Nos últimos anos, o Líbano tem sido palco de uma série de desafios sócio-políticos, que abrangem desde a devastadora crise econômica até os marcantes protestos populares. Em meio a essas circunstâncias, a situação das mulheres libanesas também se destaca como uma questão crucial que reflete as dinâmicas de gênero e as profundas desigualdades arraigadas na sociedade. É nesse contexto que surge a banda Slave to Sirens, a primeira banda de thrash metal feminino do Líbano e protagonista do documentário Sirens.
Fundada pelas guitarristas Lilas Mayassi e Shery Bechara, a banda também inclui a vocalista Maya Khairallah, a baixista Alma Doumani e a baterista Tatyana Boughaba. O filme narra a história dessas cinco roqueiras que lutam para continuar tocando e cantando mesmo em meio aos turbulentos períodos de seu país.
A jornada da primeira banda feminina de metal do Líbano
Dirigido pela cineasta estadunidense Rita Baghdadi, Sirens é seu terceiro documentário e estreou no Festival de Cinema de Sundance de 2022, recebendo o Grande Prêmio do Júri no Outfest e sendo amplamente aclamado pela crítica.
O filme também conta com um time de produtoras executivas notáveis, incluindo as atrizes Natasha Lyonne (conhecida por seu papel em Orange is the New Black e protagonista de Boneca Russa) e Maya Rudolph (estrela da série Loot).
Baghdadi é reconhecida por seu olhar ousado e, ao mesmo tempo, íntimo e sensível, que a capacita a contar histórias de personagens reais de maneira envolvente.
Sirens narra a trajetória da dupla que fundou a banda, Lilas e Shery. Além de compartilharem a habilidade de se expressar através da música e dos riffs intensos de guitarra, elas também compartilham sentimentos que variam desde uma parceria musical até uma amizade cúmplice e uma paixão intensa.
No entanto, liderar uma banda está longe de ser uma tarefa simples. Se lidar com o desgaste físico e emocional que é inerente à vida em uma banda de rock já não fosse o suficiente, ainda há toda uma dimensão política e social envolvida. O Líbano, inserido no Oriente Médio, enfrenta desafios contínuos relacionados aos direitos das mulheres, que permanecem constantemente no fio da navalha.
Impacto dos desafios socio-políticos nas integrantes do Slave to Sirens
Desde 2019, o país vivencia uma série de protestos populares desencadeados pelo anúncio de um plano governamental para impor taxas sobre chamadas realizadas por aplicativos de mensagens, como o WhatsApp.
Entretanto, essas taxas foram apenas o estopim para uma explosão de raiva e frustração acumulada, relacionada a uma variedade de questões subjacentes que remontam a anos de opressão governamental e tradições enraizadas na religião islâmica.
Isso tudo representa um peso adicional para as integrantes do Sirens, especialmente para Lilas e Shery.
O início do filme retrata a banda em plena atividade, preparando-se para uma turnê no Reino Unido. O Slaves to Sirens nutria a esperança de finalmente conquistar o reconhecimento internacional merecido dentro do cenário do thrash metal.
Contudo, a turnê não se desenrola como planejado, e as integrantes da banda se veem obrigadas a retornar a seu país natal em meio a um cenário tumultuado.
Em seguida, as Sirens, que já enfrentavam a falta de apoio de seus conterrâneos na cena musical, se deparam com a ameaça iminente a sua liberdade e ao direito de tocar e cantar. Lilas e Shery buscam apoio mútuo em uma relação discreta, mas repleta de intensidade.
Entretanto, os desafios enfrentados pela banda, a crescente tensão política e a opressão em relação à sexualidade complicam o relacionamento entre as duas, chegando a colocar em risco a própria Slave to Sirens.
Lilas e Shevy: resiliência feminina e lutas individuais
Lilas é uma das integrantes mais afetadas por tudo o que está ocorrendo. Além da frustração decorrente da turnê malsucedida, ela lida com uma relação conflituosa com sua família, em razão das diferentes visões de vida diferente da que sua mãe tem. A guitarrista passa a cobrar o máximo da banda, criando um clima de tensão entre as demais integrantes, sobretudo com Shery, que se torna alvo ainda maior das demandas.
Por sua vez, Shevy sente cada vez mais a pressão resultante da tensão prevalecente no país. Seus próprios pais expressaram a ela que não há futuro para uma jovem como ela no Líbano, dada a situação atual. Shevy deseja seguir sua trajetória no thrash metal, onde realmente encontra sua liberdade. Ainda que sua ideologia política não seja destacada no filme, sua vida como mulher árabe, queer e roqueira deixa evidente o risco que enfrenta.
Apesar de todos os desafios externos e internos, as integrantes do Slave to Sirens empenham-se em permanecer unidas e continuar tocando metal pesado. Elas canalizam seus sentimentos, suas revoltas e seus anseios de liberdade por meio de riffs agressivos e potentes, acompanhados da voz poderosa e gutural de Maya.
Explorando as raízes e o início do Slave to Sirens
A banda foi formada por volta de 2016, inicialmente com Lilas e Shevy. O encontro ocorreu durante um protesto em 2015, e a conexão foi imediata. Ambas já haviam participado de outras bandas anteriormente, mas sentiam-se limitadas em relação à expressão de suas criatividades e estilos de tocar guitarra. Posteriormente, as demais integrantes do Sirens se juntaram à banda.
Apesar de serem bem acolhidas na pequena comunidade de heavy metal do Líbano, a sociedade conservadora ainda as vê com estigma e preconceitos. O documentário não foi exibido em seu próprio país devido à propaganda anti-LGBTQIA+. Além disso, diante do rumo que os protestos populares tomaram, a Slave to Sirens percebeu que seu país natal não oferece um ambiente seguro e promissor para todas.
O primeiro EP do Sirens to Slaves, intitulado “Terminal Leeches”, foi lançado em 2018 e está disponível no Spotify. Em março de 2022, elas lançaram Salome, a primeira música de seu álbum de estreia. No entanto, o projeto foi interrompido, pois a vocalista Maya deixou a banda, e esta está em busca de uma substituta. A baixista Alma também se afastou, pois se mudou para a Flórida, mas continua a tocar remotamente para a banda.
As outras integrantes também planejam deixar o Líbano em busca de mais segurança e oportunidades. Shevy tem planos de se mudar para os Estados Unidos, enquanto Lilas planeja ir para a Holanda. Mesmo com a distância geográfica, têm a intenção de manter o Slave to Sirens ativo.
Um olhar de esperança
O processo de filmagem de Sirens se estendeu por três anos, capturando os altos e baixos da banda, bem como a relação complicada, porém profunda e intensa, entre Lilas e Shevy. Mesmo diante de um futuro incerto, ambas desejam continuar tocando juntas e manter uma conexão próxima.
A cena final, em que ambas conversam de maneira espontânea e olham uma foto enquanto uma multidão se encaminha para mais um protesto, é intimamente tocante. Lilas e Shevy não olham para trás; simplesmente desejam compartilhar aquele momento juntas antes de se encontrarem com o restante da banda.
Ao final do documentário, surge o desejo de continuar acompanhando a jornada das Slaves to Sirens, especialmente Lilas e Shevy, torcendo para que elas fiquem bem e realizem seus sonhos. Apesar das adversidades, o filme encerra com um tom de esperança para essas admiráveis e poderosas mulheres roqueiras e árabes. Desejamos a elas muito sucesso!
Onde assistir o documentário
Sirens está disponível na plataforma FILMICCA e possui uma duração de 1 hora e 20 minutos. Além de recomendar esse documentário poderoso, aproveite para ouvir as músicas do Slaves to Sirens no Spotify e assim fortalecer ainda mais o trabalho delas!
Colagem em destaque: Sharline Freire para o Delirium Nerd.