Para muitos, Olivia Rodrigo surgiu de forma repentina e estrondosa. O nome da menina de 18 anos ficou mundialmente conhecido em um período relativamente curto de tempo. O lançamento da música Drivers License foi o ponto de partida desse sucesso. A canção narra a experiência melancólica de uma menina passando pelo término doloroso de um relacionamento e, recentemente, atingiu um bilhão de reproduções no Spotify.
A carreira da jovem, no entanto, começou antes do lançamento da canção. Olivia Rodrigo já trabalhava como atriz antes de debutar no mundo da música com o álbum Sour. Seu papel mais conhecido, a personagem Nini Salazar-Roberts na série da Disney, High School Musical: The Musical: The Series.
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Olivia Rodrigo e um mundo adolescente
Ao olhar para o início da carreira de Olivia, é difícil não pensar em outras cantoras cuja vida artística passou por papéis na Disney, como Demi Lovato, Miley Cyrus e Selena Gomez. Sob esse prisma, Olivia parece ter uma história bastante semelhante ao de muitas popstars conhecidas. Na verdade, o começo de sua caminhada parece repleto de paralelos e comparações, uma ironia quase trágica para uma menina que canta “a comparação está me matando lentamente”.
Seus maiores hits despertam certa nostalgia nas ouvintes. A música Good 4 U foi muito reproduzida nas redes sociais em vídeos que faziam um paralelo com Misery Business, da banda Paramore. As semelhanças não pareceram ser um problema para as ouvintes, pelo contrário, a canção bateu vários recordes de reproduções.
Porém, Olivia não esconde suas referências e inspirações. Foi fortemente influenciada por diversas artistas que admira, como Alanis Morissette, por exemplo. Uma reminiscência de outras cantoras que são do gosto de Olivia, como Lorde e Taylor Swift, também aparece em Sour.
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No entanto, se por um lado a nostalgia e as referências são renovadas aos ouvidos do público que acompanha Olivia, a resposta negativa que a artista recebe parece a mesma que a grande maioria dos cantores e bandas do mundo da música pop têm recebido nos últimos quinze, talvez vinte anos. Olivia é adolescente demais, dramática demais, talvez se tivesse surgido dez anos atrás seria “menininha demais”.
A esse menosprezo frenético com tudo o que conquista o público feminino adolescente cabe uma reflexão inteira. O caso de Olivia Rodrigo é o mesmo de muitos outros artistas que, independente da qualidade musical, fazem sucesso majoritariamente por darem voz a alguns anseios naturais da juventude, mesclando suas angústias em obras com quê de confissão.
A verdade é que, após tanto tempo, parece estranho que algumas audiências ainda se surpreendam ao ver que meninas adolescentes gostem de ouvir outras meninas adolescentes cantando sobre dilemas da adolescência. Olivia Rodrigo é um sucesso tão grande porque reflete inseguranças e angústias da própria geração. Esses temas podem parecer repetitivos pois a própria vida e a juventude talvez sejam um pouco cíclicas. Mas sempre haverá público para os infortúnios da mocidade, independente de gosto e refinamento.
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No entanto, Olivia parece ser uma grande aposta para o futuro do pop, estando vinculada a uma das maiores e mais lucrativas empresas do mundo, a Disney. Não seria insanidade insinuar que sua fórmula para o sucesso estivesse óbvia demais, e vale questionar o quão positivo isso é, especialmente quando se olha para as temáticas presentes na música da artista.
Sour: uma juventude amarga
Apesar do ritmo animado do single Good 4 U, Sour é quase inteiramente triste. O álbum é recheado de ponta a ponta com sentimentos negativos e as poucas músicas que saem do tom da melancolia são marcadas por uma raiva insegura. A imensa maioria das letras fala sobre o processo de encarar o término de um relacionamento romântico. Já canções como Brutal e Jealousy, Jealousy retratam problemas de autoestima e autoimagem.
“I kinda wanna throw my phone across the room
‘Cause all I see are girls too good to be true
With paper-white teeth and perfect bodies
Wish I didn’t care”
–
(Eu meio que gostaria de jogar meu telefone longe
Porque tudo o que eu vejo são garotas boas demais para ser verdade
Com dentes brancos como papel e corpos perfeitos
Eu queria não me importar)
O sucesso de artistas como Olivia Rodrigo revela que há um público que se identifica com essas narrativas. O cantor Harry Styles, ex-membro da boyband One Direction (grande sucesso em meio ao público jovem nos anos em que esteve em atividade), saiu em defesa das fãs adolescentes, afirmando que elas são o futuro. É importante considerar, no entanto, o que exatamente essas meninas estão seguindo, ouvindo e adorando, justamente porque esses conteúdos traduzem algo sobre suas angústias enquanto geração.
Olivia canta “eu não sou legal, eu não sou inteligente (…) dizem que estes são os anos dourados, mas eu queria desaparecer” e um grupo imenso de ouvintes se identificou. Essas inseguranças podem até ser naturais, o que não é natural é o crescimento de problemas de autoimagem entre adolescentes, motivado pelas redes sociais.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), nos últimos dez anos houve um aumento de 141% no número de procedimentos estéticos em jovens de 13 a 18 anos. Padrões de beleza sempre foram nocivos, no entanto, na era da internet eles têm se revelado ainda mais destrutivos e insuportáveis, especialmente para meninas cuja mente e o emocional ainda estão em formação.
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“I wore makeup when we dated
‘Cause I thought you’d like me more
If I looked like the other prom queens
I know that you loved before”
–
(Eu usei maquiagem quando namoramos
Porque eu pensei que você gostaria mais de mim
Se eu parecesse com as outras rainhas do baile
Que eu sei que você amou antes)
Em um mundo onde as garotas são bombardeadas diariamente com imagens de uma beleza inalcançável, foi Olivia Rodrigo, com suas canções raivosas e melancólicas, que colocou em palavras essa angústia que talvez pareça, aos olhos de uma menina de 14 anos, tão difícil de traduzir.
Como todos os problemas da adolescência, o ódio à imagem no espelho não é novidade. O que é novo é a forma como se lida com esses problemas, através de procedimentos estéticos, filtros de redes sociais e outras táticas que aumentam ainda mais a distância entre os padrões de beleza e os rostos naturais.
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Mas Olivia Rodrigo é uma estrela da Disney, pensada para alcançar um público específico. Ela é uma admissão pública de uma juventude que se move em direção à insatisfação consigo mesma. Que vibra na mesma energia dos padrões de beleza e produtividade irreais. Que vive tentando alcançar uma vida que não existe.
Olivia acertou, é brutal aqui fora. Mas que resposta será dada para as meninas que estão afogadas nessas angústias? O que poderá ajudar uma geração repleta de insatisfações pessoais e que as entoa como hinos? Talvez e apenas talvez esse abraço tão amargo nas próprias inseguranças seja o primeiro passo para superá-las.
Edição e revisão por Isabelle Simões.