Se Jenna Rink (Jennifer Garner) é a heroína de De Repente 30 (13 Going on 30), quem é o grande inimigo? Como qualquer garota de 13 anos, Jenna deseja ser a melhor versão de si mesma. Isso implica, nessa fase da vida, ser exatamente como as mulheres que ela admira.
Ela anseia por ter um corpo diferente, como os das mulheres nas revistas de moda, ser popular entre suas colegas, receber um beijo e ser única. Acima de tudo, ela deseja não ter mais 13 anos. Assim, Jenna, como todas as mulheres, enfrenta uma luta contra o tempo.
De Repente 30 é a história de toda mulher e de toda menina. Nesta comédia romântica, que surpreende pelas lições oferecidas, diferentes versões de uma mesma personagem se unem em uma só, obrigando-nos a confrontar as múltiplas versões de nós mesmas também.
Os sedutores anos 2000 e as ilusões de consumo
Em primeiro lugar, é importante analisar que De Repente 30 é uma comédia romântica, um gênero cinematográfico que tradicionalmente preza por finais felizes para suas protagonistas. No entanto, muitos filmes desse tipo seguem um padrão machista em que a protagonista é retratada como praticamente perfeita, com apenas alguns traços desajeitados, e sua autoestima só se eleva graças aos elogios de um homem.
Neste contexto, a vida de Jenna sofre uma transformação. Embora tenha alcançado a aparência que sempre desejou e conquistado um namorado famoso, seus problemas não desaparecem.
Diferentemente da maioria dos filmes do gênero, Jenna enfrenta inseguranças bem estabelecidas desde o início da trama. Ela deseja mudar sua aparência, porque é constantemente bombardeada com imagens de mulheres “ideais” em revistas. Também sonha em namorar alguém como Bruce Springsteen, pois é o que vê na mídia o tempo todo. Jenna, portanto, se sente feia e desconfortável em seu próprio corpo devido à influência da mídia sobre sua autoimagem.
Além das questões relacionadas ao seu corpo, a personagem também é ridicularizada por seu gosto pessoal. Embora o filme esteja enraizado na lógica da década de 2000, é evidente que muitas jovens mulheres ainda enfrentam esse tipo de descredibilização nos dias atuais. Assim, o filme inverte a ideia machista.
Jenna deseja ser exatamente como as outras garotas, pois a feminilidade não é o problema. Ela busca uma feminilidade específica que corresponda ao padrão inatingível estabelecido pela indústria. Ela se conforma, portanto, com o que é amplamente promovido como “ideal”.
Muitas garotas compartilham histórias semelhantes ao passarem da infância para a adolescência, enfrentando pressões em diversos aspectos de suas vidas. As experiências de Jenna, no entanto, refletem os traumas vivenciados por muitas garotas, tanto na sociedade da época quanto na atualidade.
Isso ressalta que a jornada da protagonista não termina quando ela alcança seus desejos, pelo contrário, sua história está apenas no começo. Talvez o tempo não seja o maior inimigo de uma mulher, mas sim a forma como o tempo opera em suas vidas.
A casa dos sonhos, a vida dos sonhos
Quando Jenna completa 13 anos, Matt (Mark Ruffalo) lhe dá de presente uma “casa dos sonhos da Jenna”, porque ela sempre quis ter uma Dreamhouse da Barbie. No entanto, como a própria Barbie descobre no filme de Greta Gerwig, esse tipo de projeção não representa a realidade, embora nos permita sonhar. Jenna, portanto, destrói a casa dos sonhos e viaja no tempo, realizando seu desejo.
Contudo, no final, ela abraça essa casa, agora reconstruída, desejando voltar. Essa resolução faz o roteiro parecer ingênuo, uma crítica comum às comédias românticas. De fato, De Repente 30 não se arrisca muito em discussões profundas, mas isso não significa que seus temas não tenham sua própria relevância. O filme realmente adiciona camadas à personagem de Jenna e faz da “casa dos sonhos” uma personificação de seus conflitos.
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Tendo isso em vista, o tempo não pode ser acusado de proporcionar a ela suas inseguranças, mas tampouco suas alegrias. O que constrói a ilusão de uma casa perfeita é a mídia, que mascara a realidade do mundo capitalista. Essa mesma organização social faz com que, de uma hora para outra, os sonhos se desmoronem.
Nada é estável, embora pareça ser. Nenhuma carreira está a salvo no mercado cada vez mais competitivo. E é exatamente por precisar ser competitiva que Jenna perde toda a sua individualidade e se torna alguém que ela sequer reconhece. Só vale a pena viver na casa dos sonhos com a vida dos sonhos, o que Jenna descobre ser impossível no mundo em que ela imaginava ser apenas glamour.
No final, a personagem trabalha para a revista que sempre sonhou, mas isso reforça os padrões que fizeram com que ela mesma sofresse a vida toda. Mas, como mencionado anteriormente, o longa não chega a aprofundar nenhuma dessas questões, apenas enumera problemas que parecem ser próprios da vida adulta.
O foco está mais nas ações de Jenna do que nas motivações por trás de tais atos. A rivalidade feminina, por exemplo, não possui desdobramentos, sendo apenas mais uma “comprovação” da arrogância da mulher que esqueceu o que realmente “importa na vida”.
Cante e dance suas músicas! Elas são para você!
De Repente 30 é uma história que ressoa com mulheres de todas as idades. Podemos comprovar isso: a casa dos sonhos representa não apenas o que mencionamos, mas também destaca que os sonhos que nutrimos são fundamentais para nossa identidade. O filme nos ensina que não há motivo para sentir vergonha disso. Essa é a mensagem mais impactante da obra.
O gosto peculiar de Jenna, quando tinha 13 anos, foi motivo de chacota, refletindo uma realidade ainda muito atual: tudo o que as garotas adolescentes gostam e produzem recebe um ódio desproporcional. Isso porque é muito fácil e cômodo atacar meninas nessa fase da vida. E mesmo sendo taxadas de infantis, elas ainda precisam amadurecer rapidamente.
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Por isso, é tão especial que Jenna se divirta como adulta e seja autêntica consigo mesma. Com a mentalidade de uma pessoa de 30 anos, ela não se sentia livre para expressar sua verdadeira essência, pois desde muito jovem foi pressionada a se conformar com os padrões de beleza, sensualidade e amadurecimento impostos pela sociedade às mulheres.
No entanto, com a mentalidade de alguém de 13 anos, Jenna conseguiu escapar dessa pressão e se permitiu dançar ao som de Thriller em uma festa, ter noites de garotas cantando suas músicas favoritas em alto e bom som, além de criar colagens de revistas com bexigas coloridas em busca de inspiração.
E não há dramas sobre homens! A única pessoa que desperta o interesse de Jenna é Matt, e o único motivo pelo qual eles não ficam juntos imediatamente está relacionado ao fato de Jenna almejar diversas coisas ao mesmo tempo. Apesar de cometer erros, a personagem possui qualidades positivas, embora o filme não as destaque.
Inclusive, no desfecho, o filme enfatiza o relacionamento de Jenna com Matt como o aspecto mais marcante de seu desenvolvimento. Isso o leva de volta aos estereótipos um tanto machistas presentes nas comédias românticas da época. Desse modo, a cena em que Jenna canta Love is a Battlefield de Pat Benatar ganha grande significado.
Todos os relacionamentos impõem demandas sobre nós, e o amor requer muita força. E isso está longe de ser sobre Matt:
Nós somos jovens
Mágoa à mágoa
Nós aguentamos
Assim, fazer as pazes com o tempo significa permitir que ele siga seu curso natural, enquanto o mundo o acelera e nos coloca sob pressão. Mas o amor é um campo de batalha, e nós aguentamos.
O tempo como um bom amigo em De Repente 30
Em 2023, De Repente 30, com seu valor nostálgico, é a prova de que o envelhecimento é relativo e certamente não é algo ruim. Em uma das cenas mais emocionantes do filme, Jenna pega um trem de volta à casa de seus pais. Ela chora e dorme ao lado deles, consciente da impossibilidade de voltar no tempo.
Ela pergunta à sua mãe (Kathy Baker): “Se você tivesse a chance de refazer qualquer coisa na vida, o que seria?” A mãe responde: “Nada! Bem, Jenna, eu sei que cometi muitos erros… mas não me arrependo deles. Se eu não tivesse errado, nunca teria aprendido a fazer as coisas certas.”
Viver pode ser desafiador, mas cometer erros ainda é permitido. Portanto, é importante entender que as coisas nem sempre saem como planejado.
O momento mais crítico de Jenna, quando ela chora e a música de Billy Joel, Vienna, toca, é quando ela volta para a casa dos pais e percebe que não é uma pessoa tão boa quanto imaginava. Mas ao mesmo tempo que a música diz “Vienna espera por você,” ela também nos avisa:
Você tem sua paixão, você tem o seu orgulho
Mas você não sabe que apenas os tolos ficam satisfeitos?
Sonhe, mas não pense que todos eles se realizarão
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Quando Matt diz não para ela, e ela abraça a casa dos sonhos, a verdade sobre a qual falamos fica mais potente no filme, de que o que somos é resultado da forma como interpretamos o mundo. Agimos contra o mal que vemos? Ou nos tornamos parte dele? O filme não chega a apresentar um culpado, embora muitas vezes pareça ser a própria Jenna.
Na verdade, a resposta está nela. O final do filme aborda uma maneira da personagem fazer as pazes consigo mesma, sem trazer uma solução mágica para os problemas reais que causaram seus traumas. Não cabe isso ao filme. No imaginário desse universo, é possível ir e voltar do tempo. Mas isso não anula nada, não resolve efetivamente nada. É apenas Jenna e o conjunto de coisas que a tornam especial: seus erros e seus acertos.