Segunda temporada de “And Just Like That” dá prazer apesar dos tropeços

Segunda temporada de “And Just Like That” dá prazer apesar dos tropeços

A segunda temporada de And Just Like That resgata o legado de Sex and the City com diálogos divertidos e looks fabulosos. Porém, cambaleia sobre o salto ao trazer o reencontro de Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) e Aidan (John Corbett), resultando em um desfecho sem pé nem cabeça. A tão aguardada volta de Samantha (Kim Cattrall) também acaba sendo uma decepção. Ainda assim, o balanço geral é positivo.

Segunda temporada de “And Just Like That”: grandes esperanças

A segunda temporada começa com um tom festivo, introduzindo os dois elementos clássicos de Sex and the City: sexo e moda.

É perceptível que em relação a 2021, o ritmo e a atmosfera da série melhoraram. No terceiro episódio, nos deixam sonhar. O episódio de 44 minutos apresenta uma narrativa fluida, boas piadas e visuais atraentes, fazendo nos transportarmos de volta àquele lugar cheiroso e decorado com luzinhas, onde habita a memória afetiva de Sex and the City.

Nesse episódio da segunda temporada de And Just Like That, o trio composto por Lisa (Nicole Ari Parker), Seema Patel (Sarita Choudhury) e Nya Wallace (Karen Pittman), ou seja, as novas amigas não-brancas, não são mais tratadas como acessórios e finalmente encontram espaço para florescer.

A química entre Lisa e Charlotte (Kristin Davis) torna suas interações deliciosas e até críveis, dentro do universo não exatamente realista da série. Seema apresenta algumas qualidades que lembram a Miranda (Cynthia Nixon) dos anos 2000, mas com a autoconfiança de uma Samantha.

E Nya poderia facilmente protagonizar um spin-off: autoirônica, engraçada, cativante e sexy sem esforço. Ela é a personagem “gente como a gente”, fabulosa e bem-sucedida, mas não milionária.

Mulher atravessa uma rua de Nova York usando um vestido vermelho com longa cauda, na série "And Just Like That".
Lisa (Nicole Ari Parker) a caminho do Met Gala. (HBO/Divulgação)

Che Díaz: chega, ou chega mais?

As dificuldades enfrentadas por Che (Sara Ramírez) na ficção, enquanto busca construir sua carreira, apresentam um sabor de metalinguagem. As questões parecem ter sido inspiradas no massacre virtual que a personagem sofreu durante a primeira temporada. Afinal, seu romance com Miranda nunca convenceu a audiência, e o seu desfecho traz uma sensação de alívio para todos os envolvidos.

Contudo, ao menos, Sara Ramírez apresenta um desempenho mais eficaz em cenas dramáticas do que como comediante. No décimo episódio, quando Miranda grita “Not funny!” (Não é engraçado!), parece estar expressando também o sentimento do público.

Entretanto, quando Che enfrenta conflitos pessoais e revela seu pior lado como ser humano, mostrando-se egoísta e de difícil convivência, isso a torna paradoxalmente mais interessante. A ausência da obrigação de gostar da personagem nos permite torcer em paz para que Miranda se liberte desse delírio e retorne ao convívio das amigas.

Na segunda temporada de “And Just Like That”, Samantha vem só para deixar mais saudades

Se na temporada anterior Samantha Jones apenas “apareceu” por mensagem, desta vez temos ao menos o privilégio de vê-la e ouvi-la.

Apesar de amplamente anunciada, a cena pareceu ter sido inserida às pressas, e sua interrupção precoce prejudicou o prazer da experiência antes mesmo que pudesse se consolidar. O diálogo, claramente gravado separadamente por Kim Cattrall e Sarah Jessica Parker, tem uma duração inferior a um minuto e meio.

Mantém-se a esperança de que a terceira temporada finalmente traga alguma interação presencial entre Samantha e as outras personagens. Mesmo que para isso, os produtores precisem distribuir panfletos por todo o bairro onde Kim Cattrall reside, implorando para que ela retorne.

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Um mundo melhor existe, mas é caríssimo

De certa forma, And Just Like That segue na contramão da tendência de aversão aos ricos que tem permeado a produção cultural dos últimos cinco anos. Nesta série, o dinheiro assume um papel de superpoder, elevando as tramas a um nível que beira o realismo mágico.

Na série original, a discrepância entre o estilo de vida do quarteto central e qualquer semelhança com o mundo real por vezes era tão gritante que afetava a suspensão da descrença. Agora, esse aspecto foi resolvido. O dinheiro, como sempre, não é uma preocupação, mas sim uma solução.

A realidade também se infiltra na série de outra maneira: através das constantes referências a pessoas e eventos atuais. Quando se trata da cultura pop, séries da geração SATC, como, por exemplo, Friends, pareciam se desenrolar em uma dimensão paralela. Popstars, celebridades, filmes e músicas contemporâneas eram ignorados no universo fictício ou recebiam nomes inventados.

Agora, os personagens mencionam Rihanna, a situação do Covid, questões políticas dos EUA, a Marvel e Billie Eilish. Nos primeiros episódios, isso ocorre tão frequentemente que pode parecer forçado. Quase como se a série nos estivesse conduzindo, dizendo: “Ei, tudo o que você está vendo acontece aqui, no nosso mundo real, ok?”

Mulher sentada no balcão de um bar de aparência chique, com um drink rosa à sua frente.
Nya (Karen Pittmann) roubou cada cena em que apareceu, mas merecia mais.

Para Carrie, só Aidan importa. Para a segunda temporada de “And Just Like That”, também!

And just like that… Aidan está de volta! E tudo o que discutimos até agora fica esquecido no churrasco. 

O namoro já começa de maneira esquisita, mesmo dentro dos padrões de And Just Like That. Aidan se recusa a entrar no apartamento de Carrie, alegando que o local está cheio de lembranças dolorosas. Se esse trauma tivesse sido explorado em um ou dois episódios, servindo como um ponto de partida para que o casal enfrentasse os fantasmas do passado, poderia ter sido interessante.

No entanto, é desconfortável assistir a uma mulher adulta aceitar esse comportamento somente porque se sente culpada pelos erros anteriores. Ainda que a herança deixada por Big (Chris Noth) tenha aparentemente proporcionado recursos quase infinitos a ela, a ideia de comprar uma casa de milhões de dólares, só para evitar desconfortos para o mozão, parece estranha, quase como um artifício narrativo capenga.

Ao longo da saga de Sex and the City, Carrie sempre foi volúvel, autocentrada, egoísta e às vezes sem noção. No entanto, também era uma mulher independente que, mesmo no auge de suas paixões, sabia como se colocar em primeiro lugar.

Aos 56 anos, ela abdica daquilo que a definiu como pessoa durante três décadas, tudo isso para ficar com um homem cujos interesses e estilo de vida não estão alinhados com os dela. Isso não soa como um gesto de maturidade ou evolução pessoal; parece ser algo que a própria Carrie jamais faria. Miranda, a propósito, certamente tentaria dissuadi-la dessa decisão, por sinal.

Mulher caminha na rua em meio a uma nevasca usando um vestido de festa feito de edredom.
Na segunda temporada de And Just Like That, os figurinos andaram no limite entre o sublime e o absurdo, lembrando o estilo da figurinista original Patricia Field | HBO/Divulgação

Final pior que um post-it

Não é claro se isso é fan service ou uma decisão ousada dos criadores da série. “Por que esse relacionamento não funcionou da primeira vez?” pergunta Che, segurando uma cerveja e exibindo uma expressão confusa que provavelmente muitos espectadores também tiveram nesse momento.

Eu cometi um erro“, confessa Carrie. E a cena termina abruptamente. Wow. Parece que os episódios que seguem a chegada de Aidan estabelecem as bases para um conflito que só se desenvolve nos minutos finais da season finale. E esse desfecho chega de uma maneira tão desconexa que parece ter sido gerado por uma inteligência artificial.

Afinal, qual pessoa em sã consciência aceitaria esperar cinco anos para se reunir com um ex-namorado, ESPECIALMENTE DEPOIS DE COMPRAR UMA CASA PARA FICAR COM ELE? Carrie pode ter reagido inexplicavelmente bem a isso, mas, quando se trata de finais decepcionantes, o famoso post-it de Berger acaba de perder o pódio.

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Tava ruim, tava bom, agora parece que piorou!

Fica a sensação de que a segunda temporada de And Just Like That estava caminhando para um final feliz definitivo entre Carrie e Aidan, até que os criadores foram informados da renovação da série e perceberam que precisarão manter Carrie solteira por mais algumas temporadas.

Com o retorno de Aidan, as trajetórias de Seema, Nya e Lisa também são prejudicadas, fazendo com que elas voltem a ser sombras do potencial que tinham. Tramas que surgem do nada e levam a lugar nenhum são desrespeitosas com o talento das atrizes e com o potencial das personagens.

A permanência de Anthony (Mario Cantone) na série parece ter sido inserida à força (sem trocadilhos), apesar dos esforços do ator para extrair humor dessas situações e arrancar algumas risadas em meio à trama.

Amizade e alguns cosmopolitans

Contudo, a cena final, que retrata Carrie e Seema desfrutando de sua liberdade e recursos em uma praia na Grécia, mantém o futuro em aberto e ressalta novamente o que realmente importa em And Just Like That. Afinal, Sex and the City nunca foi apenas sobre amor, exceto pelo amor à cidade de Nova York.

A série trata de amizade, pegação, moda, gastos extravagantes sem preocupações, focados no próprio umbigo, e é claro, sobre sexualidade. No entanto, nunca exaltou o amor romântico como a única rota para a felicidade.

Na verdade, sempre validou uma variedade de escolhas e a liberdade de mudar de rumo em qualquer fase da vida, desde que a individualidade não seja perdida.

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Redatora, formada em Jornalismo no início do século, moradora da internet, gosta de falar sobre coisas que não existem.
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