O que Dolly Alderton nos ensina sobre o amor e amizade

O que Dolly Alderton nos ensina sobre o amor e amizade

Não é difícil encontrar por aí livros de pessoas que se consideram especialistas no amor e em relacionamentos, e essa iluminada sabedoria é tão intensa que várias pessoas realmente acreditam que aqueles conselhos são universais e funcionam com todos e em qualquer contexto. Bom, eu claramente tenho dificuldade em ler esse estilo de livro sem revirar os olhos em um ângulo de 360°.

Não me entenda mal, eu amo ler e assistir sobre o amor – cresci com comédias românticas dos anos 90 e sou uma aficionada por filmes da Nora Ephron, Sex and the City, e livros da Sophie Kinsella. Meu incômodo é unicamente com pseudo-especialistas que se esquecem de que as relações humanas são complexas e que os contextos são variados.

Por isso, quando percebi um certo burburinho em volta da nova sensação da internet, Dolly Alderton, e seu livro Tudo o que eu sei sobre o amor, inicialmente acreditei que a autora se enquadrava nessa categoria de pessoas abençoadas com a verdade sobre a vida. Porém, ao pesquisar mais sobre ela e sobre o livro, comecei a perceber que talvez devesse dar uma chance para a autora e me interessei mais pelo que ela tinha a dizer.

Afinal, quem é Dolly Alderton?

Dolly Alderton | Imagem: Joanna Bongard (Reprodução)

Dolly Alderton, escritora britânica, se tornou, aos 27 anos, uma espécie de irmã mais velha para várias mulheres, ao oferecer conselhos amorosos em sua coluna no jornal inglês The Times. Hoje, Alderton tem três livros publicados – um deles é um compilado dos melhores conselhos dados por ela em sua coluna Ask Dolly no Sunday Times, coluna a qual ela mantém até hoje.

Em seu livro mais famoso, Tudo o que eu sei sobre o amor, Dolly Alderton conta sobre sua jornada rumo à maturidade, começando com sua adolescência em uma pequena cidade inglesa, sua ida à faculdade e uma série de erros cometidos – seja em escolhas para a vida ou em relacionamentos com homens.

Tudo sobre uma adolescente dos anos 90

Dolly Alderton | Imagem: Reprodução

Dolly Alderton inicia o livro contando sobre sua vida em um bairro afastado do centro de Londres, onde ela diz que nada de grandioso acontecia. No entanto, com a chegada da internet discada, as possibilidades de milhares de adolescentes se expandiram e elas foram apresentadas aos chats.

No Brasil, para quem foi jovem nos anos 2000, nosso chat era o MSN, nosso portal para o que acreditávamos ser o início da nossa vida adulta. Com essa nova possibilidade, Dolly começa a conversar com jovens da sua idade e inicia sua jornada nos jogos de flertes e crushes adolescentes.

Além disso, Dolly sonhava com as possibilidades que ir para a faculdade traria para ela: independência, poder sair do seu bairro e viver no centro de Londres e todas as portas abertas para a vida adulta. Ela inclusive diz que não gostava de ser uma adolescente, pois não gostava de depender dos pais e de sentir que não era levada a sério, e que o que ela tinha a dizer não era levado em consideração.

Ser adolescente foi a coisa que eu mais odiei na vida. Eu não poderia ser mais inadequada para tudo o que a adolescência proporcionava. Queria desesperadamente ser adulta, queria desesperadamente que me levassem a sério.

Detestava depender dos outros para fazer tudo. Eu preferia trabalhar como faxineira a ganhar os trocados que os meus pais me davam, preferia andar cinco quilômetros debaixo de chuva a ter que pedir que meus pais me buscassem de carro nos lugares.

(Tudo o que eu sei sobre o amor, pág. 39)

As mentiras contadas às mulheres

As duas primeiras páginas do livro são dedicadas a ela contando sobre o que ela acreditava ser o amor na adolescência, com todas as mentiras que contam para garotas e as fazem acreditar que é uma verdade inalterável.

Isso inclui a crença de que o amor romântico é o relacionamento mais importante da vida, que fazer sexo o máximo possível é obrigatório, que a vida se tornará mágica ao completar trinta anos e que homens entrando em combate físico por você é o acontecimento mais romântico da vida.

Ao narrar seu processo de amadurecimento, Dolly revela como descobriu que a vida é muito mais complexa do que todos esses conselhos prontos. Ela também destaca como nossa jornada rumo à vida adulta não é uma linha reta com um roteiro pronto, e que pode ser muito diferente da jornada de nossas amigas, por exemplo.

Leia também >> Meu corpo, Minha casa: uma jornada de volta à própria pele

Tudo o que ela conta sobre a vida a adulta, os erros e os aprendizados

Dolly Alderton | Imagem: Reprodução

Quando Dolly Alderton chega à faculdade, ela se propõe a viver tudo aquilo que sua eu-adolescente acreditava ser a vida adulta. Ela sai com muitos homens e se envolve em vários encontros casuais. Além disso, tem seu primeiro namoro sério, que dura cerca de um ano e que ela descreve como um relacionamento sem amor, entre duas pessoas sem qualquer compatibilidade – uma evidência do desespero dela por contato, em busca de algo verdadeiro.

Espero muito do amor e atribuo a culpa dessa expectativa a duas coisas: a primeira é que sou filha de um casal tão apaixonado que chega a ser constrangedor, a segunda são os filmes que assisti nos meus anos de formação.

Quando criança, eu nutria uma estranha obsessão por musicais antigos e, depois de crescer viciada nos filmes de Gene Kelly e Rock Hudson, eu simplesmente esperava que os garotos se comportassem com aquela elegância, aquele charme. Mas a escola mista acabou bem rápido com esse sonho.

(Tudo o que eu sei sobre o amor, pág. 23)

Aliada a esses vários encontros “sem importância”, Alderton também bebe com frequência, além do que é considerado saudável. Assim, em seus estados de embriaguez, ela se coloca em situações constrangedoras e até mesmo perigosas – como atravessar a cidade, e até mesmo o estado, para encontrar casos amorosos, a ponto de esgotar seu próprio dinheiro e não ter como voltar para casa.

Leia também >> Girlfailure vs Girlboss: a tendência da imperfeição

Além disso, Alderton se afiliou àquela crença que, infelizmente, muitas de nós também passamos a acreditar em certo ponto da vida, de que a magreza era proporcional ao amor que receberíamos. Ou seja, quanto mais magra e dentro do padrão esperado, maior a probabilidade de encontrar amor genuíno.

Assim, ela passa a privar o seu corpo de alimentos para alcançar esse padrão tão sonhado pelas mulheres dos anos 2000 – uma época sombria para a autoestima feminina, com centenas de revistas apontando o corpo ideal. Ela relata que quanto mais ela privava seu corpo da alimentação, mais as pessoas a elogiavam e diziam que ela nunca esteve tão bonita, o que a incentivava a continuar e a se privar cada vez mais.

Tudo sobre o amor que recebemos – e aprendemos – com nossas amigas

Cena de “Everything I know about love”, série da BBC | Reprodução

Durante todo o livro, Alderton cita muitas amigas, mas uma em especial a acompanha desde o início: Farly. De duas meninas, para duas mulheres, Dolly e Farly acompanham a jornada uma da outra e, mesmo sendo fundamentalmente diferentes, se apoiam, livrando uma a outra de enrascadas.

Enquanto Dolly é apaixonada, intensa e não mede muito as consequências, Farly é tímida, observadora e contida. Assim, em determinado momento da vida delas, enquanto Dolly atravessa um relacionamento atrás do outro, Farly mal se relaciona, até conhecer um homem e se apaixonar. Com isso, a amizade delas sofre um baque: pela primeira vez, Dolly precisa dividir o amor e a atenção de Farly com outra pessoa.

Nesse período, a vida de Dolly Alderton está de cabeça para baixo: ela não tem um namorado (como deseja), nem um lugar próprio ou um emprego fixo. Ela está cada vez mais triste e solitária, e se afunda cada vez mais no álcool e em situações constrangedoras. Enquanto isso, Farly fica noiva, mas algo trágico acontece: sua irmã mais nova é diagnosticada com câncer, abalando toda a família.

No meio de todas as tristezas e frustrações, Alderton e Farly se apoiam mutuamente, com a amizade fortalecida e a certeza de que o amor entre elas é o que as sustenta. Enquanto Alderton também tenta se reerguer, outras amigas a dão força e a ajudam da forma que podem, e é aí que Alderton nos diz a frase mais famosa (e repetida na internet) do livro: “Tudo o que eu sei sobre o amor eu aprendi com as minhas amizades femininas“.

A importância das amizades femininas

Com isso, Alderton nos faz refletir que nós, mulheres, precisamos umas das outras; é a amizade feminina que nos abraça e sustenta quando muitos não o fazem. É nesse apoio que encontramos compreensão e identificação, na paciência para ouvir, no sorriso e na disposição para estar ao nosso lado.

No entanto, crescemos com a ideia de que outras mulheres são nossas inimigas, invejosas e competitivas, o que nos priva de muito. Enquanto muitas mulheres atacam outras para defender homens, depois descobrem uma solidão que só é preenchida pela presença de outras mulheres.

Não é apenas um namorado ou marido que é importante ou essencial para a felicidade; nossas amizades também importam muito, pois sem amigas corremos o risco de nos encontrarmos sem apoio.

Sobre o que nos dizem que é o amor e o que descobrimos depois 

Dolly Alderton | Imagem: Reprodução

Ao longo do livro, Alderton nos conta tudo o que ela achava que era o amor ao longo dos anos. Na adolescência, ela acreditava que o amor romântico era o relacionamento mais importante da vida de uma pessoa, que homens mais velhos eram maduros e seriam seu melhor relacionamento.

Aos 21 anos, ela foi levada a acreditar que homens gostam de mulheres “loucas e safadas” – leia-se “fetiche” -, que deveria fazer sexo após o primeiro encontro, não ligar de volta e não demonstrar muita vulnerabilidade.

Porém, aos 25 anos, ela achava que era necessário esperar pelo menos cinco, ou no mínimo três, encontros para fazer sexo, e descobre que se um homem só a ama por ser magra, na verdade ele não a ama.

No final do livro, Alderton está com 30 anos e diz que quanto mais velhas ficamos, mais bagagem trazemos e, assim, ficamos mais vulneráveis e honestas, tornando, assim, nossas relações muito mais reais.

As pessoas se conhecem levando dores que sequer sabiam que carregavam. Há um motivo para que aquelas que compartilham dos mesmos traumas ou histórias de vida, ou que tiveram infâncias parecidas, terminem ficando juntas.

Acho que nossas pegadas emocionais mais profundas buscam umas às outras de forma inconsciente. Isso pode ser bom ou ruim. Isso pode contribuir para a intimidade e a conexão, mas também para a simbiose e para todo tipo de comportamento tóxico.

(Tudo o que sei sobre o amor, pág. 377)

Leia também >> Valéria: a complexidade dos relacionamentos modernos na série da Netflix

Dessa forma, quanto mais maduras, mais percebemos que não existem fórmulas mágicas nem caminhos prontos. Cada pessoa tem sua própria experiência, e as relações humanas são muito mais complexas. Conforme envelhecemos, acumulamos mais bagagem, o que nos torna mais vulneráveis e, consequentemente, nos permite ser mais autênticas em relacionamentos futuros.

A vastidão do amor

Assim como Alderton, é importante lembrar que as comédias românticas funcionam apenas na ficção e que não seremos salvas por um relacionamento. A felicidade não está exclusivamente ligada ao casamento; muitas vezes, ela se encontra em outras conquistas e experiências da vida.

Entrar em um relacionamento saudável não significa depositar toda a nossa energia e esperança nele, pois isso pode sufocar a outra pessoa. Portanto, devemos viver de acordo com nossos próprios princípios e cercar-nos de amigas e familiares que nos amam e apoiam. O amor é vasto e belo demais para ser limitado apenas ao romântico.

Escrito por:

7 Textos

Estudante de Letras. Obcecada por livros a ponto de não saber mais como viver no mundo real. Apaixonada por literatura inglesa e filmes de época. Praticamente um Hobbit, seja pelo tamanho, por passar muito tempo lendo ou por nunca dispensar uma xícara de chá.
Veja todos os textos
Follow Me :