As 4 filhas de Olfa: a fragilidade dos laços familiares

As 4 filhas de Olfa: a fragilidade dos laços familiares

As 4 filhas de Olfa (Les filles d’Olfa) é o mais recente documentário da diretora tunisiana Kaouther Ben Hania. Indicada ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira em 2021 pelo longa O Homem que Vendeu Sua Pele, com este novo projeto a cineasta conquistou indicações ao Oscar de Melhor Documentário, ao prêmio César e à Palma de Ouro no Festival de Cannes. O filme estreou no dia 06 de março nos cinemas brasileiros.

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Cartaz oficial de "As 4 Filhas de Olfa"
Cartaz oficial de As 4 Filhas de Olfa | Imagem: Distribuição Synapse

As 4 filhas de Olfa

As 4 filhas de Olfa se dedica a contar a história de como Olfa, a matriarca da família tunisiana, perdeu suas duas filhas mais velhas para grupos extremistas jihadistas na Líbia. Olfa e as duas filhas mais novas recontam suas histórias até aquele momento, montando um quadro do que pode ter levado as duas meninas a escolherem o caminho que seguiram.

O filme compõe isso por meio de reproduções das memórias de Olfa, Eya e Tayssir, utilizando as próprias meninas para dar corpo às lembranças, e em alguns momentos, uma atriz (Hend Sabri) no lugar de Olfa. Duas atrizes, Nour Karoui e Ichraq Matar, substituem as duas filhas mais velhas, Rahma e Ghofrane, que não estão presentes no filme, além das memórias de suas irmãs e mãe.

Olfa e Hend Sabri caracterizada
Olfa e Hend Sabri caracterizada | Imagem: Distribuição Synapse

O contexto político

Entre 2010 e 2011, a Tunísia passou por uma revolução popular, chamada de Revolução de Jasmin, com o objetivo de depor o ditador Zine El Abidine Ben Ali, que estava no poder desde a década de 1980. A movimentação do povo tunisiano deu impulso à série de rebeliões por países do norte da África e Oriente Médio, que ficou conhecida como Primavera Árabe.

Após a saída de Ben Ali, a situação na Tunísia não melhorou, dando lugar a disputas políticas e à intensificação da atividade de grupos terroristas. O discurso jihadista também ganhou força na região.

As duas filhas mais velhas de Olfa, Ghofrane e Rahma, eram adolescentes quando fugiram de casa para se juntar ao Estado Islâmico. Olfa expôs sua história em uma tentativa de reencontrar as filhas, mas também de responsabilizar as autoridades por facilitarem a radicalização e a fuga de duas menores de idade. Em 2016, as duas foram presas após um ataque comandado pelos EUA a uma base do Estado Islâmico na Líbia.

Mais do que um simples documentário, a produção faz um mergulho não apenas no contexto político que levou à radicalização das duas adolescentes, mas também na condição da experiência feminina em uma sociedade conservadora.

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As 4 filhas de Olfa: um experimento sobre a vida de mulheres

Partindo da história da própria Olfa, os abusos de parceiros e da própria família a levaram a garantir a proteção das filhas, oprimindo suas tentativas de promover a própria liberdade. A rebeldia comum da juventude representa um perigo real, mas a violência externa acaba por se reproduzir também dentro de casa.

O próprio formato do filme abre espaço para questionar as ações de Olfa, quando as próprias atrizes presentes, para interpretarem as memórias da família, protestam sobre as decisões que a mãe havia tomado sobre as filhas no passado. Contudo, não cabe tanto juízo de valor para Olfa. Uma mãe solteira de quatro filhas, que as criou sozinha depois de abandonar o marido abusivo.

A proteção oferecida pelo hijab, pelo véu da religião, surge primeiro para essa família de cinco mulheres como algo positivo. Para Olfa, aquilo representava a segurança que ela desejava para as filhas, de coisas que a própria viveu. Ainda assim, fundada no conservadorismo. O problema parece justamente residir na proximidade entre o conservadorismo e o fundamentalismo religioso.

Cena de "As 4 filhas de Olfa"
Cena de As 4 filhas de Olfa | Imagem: Distribuição Synapse

As 4 filhas de Olfa nos apresenta uma história sobre como as vidas de mulheres podem ser impactadas por decisões de homens, pela estrutura social patriarcal em que vivemos. 

A comparação entre Olfa e uma gata que, ao querer proteger seus filhotes, acaba comendo-os, parte da própria mãe. Assim como a esperança de que suas filhas mais novas rompam o ciclo de violência passado a gerações de mãe para filha. Mas isso faz parte e serve a um desenho de mundo que é hostil com as mulheres. Em determinados lugares do mundo, oferece cada vez menos alternativas seguras para as suas escolhas.

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Historiadora e mestranda em Cinema e Audiovisual, com pesquisas voltadas para as relações entre os lugares ocupados por mulheres no cinema brasileiro. Apaixonada por arte, cinema e educação.
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