Vingança: misoginia e as mulheres que são caçadas diariamente pelos homens

Vingança: misoginia e as mulheres que são caçadas diariamente pelos homens

Vingança (no original: Revenge) é o primeiro longa-metragem da diretora francesa Coralie Fargeat, e não por este motivo podemos ignorar esse trillher de ação. O filme usa e abusa de cenas de violência, sangue, estereótipos, e muitas metáforas, para nos presentear com um longa necessário sobre as consequências da misoginia, tema enraizado e muitas vezes banalizado e relativizado em nossas culturas. [NÃO CONTÉM SPOILERS]

A diretora Coralie Fargeat nos apresenta um filme que não poupa esforços nem usa de subterfúgios para mostrar, de forma clara e eficaz, a violência imposta contra mulheres, por homens que usam de sua força física e acordos tácitos entre seus pares e a sociedade. Esses acordos tácitos dizem respeito a diversas crenças sobre as relações homens/mulheres e apoiam a ideia, ultrapassada de que a mulher é propriedade do homem, e de certa forma, do estado (uma vez que não podemos decidir por um aborto de forma legal no Brasil).

As crenças sobre as relações entre homens e mulheres são variadas, vão desde a ideia absurda de que a roupa que uma mulher usa pode sinalizar e/ou autorizar o assédio, inclusive a violência, passando pela “teoria” de que existem “mulheres para casar” e outras para “práticas sexuais” (como se sexo prazeroso não pudesse existir no casamento e nas relações monogâmicas), até a ideia de pertencimento que alguns homens alimentam em si, de que as mulheres são objetos de suas vontades. Claro que temos toda uma gama de formas de violência, machismo e banalização das pautas de igualdade de gênero, tais como:

  1. Desigualdade de gênero nas profissões (De acordo com a mais recente Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, a média salarial da mulher equivale a 76% da média salarial do homem no Brasil. Em cargos de direção ou gerência, a diferença é ainda maior. Uma gerente ou diretora recebe, em média, apenas 68% da média salarial paga a uma pessoa no mesmo cargo, mas do sexo masculino);

  2. Desrespeito à licença-maternidade;
  3. Discriminação em função de orientação sexual;
  4. Violação da privacidade;
  5. Assédio sexual, bullying;
  6. Imposição de pensamento, fazendo com que a mulher acredite ser inferior e merecedora de uma violação (Esse tipo de agressão está previsto como criminoso pela Lei Maria da Penha); e muitos outros.

Em Vingança o que assistimos é a violação (física e emocional) de uma jovem mulher, cometida por homens – “de boa família e bem-sucedidos” –, que por conta de um desejo animal e normatizado em nossa sociedade, como se fossemos neandertais, agem violentamente contra essa jovem, tratando-a como objeto de seus desejos e com rigores de crueldade.

Jen (Matilda Lutz), uma jovem com ares de Lolita, linda e sedutora, chega com seu amante Richard (Kevin Janssens) a uma maravilhosa casa no meio do deserto para desfrutarem de um tempo a sós, uma vez que Richard é casado. Anualmente, Richard faz com seus amigos, Stan (Vincent Colombe) e Dimitri (Guilhaume Bouchede), uma viagem de caça ao deserto. Porém, Richard parte dias antes com Jen para ficarem juntos, contudo ele não esperava que seus amigos tivessem a ideia de anteciparem a chegada também.

Vingança
Jen (Matilda Lutz) e Richard (Kevin Janssens)

É no cenário paradisíaco e totalmente isolado da civilização (uma vez que não há nenhum sinal de outras pessoas nas proximidades do lugar, e o acesso só é feito por helicóptero), que Jen se encontra sozinha com três homens loucos para “caçar”. O longa nos leva a crer que toda a sequência de fatos que acontecem após a chegada dos amigos de Richard foi absolutamente ao acaso, o que piora em muito a ideia de que, quando em bando e isolados da civilização, os homens são capazes de se comportarem de forma absurda e extremamente violenta, fazendo valer apenas seus desejos e suas regras próprias (inclusive de lealdade um ao outro).

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A diretora Coralie Fargeat constrói uma história forte e carregada nas tintas para provar o quão brutal pode ser o machismo, não somente relacionado à violência de gênero, que inclusive só cresce no Brasil – 12 mulheres são assassinadas todos os dias no Brasil, a cada duas horas uma mulher é assassinada, uma taxa de 4,3 mortes para cada grupo de 100 mil pessoas do sexo feminino. Se considerarmos o último relatório da Organização Mundial da Saúde, o Brasil ocuparia a 7ª posição entre as nações mais violentas para as mulheres, de um total de 83 países. Esses dados da violência de gênero no Brasil comprovam exatamente o que vemos no longa Vingança, um excesso de sangue e violência que parece absurdo, mas que se compararmos com os dados que apresentamos, faz todo o sentido.

Jen muda seu comportamento e visual conforme o filme avança, e percebe que para continuar viva terá de deixar de ser caçada (literalmente) por esses homens e passar a caçá-los. Dessa forma, pouco a pouco diante de nossos olhos, a jovem passa de Lolita sedutora à guerreira empoderada que luta por sua vida, de igual para igual, com o trio. Vingança é um filme forte, às vezes cai para o caricato, mas através desses recursos demasiados acerta em cheio o ponto em questão.

Vingança
Jen (Matilda Lutz)

A violência contra a mulher é uma crescente e pouco há de políticas públicas sendo pensadas para auxiliar as mulheres em sua luta – atualmente temos a Lei Maria da Penha e a Lei do FeminicídioA personagem de Jen consegue reagir e reunir forças como uma fênix ressurgida das cinzas e lutar por sua vida. Mas, quantas vezes vemos casos de mulheres que conseguem escapar de situações de violência, quando colocadas em situação de risco? Quem não ouviu as histórias de estupros coletivos, mulheres sendo mortas a pauladas, queimadas vivas, assassinadas por seus maridos, namorados ou qualquer outro homem que se sinta no direito de cometer alguma atrocidade contra mulheres? Tudo isso está associado ao machismo que ainda corre nas veias de nossa sociedade patriarcal e desigual. Isso é vida real!

Recomendamos que todos assistam ao filme e levem esse tema para suas bolhas, com a finalidade de debater e conscientizar seus pares sobre o quão perigoso pode ser um mundo onde homens caçam suas presas – as mulheres. 

Segundo Coralie Fargeat, Vingança é a história da degradação de uma mulher. Esperemos que com esse desenho claro que Fargeat fez, possamos entender o quão degradante pode ser a vida de uma mulher nas mãos de um homem, e passemos a pensar coletivamente em formas de proteger nossa sociedade desse mal: MISOGINIA.

O filme estreia dia 07 de junho nos cinemas. 

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Mulher, mãe, profissional e devoradora de filmes. Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo, trabalhando com Gestão de Patrocínios e Parceiras. Geniosa por natureza e determinada por opção.
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