlock fingiu a própria morte deixando o amigo sozinho. A princípio ela parece ser uma namorada normal e super compreensiva em relação ao relacionamento de Sherlock e John. Mary tenta ser parte do time ao invés de se opor a ele, conseguindo até mesmo ter um bom relacionamento com Sherlock, e logo na terceira temporada descobrimos que ela tem um passado secreto como espiã, o que a torna mais complexa e interessante.

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Entretanto, a personagem que poderia ser considerada a primeira mulher regular bem construída da série, acaba sendo também só mais uma usada na construção da história. Na quarta temporada ela morre para proteger Sherlock, se tornando no tropo “Lost Lenore” que usa a morte de uma personagem para gerar revolta e raiva nos protagonistas da série. Sua morte serve apenas para fornecer um impulso narrativo e um conflito em uma temporada com histórias fracas e pouco desenvolvimento de personagens. Apesar de todos as críticas às personagens, Steven Moffat e Mark Gattis continuam ignorando esses problemas e defendendo as suas escolhas, dizendo que as suas personagens não precisam ser melhoradas.

Mary Watson morre no final porque ela sempre morreu. Com Molly Hooper nós demos a Sherlock mais vozes femininas que nunca.” – Steven Moffat

Os criadores demonstram então que, mesmo com uma boa produção e ótimos atores, a série que devia mostrar um Sherlock Holmes mais “moderno” continua reproduzindo estereótipos, a diferença é que agora Watson escreve em um blog.

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Feminista. 20 anos. Libriana indecisa com ascendente em leão que sonha em viajar o mundo. Estudante de publicidade e propaganda, apaixonada por séries, livros, filmes e levemente viciada em ver fotos de animais fofinhos na internet.
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