A dificuldade de se conectar com o mundo ao redor pode intensificar os sentimentos conflitantes que surgem na adolescência. Para uma garota que se sente atraída por outras garotas, a falta de representação pode ser especialmente prejudicial, uma vez que o desenvolvimento feminino está cercado por uma cultura excessivamente heterossexual. A maioria dos casais em filmes, novelas, canções e histórias de amor é composta por um homem e uma mulher, pelo menos até recentemente.
Nos últimos tempos, tem havido um aumento no número de obras com mulheres lésbicas e bissexuais como protagonistas, mas a oferta ainda é limitada. Essa carência de referências serviu de motivação para Elayne Baeta, de 25 anos, começar a criar histórias destinadas a e sobre mulheres sáficas.
Elayne nasceu na Bahia e cresceu imaginando que os casais heterossexuais dos livros e filmes que ela consumia, na verdade, fossem duas garotas. Aos 19 anos, ela publicou a história de suas personagens Íris e Édra em um site de fanfics, a qual atraiu mais de 400 mil leituras.
Esse sucesso chamou a atenção das editoras, e agora seu livro O Amor Não é Óbvio é um best-seller publicado pela Galera Record. Além disso, Elayne Baeta é a autora de Oxe, Baby, uma coletânea de textos que se tornou o primeiro livro de poemas sáficos a entrar na lista de mais vendidos do Brasil.
Além de ser poeta e romancista, Elayne também é podcaster. Seu programa Lésbica e Ansiosa, disponível nas principais plataformas de música, aborda temas como relacionamentos e identidade. O projeto iniciou em 2021 e, conforme a autora, foi uma maneira de lidar com a ansiedade durante a pandemia de Covid-19.
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O Amor Não é Óbvio
Todo mundo merece ter aquele livro ou filme que se torna um ponto de virada em suas vidas. O Amor Não é Óbvio preenche essa lacuna na adolescência das meninas que cresceram apreensivas por gostarem de outras meninas. E a boa notícia é que nunca é tarde para mergulhar em uma aventura juvenil que acalente a confusão e apreensão da adolescência, ou simplesmente para desfrutar de uma narrativa leve e divertida.
No entanto, não se engane: O Amor Não é Óbvio não se distancia do comum, e é justamente essa característica que torna o livro tão especial. Os personagens são cotidianos, vivenciando situações do dia a dia. São meninas que sentem atração por outras meninas e estão cientes disso, assim como meninas ainda em processo de descoberta. Os primeiros amores são repletos de drama adolescente, e o livro aborda paixões que sempre existiram, mas que foram raramente retratadas.
Publicado em 2019, o romance é narrado em primeira pessoa pela protagonista, Íris Pêssego. No último ano do ensino médio, ela se vê diante da oportunidade de se aproximar do menino por quem é apaixonada desde o fundamental. No entanto, a chegada de Édra Norr, a primeira lésbica assumida do colégio, provoca um turbilhão de emoções até então desconhecidas em Íris.
Édra é decidida, confiante e não hesita em ser autêntica. Namora a menina mais popular da escola e atrai suspiros por onde passa. Por outro lado, Íris está repleta de incertezas em sua vida. O convívio com Édra gera mais questionamentos, mas também lhe dá coragem para enfrentá-los e encontrar soluções.
O Amor Não é Óbvio explora a complexidade dos sentimentos. Mostra que nem tudo precisa de uma explicação detalhada. Está tudo bem em sentir atração por uma colega de classe ou amar outra garota. Está tudo bem rejeitar o garoto com quem você sonhou durante anos. A naturalidade com que aborda a sexualidade nesta história permitirá que uma geração de jovens se descubra com leveza e sem constrangimentos.
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Oxe, Baby
O conjunto de textos e ilustrações revela um lado ainda mais cru e vulnerável da autora. Oxe Baby é um abraço reconfortante e um beijo cheio de malícia.
Ao longo do livro, Elayne Baeta explora temas como infância, coragem e relacionamentos, discutindo como eles são afetados ao escapar do padrão convencional. Baeta inicia com uma dedicatória especial: “Para todas as meninas que já conversaram comigo olhando para a minha boca. Mesmo eu sendo menina também.”
Na página seguinte, ela nos adverte:
“Você não precisa ser lésbica para entender quando eu falo de amor ou sobre dor. Você só precisa amar, você só precisa doer.
Para entender uma pessoa, basta outra.
Arraste uma cadeira, e se der, me leia.
Estou entre os espaços de uma palavra e outra;
se puder, me olhe.”
O pedido da autora exige que prestemos atenção à existência de outras pessoas como ela, que sempre estiveram presentes e sempre estarão. Mulheres lésbicas que criam para oferecer conforto a outras mulheres, mas também a qualquer pessoa que se permita ser tocada por sua arte.
Reconhecer e apoiar criadores que capacitam os outros a se sentirem à vontade e fortalecidos em sua própria identidade é uma maneira de celebrar uma ampla gama de experiências de vida.
“Que minhas palavras matem sua fome
Que meus versos afoguem sua sede
Que você eternamente me ame
Mesmo sem decorar o meu nome
Leia-me leia-me leia-me”
Tendo construído uma base de fãs incrivelmente dedicada, Elayne Baeta está preparando terreno para o lançamento de seu próximo livro, embora detalhes adicionais ainda não tenham sido divulgados.
Enquanto aguardamos sua chegada, há tempo para mergulhar no universo da autora através de seus textos e outros conteúdos disponíveis em suas redes sociais. E, ao fazê-lo, esperamos que essa literatura genuína e vulnerável continue a confortar meninas (e quem mais se permitir) em todos os lugares.