The Handmaid’s Tale: impressões sobre essa distopia que discute o controle sobre a mulher

The Handmaid’s Tale: impressões sobre essa distopia que discute o controle sobre a mulher

Há cerca de duas semanas estreou a aguardada adaptação de O Conto da Aia, distopia da autora canadense Margaret Atwood. Intitulada The Handmaid’s Tale e produzida pelo serviço de streaming Hulu, a série fez tanto sucesso que após os três primeiros episódios, liberados no dia 26 de abril, foi renovada para uma segunda temporada. E não sem motivos. O roteiro de Bruce Miller e as atuações, que contam com Elizabeth Moss (Mad Man), Alexis Bledel (Gilmore Girls), Samira Wiley (Orange is The New Black) e Yvonne Strahovski (Dexter), conseguem captar a essência da obra de Margaret Atwood – a qual foi consultada durante a produção -, ainda que com modificações.

Handmaid's Tale

AVISO: NÃO CONTÉM SPOILERS

No futuro, o mundo foi afetado pela guerra e pela poluição, o que acabou afetando capacidade fértil das mulheres e as taxas de natalidade. Quando um governo teocrático fundamentalista assume o poder, a solução encontrada é reunir as mulheres férteis em casas especiais, onde serão treinadas para servirem aos homens de alto escalão, chamados comandantes, e suas esposas.

Denominadas aias, possuem unicamente a função de procriar. E entre elas está a protagonista, que, como todas, foi obrigada a se reinventar e a esquecer familiares, amigos, nomes que já não deveriam fazer sentido. Chamada de Offred, em função do nome de seu comandante, ela revela a sua visão sobre a transição de um sistema ao outro e da repressão ao sexo feminino. E também revela sua incapacidade em aceitar as novas condições.

Mulheres em evidência em The Handmaid’s Tale

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The Handmaid’s Tale não desaponta na quantidade e força dos papéis femininos. Se a mensagem da obra em que se baseia é justamente uma discussão sobre o papel da mulher na sociedade, seria de se imaginar que as personagens femininas exerceriam protagonismo na adaptação. Todavia, o que pode parecer óbvio, não o é.  Infelizmente, a indústria cinematográfica está repleta de obras que pretendem quebrar padrões e acabam por se entregar aos mesmos clichês de sempre.

Homens desconstruindo mulheres a partir de visões masculinas das mulheres. Então, é importante evidenciar a relevância dos papéis femininos nesta adaptação. Embora seja produzida por um homem, não houve uma tentativa de dar mais destaque aos personagens do sexo masculino. Pelo contrário, os papéis femininos estão sendo ainda mais explorados que no livro, sem que se desconectem da visão de Margaret Atwood. deste modo, mulheres dominam a cena, discutem suas próprias condições, sofrem e se unem diante de uma opressão sistemática, deixando claro que não é um mal individual somente, mas coletivo.

Offred, Ofglen (Alexis Bledel), Moira (Samira Wiley), Serena Joy (Yvonne Strahovski) e Janine (Madeline Brewer) exercem diferentes funções dentro do sistema (aias, esposas, fugitivas), mas são todas vítimas da dominação masculina pelo pretexto de continuidade, e por constituírem o centro da crítica do livro e da série, ganham mais destaque que os personagens masculinos.

As críticas sociais da 1ª temporada de The Handmaid’s Tale

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Como mencionado, o livro e a série possuem como tema principal a discussão do machismo enraizado em uma sociedade pretensamente igualitária. Portanto, a adaptação não poderia ignorar passagens do livro que abordavam as lutas sociais do que seria o tempo passado da narrativa (quando a protagonista ainda era livre), entre as quais eram discutidas polêmicas como estupro, aborto, feminismo de modo geral, entre outros.

Do mesmo modo, não poderia deixar de mostrar a hipocrisia da elite dominante, a qual prega uma moralidade aos dominados, mas se coloca em posição de exceção. Assim, revela através de personagens, como o comandante, de que modo os homens burlam as regras que impõem a si para também restringir os direitos das mulheres.  Ainda discute o papel da mulher e a insistência em reduzir mulheres à sua condição biológica de reprodutoras, ressaltando que a visão puramente biológica da mulher é uma das justificativas utilizadas ainda hoje para o controle sobre o corpo feminino, retirando das verdadeiras donas do corpo a autonomia sobre ele.

Não obstante, The Handmaid’s Tale traz diversidade –  de etnia e afetividade – em seus personagens – e ilustra outros elementos presentes na obra original, tais como a utilização da violência como ferramenta de controle , seja no processo “educativo” ou na contenção da insatisfação, a punição aos transgressores da moralidade padrão, os contornos de um mundo destruídos pelas mãos humanas – o que é realizado através das colônias, local para onde são enviados os exilados. Também, não deixa de destacar a importância do discurso religioso no processo de dominação desta sociedade fictícia, que utiliza a figura divina na justificativa da repressão. Para tanto, traz ainda mais cenas de rituais típicos deste universo.

As mudanças em relação à obra original de Margaret Atwood

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Como toda adaptação, The Handmaid’s Tale possui diferenças em relação à obra original. Ainda que não finalizada, algumas das modificações são importantes. A que mais se destaca inicialmente é a nominação dos personagens. Margaret Atwood coloca o nome de Offred como um mistério. Há uma significação para isto. Offred (“de Fred”) teve que renunciar ao que ela era.

Obrigaram-na a apagar a mulher que uma dia fora mãe, que um dia trabalhara, que um dia casara, e a tornar-se apenas a aia de um comandante. E o mesmo ocorre com as demais aias. Todavia, a série concede um nome a elas, o que não é necessariamente negativo. A adaptação retira a significação explanada para tornar escravas em indivíduos de uma sociedade. Não há apenas Offred e Ofglen. Por trás dessas mulheres escravizadas há uma mulher chamada June e uma mulher chamada Emily, que tiveram suas vidas roubadas. Assim, a modificação pode ser vista de forma positiva.

Outros pontos foram alterados, a ordem de alguns fatos foi modificada, passagens de violência foram acrescentadas, mas nada que comprometesse a importante mensagem da obra original. Também houve modificações na caracterização dos personagens, o que é compreensível no processo de adaptação. O livro nem sempre explora tanto alguns personagens que puderam ser melhor explorados na série.

A protagonista foi modernizada, de forma a se encaixar nos padrões da mulher do século XXI. As mudanças se deram principalmente no vocabulário e em algumas expressões, o que gera um contraste com a personagem do livro. O livro foi escrito em 1985, então as modificações deste cunho acabam se destacando, embora não sejam negativas.

The Handmaid’s Tale é uma série promissora. Foram ao ar apenas 4 episódios, mas é possível ver a qualidade da obra através deles. Toda a importância do enredo original consegue ser bem desenvolvida na adaptação, sendo incrementada por uma boa imagem e uma trilha sonora que combina com o clima da história. Cada episódio finaliza com uma música de impacto e várias são as referências musicais durante o decorrer das cenas, destacando que a música é um importante meio de luta social. Assim, a série consegue combinar diferentes elementos em uma boa adaptação. Por fim, a série com certeza passa no Teste de Bechdel, pelos elementos já abordados acima. Desse modo, é uma série que deve ser prestigiada e que merece a renovação que teve desde cedo.

Handmaid's Tale

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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