Os quadrinhos de Lark: o cotidiano com um olhar lúdico

Os quadrinhos de Lark: o cotidiano com um olhar lúdico

Lark ilustra e cria quadrinhos online desde 2018. O trabalho da curitibana inclui três livros em quadrinhos e o recente lançamento de uma editora, além de forte presença nas redes sociais com suas tirinhas.

Os personagens variam, mas o fio condutor de muitas de suas histórias é um retrato do cotidiano com uma pitada de humor, metáforas e um tanto de surrealismo. Seu traço estilizado constrói tirinhas que, além de engraçadas, são muito fáceis de se identificar, mesmo quando não há nenhum ser humano nos painéis.

Quadrinho com quatro painéis. Primeiro painel: são três fantasmas, um com um chapéu e gravata, um mais achatado e com cabelo, e outro com chifres de rena. O de chapéu mostra um coraçãozinho aos outros e diz: "Observe este coraçãozinho frágil e delicado." Segundo painel: o de chapéu diz: "Como a gente evita que ele se machuque?". O achatado responde: "Deixando ele mais forte?" No terceiro painel, a imagem escurece e o fantasma de chapéu diz: "Não. É só nunca, NUNCA, confiar em absolutamente nenhum ser vivo sobre a face da terra." Quarto painel: O fantasma de chapéu aponta para uma muralha e arame farpado, que estão em volta do coração. Ele diz: "Assim".
Os fantasmas de Lark, publicados em seu Instagram

Contando a história de uma jovem adulta que só quer aprender a lidar com a vida e ser feliz, Lark nos apresenta seus fantasmas, Leon, Ulisses e Victor.

Se introduzindo como personagem na sua própria tirinha, a autora conversa com esses seres que representam traços que todos podemos reconhecer em nós mesmos. Mais do que isso, eles carregam suas próprias dicotomias: a criatividade pode ser distraída, a ansiedade pode ser uma propulsora ou uma paralisia. O trio de personagens rendeu dois livros, “Como Lidar com Seus Fantasmas” e “Como Abraçar um Fantasma“.

O Livro dos Pássaros“, seu trabalho mais recente, teve mais de 6000 exemplares vendidos. A história de Roberto, um passarinho que decide que quer mais do que só voar por aí e começa a trabalhar para uma startup, chacoalhou tanto o Twitter quanto o Instagram. Acompanhamos a vida dos funcionários na Catch.Co – onde o chefe é um gato, e temos desde o passarinho workaholic até o corvo do design.

Uma tirinha de quatro painéis. No primeiro painel, vemos um pássaro voando com uma malinha de escritório em uma pata e relatórios em uma asa. O cenário é um céu azul e árvores. Ele está dizendo: "Trabalhar duro". Segundo painel: Ele está dentro de uma sala branca, e vemos o céu azul e árvores pela janela. Ele está em cima de um laptop, onde vemos uma planilha. Ele está dizendo: "Trabalhar duro.". No terceiro painel, ele está em uma loja de televisores. É possível ver o céu azul pela porta. Ele está deixando dinheiro no balcão, e vemos a caixa de uma Smart TV 32'. O último quadro é o passarinho sentado no escuro, iluminado apenas pela TV< que tem a imagem de céu azul e árvores igual a que vimos por toda a tira. Ele diz: "Aproveitar a vida!"
Roberto, o mais novo funcionário da Catch.Co | Publicado no Instagram da autora

Pouco depois do sucesso d’O Livro dos Pássaros, Lark lançou também a editora Corvo Mateus – batizada em homenagem a um dos personagens mais carismáticos da HQ. Entre um olhar autobiográfico, sátiras sobre o mundo corporativo e animais antropomorfizados, Lark só tem a contribuir com o cenário de quadrinho brasileiro.

DN: Você publica tirinhas online desde 2018. O que te motivou a começar a compartilhar sua arte na internet?

Criei o hábito de publicar as tiras mais como um compromisso comigo mesma. As primeiras foram parte de um desafio chamado Inktober, em que você tem que fazer uma ilustração por dia e postar. Eu resolvi fazer com minhas tiras e ilustrações relacionadas a elas, e depois acabou virando um hábito.

DN: Quais artistas e não artistas são suas maiores inspirações?

A primeira artista que vi fazendo quadrinhos parecidos com os que eu gostaria de fazer foi a Sarah Andersen. Mas antes disso eu já consumia muito e me espelhava nos trabalhos do Fernango Gonsales, Quino, Jean Galvão e Mauricio de Souza.

Hoje em dia eu gosto particularmente das HQs do Guilherme Match, Yoshi Itice, Paulo Moreira, Li Cheng, Gemma Correl, Tom Gauld e Will Henry.

DN: Como você sente que as redes sociais impactam seu trabalho – desde o processo criativo até a distribuição?

Acredito que a relação de todo artista com as redes sociais é de amor e ódio. Há alguns anos, o resultado de uma presença ativa nessas plataformas era muito recompensador, mas hoje em dia, isso decaiu consideravelmente. Seguir as regras da rede e acompanhar as mudanças do algoritmo são uma dor de cabeça e uma armadilha para a criatividade.

Minha relação com as redes hoje é bastante neutra. Posto no meu próprio ritmo e com meus próprios critérios, e não me chateio se não vejo um aumento no engajamento ou no crescimento. Tenho um público bastante fiel, o que ajuda bastante e consegue superar esses impedimentos do algoritmo. Continuo usando as redes apenas para atingir essas pessoas.

DN: Independente da temática, seus quadrinhos parecem sempre envolver um pouco de fantasia ou surrealismo. O que te agrada em trabalhar com esse tipo de abordagem?

Eu sempre procuro evitar mensagens muito óbvias. Acho que há uma beleza sutil nas metáforas e nas representações lúdicas da vida. Sinto que, quando as pessoas conseguem fazer essa interpretação e entender a mensagem que quero transmitir (ou mesmo alguma outra mensagem que não havia pensado, mas que fez sentido para elas), isso gera uma satisfação maior. A arte se torna mais impactante e memorável.

É um desenho com Lark, de cabelos escuros e roupas pretas, seus três fantasmas - um com chifres, um com chapéu e gravata, e outro com a cabeça mais achatada. Na altura do chão, vemos um gato de colarinho branco e gravata, um corvo, um passarinho marrom de barriga laranja, e um passarinho amarelo.
Lark e seus personagens | Reprodução da internet

DN: Nas suas tirinhas dos fantasmas (dos livros Como lidar com seus fantasmas e Como abraçar um fantasma), você dá nome e corpo para sensações e partes da sua cabeça, e a partir disso consegue conversar com elas francamente. Como foi o processo de criar e nomear esses fantasmas?

Eu me lembro perfeitamente do dia em que a ideia dos fantasmas nasceu na minha cabeça. Primeiro, foi só o conceito e a aparência aproximada de cada um deles, e eu só executei sem pensar muito sobre.

Com o passar dos anos, eu fui entendendo melhor cada um e atribuir características que eu percebia em mim mesma para cada um deles. O processo de nomear foi mais “sinestésico”, eu acho. Não tem muita explicação, só sentimento. Eu sinto que Leon soa distinto e erudito, Ulisses soa selvagem, e Victor soa etéreo e sonhador.

DN: Em O Livro dos Pássaros, seu trabalho mais recente, vemos uma sátira bem humorada do mundo corporativo. De onde veio a ideia de falar da vida de escritório? Como foi a escolha de seguir com pássaros?

Trabalhei por anos em empresas que seguiam bem esse modelo e discursinho corporativo. Com certeza, grande parte das inspirações vieram daí. Inclusive, eu coloquei algumas referências tão diretas a situações reais do meu dia a dia que, se algum ex-patrão meu ler a história, não vai restar dúvida que estou escrevendo sobre eles!

Sobre pássaros, acho que eles passam muito essa ideia de liberdade. Eu me lembro de estar em salas de reuniões falando de números e metas, e ver pela janela passarinhos voando e cantando, e pensar “eu queria ser selvagem e livre como esse passarinho”. Aí pensei “e se esse passarinho não fosse tão livre assim? E se ele tivesse um emprego também?” e a trama começou a tomar forma aí.

DN: Muito obrigada pela participação, Lark! Por fim, onde as pessoas podem te encontrar e acompanhar o seu trabalho?

Foi um prazer! Eu estou no instagram.com/larkness, no twitter.com/larknessart e no facebook.com/larknessart. As pessoas também podem comprar livros e outros produtos no site corvomateus.com.

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Bia é formada em economia, pesquisadora e escritora. Obcecada por internet e cultura, gosta de escrever para entender o mundo. É leitora assídua de todo tipo de ficção, ama debater filmes e faz perguntas sobre quase tudo - pelo prazer de buscar a resposta.
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