A Tale of Two Sisters é um filme sul coreano de 2003, dirigido por Jee-woon Kim. O filme é baseado em uma história do folclore da Dinastia Joseon (período da Coreia do Sul, de 1392 a 1897), chamada Janghwa Hongryeon jeon (traduzida literalmente para A História de Janghwa (Flor Vermelha) e Hongryeon (Lotus Vermelha), que serviu de inspiração para uma série de obras, entre filmes e livros.
Na história do folclore, vemos uma série de elementos semelhantes aos utilizados em narrativas folclóricas e orais da Europa, daqueles que encontramos repetidas vezes em histórias dos Irmãos Grimm. Janghwa é a irmã mais velha, Hongryeon é a irmã mais nova, e após dar à luz as duas filhas, com um breve período de harmonia e felicidade, a mãe das duas crianças morre, deixando um viúvo e duas meninas pequenas. O pai se casa novamente. A madrasta é cruel e não perde a oportunidade de causar infortúnios na vida de suas enteadas.
Após uma série de abusos, a madrasta consegue que as duas enteadas sejam mortas. Porém, os fantasmas das duas irmãs não descansam até conseguirem sua vingança. Os elementos do terror, ao deixar que uma mulher substitua o lugar de sua mãe morta e todos os males que essa pessoa pode trazer consigo, é algo bastante trabalhado em muitas culturas, e diversas histórias trabalham sob essa perspectiva. Mas, como é de costume em narrativas orais, os elementos tradicionais da cultura onde a história está sendo narrada dão um toque diferente entre as outras. Se a história folclórica da Dinastia Joseon termina com uma vingança sobrenatural e um final feliz, o filme infelizmente não traz a mesma sorte para as duas irmãs.
O filme narra uma história semelhante. Soo-mi Bae (a Janghwa, interpretada por Soo-jung Lim), irmã mais velha, retorna de um hospital psiquiátrico junto com sua irmã, Soo-yeon Bae (a Hongryeon, interpretada por Geun-young Moon), para a casa de seu pai. Lá, ela precisa conviver com sua madrasta cruel, que insiste em castigar e perturbar sua irmã mais nova. Soo-mi, entretanto, se nega a dizer ao seu pai todos esses abusos.
Com direção de Jee-woon Kim, que tem vasta experiência com filmes de horror e mistério, A Tale of Two Sisters tem um clima de tensão que deixa sem fôlego a quem está assistindo. Em qualquer momento, algo muito ruim pode acontecer, e mesmo nos instantes mais pacatos do filme, como quando as duas irmãs chegam à casa de seu pai, uma aura de terror parece assombrar o longa-metragem.
Como os bons filmes de terror orientais, os fantasmas que aparecem em cena não precisam ser os melhores efeitos especiais, porque toda a atmosfera toda do filme, além de sua fotografia, estética e os diálogos, convencem que aquilo é assustador e que você deveria tomar cuidado com qualquer cantinho escuro da sua casa.
A Tale of Two Sisters não é só sobre uma história de folclore antiga. Com o título de Medo ou Duas Irmãs, aqui no Brasil – que consegue captar bem a intenção do filme – a história toma rumos diferentes daqueles que a história oral pretendia contar. Se o folclore é, em grande parte, responsável por lições de moral, a adaptação moderna da história das duas irmãs é muito mais sobre os fantasmas e alucinações de uma jovem com problemas, após uma história trágica de família.
AVISO: Contém spoilers e revelações a partir daqui
No decorrer do filme, notamos que a madrasta Eun-joo Heun (Jung-ah Yum) é uma mulher realmente cruel e que havia sido enfermeira da mãe das garotas enquanto ela esteve doente, antes de falecer. Seus castigos em Soo-yeon são absurdos e Soo-mi já não aguenta mais. Então, ela decide confrontar seu pai sobre esses abusos.
Porém, em um plot twist aterrador, descobrimos que tanto aquela versão de Eun-joo Heun quanto a versão de Soo-yeon, são consequências do transtorno dissociativo de identidade pelo qual Soo-mi passa. Na verdade, Soo-yeon faleceu no mesmo dia que sua mãe – quando ela foi internada -, e Eun-joo é bastante diferente daquela mulher que Soo-mi criou em sua cabeça.
A competência do diretor não se encerra ao criar um ambiente assustador e aterrorizante. Por mais que seja um filme sobre uma rara doença mental, ainda assim ele possui os elementos folclóricos e elementos de um filme de terror. No final do longa, Soo-mi e Soo-yeon conseguem sua vingança, pois o fantasma de Soo-yeon volta para encontrar Eun-joo e, através de um flashback, descobrimos o que aconteceu no dia da morte de sua mãe.
Eun-joo, que realmente era enfermeira, chegou na casa das meninas como noiva do pai. Ao descobrir isso, a mãe se enforca no quarto. Ao tentar ajudá-la, Soo-yeon (a irmã mais nova) acaba sendo esmagada por um armário e Eun-joo entra no quarto enquanto a irmã ainda estava viva. Ao correr para buscar ajuda, ela encontra Soo-mi Bae, com quem tem uma discussão. Então, ela desiste de ajudar Soo-yeon, dizendo que a irmã mais velha se arrependeria daquele momento. Soo-yeon e sua mãe falecem juntas neste dia.
As três atrizes principais também merecem as honras. Se a ambientação e o roteiro são incríveis, a atuação delas faz com que o filme seja ainda mais assustador e convincente. Não esperamos um transtorno dissociativo de identidade, esperamos em uma história de terror com fantasmas como qualquer outra. Acreditamos duramente que as três personagens estão em confronto direto, o tempo inteiro; é um trabalho incrível o que fazem em tela.
AVISO: Fim dos spoilers
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A adaptação ocidental
Os anos 2000 foram uma grande década para produções ocidentais baseadas em filmes de terror orientais. Temos os exemplos de O Grito (The Grudge, de 2004, baseado no filme Ju-On, de 2002) e Água Negra (Dark Water, de 2005, baseado no filme Honogurai mizu no soko kara, também de 2002). Muitas dessas produções contaram com ajuda oriental para serem realizadas em terras ocidentais. Porém, outras produções ocidentais não tiveram a mesma preocupação de buscar a ajuda para manter a qualidade da versão oriental.
A versão americana dessa história recebeu o nome de The Uninvited (no Brasil, o título é O Mistério das Duas Irmãs), foi lançado em 2009 e dirigido por Thomas e Charles Guard.
Anna (Emily Browning) é a irmã mais nova nessa adaptação, e é ela quem retorna para casa após a internação no hospital. Sua irmã mais velha é Alex (Arielle Kebbel), e sua madrasta é Rachel (Elizabeth Banks).
AVISO: Contém spoilers neste parágrafo
Algo que a versão ocidental perdeu foi a oportunidade de trabalhar o transtorno dissociativo de uma forma mais convincente, como na versão oriental. Caso quem assista conheça a história, consegue facilmente notar que ninguém responde quando Alex fala, ou que os olhares passam despercebidos por ela. Rachel expressa até certo carinho por Anna, o que não colabora com a ideia que ela seja uma assassina. Entretanto, ainda sim é um ótimo filme baseado na história de duas irmãs e sua madrasta cruel (ou não tão cruel assim, nesse caso).
Apesar de ser uma história que “conhecemos”‘, pois trata-se de algo que já vimos repetidas vezes em contos orais, ambas as obras tratam da representação feminina de uma forma decente. A crueldade da mulher não cai no estereótipo, pois o fato de Soo-mi e Anna serem desacreditadas não parte do pressuposto de que elas não estão falando a verdade por serem mulheres, mas sim porque elas já estavam doentes antes.
O grande problema ao apresentar uma história onde as principais personagens são mulheres e alguma delas é a vilã, é deixar com que isso se torne um estereótipo de maldade e rivalidade feminina, que por serem mulheres são ciumentas, rancorosas e inimigas. Nesse caso, as duas obras citadas, tanto a oriental quanto a ocidental, não caem nesse nicho. As motivações são outras e os elementos são utilizados para criar o conflito entre as personagens.
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