Justin: as descobertas de um menino transexual na obra de Gauthier

Justin: as descobertas de um menino transexual na obra de Gauthier

Como é ser um menino preso em um corpo de menina?“. Justine, personagem principal da graphic novel Justin, da autora e designer francesa Gauthier, responde a esta pergunta narrando para a leitora as inquietações que sofrera da infância à vida adulta, por não se sentir pertencente ao corpo feminino com o qual nascera. A autora narra de forma sucinta o quão desconfortável um homem ou mulher trans podem se sentir dentro de si mesmos, e ainda tomando para si todas as imposições exteriores vindas da sociedade.

Justine nasceu menina e desde a tenra infância foi envolta por uma bolha cor-de-rosa pela família. Porém, por mais que os ritos voltados às mulheres sempre estivessem presentes em seu cotidiano, ela sempre se lembrava do quão desconfortável isto era para ela. Em suas memórias felizes, Justine sempre estava cercada por brinquedos ou brincadeiras que, no senso comum, pertenciam ao gênero oposto, e até mesmo o conforto das roupas masculinas que usava tornava-se um bálsamo para sua alma inquieta, constantemente deslocada dos locais que frequentava.

No momento em que percebe que é um homem em um corpo de mulher, Justine sofre por perceber que todos ao seu redor reconhecem o fato, menos a própria família. No enredo, a mãe de Justine a fere constantemente por desmerecer seus pedidos; por um corte de cabelo mais curto, por exemplo, ou por exigir que a filha use um vestido contra a sua vontade. Neste ponto, a obra aborda o quão tóxico pode ser um relacionamento entre pais e filhos trans, uma vez que a família poderia ser o porto-seguro de uma pessoa com tantas mudanças doloridas a enfrentar (como se não bastasse o bullying que precisava enfrentar na escola por parte dos colegas)

Justin

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Por mais que em seu íntimo sempre soubesse que era um menino, Justine passa a impor mais a própria voz após uma aula de educação física, na qual seu professor pede que a turma divida-se entre meninos e meninas. Ao receber a ordem, Justine coloca-se ao meio dos dois grupos, evidenciando todas as dúvidas que carregara desde pequena dentro de seu próprio ser. É à partir daí que a protagonista começa a pensar em uma transição definitiva de Justine para Justin.

No meio do processo de transição, Justine começa a se questionar se a sua condição na verdade não seria apenas o desejo pelo mesmo sexo e, assim, conhece Joële, com a qual se relaciona e expande seus horizontes sobre o que era de fato ser transexual.

A namorada tem uma importância extrema na vida de Justin, uma vez que serve de ponto de partida para que ele passe a procurar por auxílio de profissionais. Um outro ponto extremamente importante abordado no quadrinho é a negligência e o despreparo de algumas pessoas da área da saúde, que muitas pessoas trans podem encontrar no processo de transição. De faltas de tato para conversas à sugestões de eletrochoques como tratamento válido, Justin precisou aguentar muitas consultas improdutivas até encontrar quem pudesse de fato o entender e ajudar a trazer à tona o homem que sempre fora.

Gauthier suaviza a trama de seu quadrinho até mesmo nos traços cartunescos, com os quais decide representar as personagens de sua história: todas elas possuem uma aparência antropomorfizada, denotando que qualquer leitora ou leitor pode colocar-se no lugar de algumas delas, inclusive no de Justin. O preto e branco recorrentes nos desenhos da autora também demonstram a monotonia de uma vida que Justin precisou levar por muito tempo, à sombra de sua verdadeira identidade. 

O quadrinho possui uma linguagem acessível e termina de modo que a leitora tenha vontade de continuar acompanhando as narrativas de Justin e a descoberta de um mundo de tantas possibilidades. Justin é uma história sensível e tocante que abre discussões e serve de início para outras leituras mais profundas sobre o tema da transexualidade.


JustinJustin

Gauthier

Editora Nemo

107 páginas

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Escrito por:

117 Textos

Formada em Letras, pós-graduada em Produção Editorial, tradutora, revisora textual e fã incondicional de Neil Gaiman – e, parafraseando o que o próprio autor escreveu em O Oceano no Fim do Caminho, “vive nos livros mais do que em qualquer outro lugar”.
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