Em fevereiro de 2024, a cantora Olivia Rodrigo deu início à turnê do álbum Guts, seu segundo disco lançado oficialmente. Além das novas apresentações e dos ingressos esgotados, a Guts World Tour chamou atenção, acima de tudo, pelos posicionamentos sociais da artista e sua equipe.
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It’s brutal out here in Missouri, but we are here for abortion access and hand out Plan B with @TextRightByYou https://t.co/Rd7fc0b1xG
— Missouri Abortion Fund (@MOAbortionFund) March 13, 2024
Olivia conquistou seu sucesso em 2021 com o hit “drivers license“, alcançando rápida estabilidade na carreira musical. A cantora tinha apenas 19 anos quando conquistou o Grammy por seu álbum de estreia, Sour. Portanto, seria realmente uma boa ideia arriscar o conforto da fama pelo envolvimento em causas sociais polarizadas?
Seria esse um ato de coragem excedente de Olivia ou a materialização da responsabilidade social de um verdadeiro artista?
Por que criar? – A voz social do artista
“Não dá para negar. O dever de um artista, na minha opinião, é refletir sua época.“
– Nina Simone
Ao ver a arte como um reflexo do ser humano ao lidar com o mundo, também é possível afirmar que a arte reflete a realidade do artista – seja o que é vivido ou o que é observado. As pessoas utilizam a expressão artística para transmitir seus pensamentos e, ao se permitir ser sensível, o criador sensibiliza quem entra em contato com seu produto.
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É por isso que, em governos ditatoriais, a censura da arte é um tópico principal. Ela instiga a reflexão individual e, por meio disso, conecta as pessoas e fomenta questionamentos e revoluções.
Mesmo na democracia, a força capitalista procura manter a arte como um meio de gerar lucros, acima de sua capacidade de sensibilização. A imagem do artista é, assim, controlada e moldada para conquistar o maior número de consumidores possível. Isso inclui o afastamento de polêmicas e de assuntos debatíveis, que possam polarizar o público.
Dessa forma, a expressão artística, a individualidade e a humanidade são deixadas de lado em prol da boa imagem e do “dinheiro no bolso”.
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O artista como produto
No caso de Olivia Rodrigo, sabe-se que seus grandes fãs nunca foram os grandes conservadores e figuras americanas. Mesmo ao associar sua imagem a composições melancólicas para garotas jovens, ela também vendia a força de uma “adolescente rebelde”, com canções e produções em um estilo aproximado ao pop-punk.
Dessa forma, o posicionamento de Olivia Rodrigo quanto aos direitos reprodutivos das mulheres está alinhado à sua marca. O público majoritariamente feminino facilita a inclusão de uma pauta que as dirige – o que, aliás, também não exclui o fato de ser uma decisão com efeitos positivos para suas fãs.
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No entanto, pouco se vê posicionamentos dos grandes famosos em relação a pautas sociais. Com plataformas cheias de seguidores e a força dos fãs a seu favor, é raro que usem o poder de influência de forma impactante e positiva.
O medo de perturbar algumas camadas do público é intenso e, de fato, pode mudar o rumo da carreira do artista. Mas, se é aquilo em que se acredita, não há mal em filtrar seus consumidores e manter-se, para além de uma marca, um ser humano.
Os melhores maus exemplos
O que pode acontecer com uma carreira após um forte posicionamento político?
Um exemplo marcante é o caso das The Chicks (anteriormente conhecidas como Dixie Chicks), um trio country feminino do Texas, um estado dos EUA conhecido por suas tendências conservadoras. Durante uma apresentação em 2003, a vocalista do grupo expressou sua oposição ao então presidente dos EUA, George Bush, devido à invasão do país ao Iraque.
Esse momento foi mal recebido pelo público texano, e a fama ascendente do grupo teve um fim abrupto. As músicas das garotas foram boicotadas nas rádios country, e elas se tornaram exemplos negativos para esse nicho específico, sendo até mesmo mencionadas por Taylor Swift em seu documentário, Miss Americana.
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Outro exemplo é o da cantora Sinead O’Connor, que enfrentou fortes críticas após uma apresentação no Saturday Night Live em 1992. Ao cantar “War”, de Bob Marley, a cantora rasgou uma foto do Papa João Paulo II, deixando a provocação: “Lute contra o verdadeiro inimigo“.
O real impacto
Por fim, as Dixie Chicks receberam o Grammy em 2007 e, após o protesto de Sinead, a cultura de abusos mantida na Igreja Católica foi publicamente revelada. Esses exemplos mostram que, embora tenham perdido temporariamente a fama, esses artistas se reergueram, trouxeram tópicos importantes para o debate e cumpriram seus papéis morais e sociais.
Além disso, contribuíram para que hoje em dia artistas como Olivia Rodrigo tenham uma maior liberdade de expressão.
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O impacto político é mais duradouro do que o impacto na carreira individual. As pessoas vão se lembrar ativamente do que foi feito por elas, mais do que dos momentos em que suas músicas alcançaram o topo dos charts.
Isso não significa que devemos abandonar os ídolos e nos apegar apenas a figuras politicamente ativas. Sempre haverá o dilema de separar o artista da arte. No final do dia, o que importa é a responsabilidade social de cada um e como o consumidor se sente ao consumir o que é apresentado.