13 Reasons Why – 2ª temporada: cultura do estupro e o perigo de uma narrativa tóxica

13 Reasons Why – 2ª temporada: cultura do estupro e o perigo de uma narrativa tóxica

A série mais polêmica de 2017, 13 Reasons Why retorna para sua segunda e derradeira temporada sem a mesma força dramática da primeira temporada, mas com um maior foco nas consequências causadas pelo comportamento tóxico e pela violência no ambiente escolar. 

Em 13 Reasons Why, Hannah Baker (Katherine Langford) continua muito presente nessa temporada, mas de uma forma menos dramática – ela vive através do processo de cura dos seus pais e dos seus colegas. A segunda temporada começa 5 meses depois do envio das treze fitas cassetes. Os jovens retratados na primeira temporada, cada um a sua maneira, enfrenta um turbilhão de emoções, abertas em decorrência dos acontecimentos na primeira temporada da série.

As consequências deixadas pela primeira temporada

Desde o anúncio da segunda temporada de 13 Reasons Why vimos muitas discussões sobre a necessidade de uma continuação para uma história que parecia fechada. Depois de uma primeira temporada intensa, com as 13 fitas e cenas envolvendo suicídio, bullying e estupro, parecia não haver nada mais para contar. Felizmente, a 2ª temporada mostrou-se bem interessante no sentido narrativo, porém é uma pena que o potencial tenha sido desperdiçado por escolhas forçadas e socialmente perigosas.

O primeiro grande erro dessa temporada foi trazer a figura de Hannah Baker de volta, como uma sombra do Clay Jensen (Dylan Minnette). Foi de extremo mau gosto colocar a Hannah como um fantasma que busca orientar o Clay. A cada aparição da personagem fica evidente que é uma projeção de uma Hannah que só existe na idealização do Clay.

Outro grande erro foi a decisão de arrastar essa segunda temporada por 13 longos episódios, de quase 1 hora de duração cada um, fazendo de uma possível maratona, uma tarefa extremante cansativa além de enfadonha, devido as recorrentes narrativas desnecessárias e diálogos constrangedores.

De forma lenta, acompanhamos, no plano de fundo, o julgamento civil movido pelos pais de Hannah contra a escola Liberty High School. Em cada episódio, cada um dos garotos serão ouvidos através de depoimentos. A dinâmica entre os advogados e as testemunhas ficou estranha, mas pelo menos cada um dos jovens teve a oportunidade de contar os seus respectivos pontos de vista – o que faltou na primeira temporada. A história central nessa segunda temporada é a luta por justiça contra a violência sexual – e é nisso está o grande problema. 

13 Reasons Why

Cultura do estupro

Um dos temas mais polêmicos abordados em 13 Reasons Why foi o estupro da Jessica (Alisha Boe) e da Hannah, descrito na primeira temporada de uma forma impactante. De uma maneira ou outra, as mulheres conhecem casos ou sofrem de alguma forma de violência de gênero. Sabemos que a sociedade minimiza a violência sexual contra mulheres, causando impunidade e sofrimento para milhões de mulheres e meninas em todo mundo.

Nessa segunda temporada, através da personagem Jessica, podemos entender um pouco o sofrimento causado por uma sociedade que prefere culpar a vítima do que punir e prevenir a violência contra a mulher. Mas um dos grandes erros do roteiro foi retirar das mãos das mulheres a cruzada por justiça contra a violação dos seus corpos. A intromissão de Clay e de outros homens fazem de um momento que poderia ser curativo, um palco para redenção masculina.

Mais nem tudo está perdido. A atuação de Alisha Boe como a intérprete Jessica Davis deve ser muito valorizada. Em todo o processo de cura de sua personagem podemos sentir a veracidade do trauma e da dor. Outro grande destaque foi o arco dramático da jornada de autodestruição e redenção de Justin (Brandon Flynn). O seu real arrependimento por omitir a violência cometida contra sua namorada foi bem desenvolvido e a atuação de Flynn está convincente.

13 Reasons Why
Jessica (Alisha Boe)

A interação da mãe de Hannah (Kate Walsh) com os outros personagens e com a memória de sua filha é passiva de apreciação. Aos poucos, a mãe conhece o outro lado de sua filha. A força que usa para lutar por justiça fornece as espectadoras um ponto de vista diferenciado em relação aos deveres dos pais com os filhos; uma lástima que a série não consegue ir além da superficialidade com os outros pais da trama.

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Perigo de uma narrativa tóxica!

Até meados do décimo segundo episódio temos uma temporada que serve mais como uma forma de resolver os assuntos deixados na primeira temporada da série. Quando chegamos na reta final, durante o clímax da busca por justiça contra a violência sexual, a história é sequestrada por uma trama perigosa.

Desde a temporada passada, Tyler (Devin Druid) dava indícios de desequilíbrio. Insinuações de que ele promoveria um atentado contra os alunos da escola era cada vez mais evidente. Toda a construção narrativa de Tyler, desde a sua primeira aparição em 13 Reasons Why, foi rasa. A segunda temporada mostra seus diversos lados obscuros. Se no caso de Hannah sua única opção para lidar com um acúmulo de violências foi o suicídio, no caso de Tyler foi a punição contra os seus agressores.

13 Reasons Why
Tyler (Devin Druid)

A forma que homens e mulheres lidam com o papel de vítima é mostrada de forma diferente em 13 Reasons Why. Foi digno da série levantar a violência sexual contra os homens, pois o machismo também age no encobrimento desses tipos de violência, mas a forma que o roteiro abordou a violência contra Tyler e suas escolhas, foi irresponsável. A forma gráfica que o abuso contra o menino foi exibida conseguiu ser mais impactante que a cena do suicídio de Hannah na banheira. Sem nenhum moralismo, uma série que tem como público-alvo adolescentes e jovens, precisa mesmo de mostrar na tela tamanhos realismos?

A conclusão da história de Tyler é bem questionável. Colocar toda responsabilidade de evitar um massacre nas mãos de adolescente é algo irresponsável e vai contra a todos os protocolos corretos para esse tipo de caso. Não é uma responsabilidade que deve ser atribuída aos jovens, porque cria um precedente que pode influenciar que os adolescentes pensem que essas situações pode ser resolvidas por eles mesmos.

Com falhas, a 2ª temporada de 13 Reasons Why cumpriu seu papel ao expor de forma realista as mazelas sofridas por jovens americanos no ambiente escolar. Já bem afastada do material literário que foi a base da primeira temporada, a série até deixa algumas iscas para uma possível terceira temporada. Contudo, se analisamos com cuidado, mesmo com temas tão relevantes e socialmente fortes, a história de Hannah Baker acabou nessa segunda temporada. Não há mais nada para se dizer.

A segunda temporada teve sua importância quando pensamos num processo de cura para esses jovens, até mesmo para Hannah e sua família, mas seria um erro tentar tirar mais do que já foi tirado em 13 Reasons Why.

https://www.youtube.com/watch?v=9ZaS5y2ZMzc

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Graduada em Ciências Sociais. Cineasta amadora. Viciada em livros, séries e K-dramas. Mediadora do Leia Mulheres de Niterói (RJ).
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