GUTS: Olivia Rodrigo reforça que amadurecer requer coragem – e estômago!

GUTS: Olivia Rodrigo reforça que amadurecer requer coragem – e estômago!

Amadurecer não é uma jornada fácil. Os problemas que prometem uma solução com a chegada da vida adulta muitas vezes triplicam de tamanho, tornando o caminho, especialmente para as mulheres, uma travessia árdua.

O conto de fadas que construímos na infância desmorona gradualmente ao longo da adolescência, e quando nos damos conta, lá está ela: a vida batendo à porta, nos obrigando a lidar com uma montanha de situações constrangedoras e desesperadoras.

Amores arrebatadores e problemáticos, falta de aceitação quanto à própria imagem, a quebra de laços com aqueles que amamos, seja amigos ou familiares, a inadequação social e o ciúmes transmutado em adoração são temas presentes nas músicas de diversas cantoras famosas ao longo das décadas. Essas canções ajudam meninas e mulheres de todas as idades a se sentirem mais aceitas, compreendidas e vistas.

Dois anos após o grande sucesso de seu primeiro álbum, SOUR, Olivia Rodrigo retorna com mais músicas que exploram as particularidades da vida das jovens mulheres em GUTS — e a conexão com o álbum é inegável, independentemente da idade que você tenha.

Capa do álbum GUTS, de Olivia Rodrigo
Capa do álbum GUTS, de Olivia Rodrigo | Imagem: reprodução

Saindo do azedume da fase de intensas mudanças físicas e psicológicas, agora como uma mulher, Olivia Rodrigo tenta encontrar motivação no passado recente e dentro de si mesma para desbravar o desconhecido que a vida adulta reserva.

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Olivia Rodrigo sabe muito bem cantar sobre as dores femininas

O álbum começa com a agitada canção all-american bitch, cujo título Olivia retirou de uma passagem do famoso livro “O álbum Branco”, da escritora e jornalista estadunidense Joan Didion. No livro, há menção de um desentendimento entre um jovem hippie e sua mãe.

Na música, que começa de forma acústica e suave, mas logo se transforma em um rock com sonoridade típica do início dos anos 2000, o eu lírico se fantasia de um padrão feminino esperado pela sociedade, revelando-se, na verdade, o completo oposto.

O padrão de ser sempre grata por tudo, calma mesmo quando precisa sentir raiva, e linda até mesmo chorando é satirizado pelo eu lírico. Ao longo do álbum, essa persona se desconstrói, permitindo que o ouvinte enxergue sua verdadeira identidade e as várias falhas inerentes às pessoas.

Capa do single "bad idea right?"
Capa do single “bad idea right?” | Imagem: reprodução

Na sequência, GUTS nos traz três canções que falam sobre o amor romântico, uma temática que os fãs de Olivia já conheceram em SOUR, mas aqui assume nuances diferentes: bad idea right? narra as idas e vindas dos relacionamentos amorosos, com um eu lírico que não consegue se desvincular do ex-namorado; vampire aborda um relacionamento extremamente tóxico no qual o eu lírico era constantemente drenado de diversas formas pelo ex; e a balada mais interessante (e bonita) do álbum, lacy.

Lacy causou enorme furor no dia do lançamento de GUTS, porque, à primeira vista, pode parecer apenas uma canção sobre inveja e a fascinação que uma garota sente por outra menina de seu convívio. No entanto, a música revela-se um poema homoerótico sobre a descoberta da própria sexualidade e a entrega total à amada por parte do eu lírico feminino.

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Smart, sexy Lacy, I’m losin’ it lately
I feel your compliments lik
е bullets on skin
Dazzling starlet, Bardot reincarnat
е
Well, aren’t you the greatest thing to ever exist?

Ooh, I care, I care, I care
Like ribbons in your hair, my stomach’s all in knots
You got the one thing that I want
Ooh, I try, I try, I try
Try to rationalize, people are people
But it’s like you’re made of angel dust

(Sexy e inteligente Lacy, venho enlouquecendo ultimamente
Sinto os seus elogios como balas contra a pele
Estrela deslumbrante, Bardot reencarnada
Bom, você não é a melhor coisa que já existiu?

Ooh, eu me importo, eu me importo, eu me importo
Como fitas no seu cabelo, meu estômago está cheio de nós
Você tem aquela coisa que eu quero
Ooh, eu tento, eu tento, eu tento
Tento racionalizar, pessoas são pessoas
Mas é como se você fosse feito de poeira de anjos)

Produzida inteiramente de forma acústica, a canção é doce e delicada, sendo amplamente abraçada pelos fãs LGBTQIAP+ da cantora. Eles se veem refletidos nos versos de lacy. O amor também retorna em logical, get him back!, love is embarrising e the grudge, abordando desconfiança, o peso dos términos e até mesmo o desejo de se vingar de um ex-namorado problemático.

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Em ballad of a homeschooled girl, o eu lírico narra suas tentativas frustradas de se inserir na sociedade. Sentindo-se completamente deslocada e atrapalhada, uma pessoa que estudou apenas em casa certamente teria o desafio de interagir com outras pessoas de sua idade ao se tornar adulta. Isso é algo que Olivia viveu na pele, já que também cursou todos os anos escolares no próprio lar.

Olivia Rodrigo
Olivia Rodrigo | Imagem: reprodução

pretty isn’t pretty aborda novamente uma preocupação presente em SOUR: os padrões de beleza impostos às mulheres e como isso suprime a vontade de fazer parte de círculos sociais, uma vez que todo esforço para atingir uma beleza impossível sempre será em vão.

making the bed, assim como teenage dream, são duas das canções mais melancólicas do álbum. A primeira fala sobre situações em que nos distanciamos das pessoas que amamos por nos sentirmos descoladas da realidade, mesmo tendo tudo o que queremos ao nosso redor.

Já a segunda canção conversa diretamente com all-american bitch e encerra o álbum de um modo triste, porém mais realista. O eu lírico forte, crítico e determinado da primeira canção de GUTS compreende que a vida dali para frente será sempre cheia de altos e baixos. O sonho da adolescência nem sempre acontecerá, muito pelo contrário.

A vida adulta traz consigo inúmeros problemas para as mulheres que, sozinhas, terão de resolvê-los. Como Olivia canta na canção, todos dizem que as coisas irão melhorar à medida que envelhecemos, mas e se isso não acontecer?

Imagem do clipe da canção "vampire", de Olivia Rodrigo.
Imagem do clipe da canção “vampire”, de Olivia Rodrigo | Imagem: reprodução

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Referências preciosas para as décadas passadas — e para a nova geração

Desde SOUR, Olivia adota uma estética que remete a toda cultura difundida no cinema e na música desde os anos 1990 até o início dos anos 2000. Mesmo acom apenas dezenove anos, ela consegue resgatar na sonoridade das canções, em seu visual e nos clipes, toda a nostalgia à qual mulheres que cresceram nessa época se apegam. Além disso, escreve como ninguém sobre as desventuras de ter sido uma garota adolescente nesses anos.

Começando por all-american bitch, é interessante observar que os versos iniciais da música, I am light as a feather, I’m as stiff as a board (“sou leve como uma pluma e dura como uma tábua”), além de serem parte de uma típica brincadeira de levitação que muitos jovens estadunidenses fazem em festas, também estão presentes em uma cena clássica do filme Jovens Bruxas (1996). Nessa cena, o coven liderado por Nancy (Fairuza Balk) consegue fazer Rochelle (Rachel True) levitar ao repetir a frase como um encantamento.

No filme, as quatro adolescentes, que estão engajadas em aprender magia e invocar o deus Manon, também são excluídas dos círculos populares da escola, se sentem rejeitadas e precisam lidar, cada uma delas, com um problema pessoal, o que torna o vínculo entre elas ainda maior.

Sendo declaradamente fã de filmes de terror e fantasia sombria, como Crepúsculo (referenciado no clipe de vampire), Olivia pode ter se inspirado no filme de Andrew Fleming, que marcou a memória afetiva de muitas mulheres, para dar o tom dos sentimentos que estariam por vir nas demais canções de GUTS.

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Imagem da capa do single "vampire", de Olivia Rodrigo.
Imagem da capa do single “vampire”, de Olivia Rodrigo | Imagem: reprodução

Ser “leve como uma pluma e dura como uma tábua diz muito sobre como o eu lírico das canções se sente: a maturidade pode trazer a leveza de podermos, finalmente, assumirmos quem somos, mas ainda assim há a rigidez do medo de se expor e o peso de precisar encarar o mundo de peito aberto.

Filmes como Meninas Malvadas, Ela é o Cara e Garota Infernal também poderiam muito bem ter as canções de GUTS como trilha sonora, sobretudo este último, cuja história apresenta o relacionamento entre as protagonistas Needy (Amanda Seyfried) e Jennifer (Megan Fox), que, para além da forte amizade, também têm um vínculo homoerótico, assim como narrado em lacy.

O amadurecimento vem também nos aspectos técnicos de GUTS

E por falar em referências, ficam evidentes as inspirações de Olivia Rodrigo na sonoridade de cantores e bandas dos anos 1990 e 2000: amadurecendo tanto nos temas das canções quanto na sonoridade, as músicas de GUTS trazem em sua essência muito de Alanis Morissette, Garbage, Elastica, Letters to Cleo e até mesmo Beck.

Em GUTS, Olivia abraçou de vez o rock, que chamou tanto a atenção em faixas como brutal e good 4 u no primeiro álbum, e que aqui aparece em boa parte das doze canções, inclusive em obsessed, uma das quatro outras músicas que serão lançadas na versão deluxe do álbum. Além dela, a nova versão de GUTS, sem previsão de lançamento, contará com as faixas scared of my guitar, strange e girl i’ve always been.

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Com um punhado de frases marcantes, acordes doces e pesados, e gritos que vêm da alma, Olivia Rodrigo deixa de lado a inocência de SOUR e encara o mundo real, extravasando neste novo projeto aquilo que tanto nos perturba como mulheres.

Já aclamado pela crítica e adorado pelos fãs, GUTS reforça que amadurecer, sendo mulher, nunca será fácil em momento algum da vida. Crescer exige coragem, estômago e uma força imensa tirada das nossas entranhas. E Olivia tem tudo isso de sobra!

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117 Textos

Formada em Letras, pós-graduada em Produção Editorial, tradutora, revisora textual e fã incondicional de Neil Gaiman – e, parafraseando o que o próprio autor escreveu em O Oceano no Fim do Caminho, “vive nos livros mais do que em qualquer outro lugar”.
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