“Fale Comigo” é cruel, intrigante e surpreendente

“Fale Comigo” é cruel, intrigante e surpreendente

A A24 tem conquistado repercussão significativa com seus filmes há um bom tempo. Essa produtora de cinema independente, fundada em 2012, já acumula mais de 25 indicações ao Oscar em seus 11 anos de existência. Devido a esse reconhecimento crescente, ela se tornou um fenômeno tanto para a crítica especializada quanto para os amantes da Sétima Arte.

A mais recente aposta de sucesso da A24 é o filme de terror australiano Fale Comigo. Após estrear mundialmente em janeiro durante o Festival de Cinema de Sundance, o longa finalmente chegou às telas brasileiras. E ele já está entre os títulos mais intrigantes do gênero lançados na última década.

Mundo espiritual e jovens inconsequentes

A história gira em torno de um grupo de amigos que descobre como evocar espíritos por meio de uma mão embalsamada. Ao pronunciar a frase “fale comigo, eu deixo você entrar” enquanto seguram o artefato, eles conseguem estabelecer contato direto com os mortos.

Entretanto, um deles acaba indo longe demais após se viciar na adrenalina da sensação de ser possuído, abrindo uma porta para algo maligno atormentar suas vidas.

A mão embalsamada. Cena do filme "Talk to Me" (2023)
A mão embalsamada | Imagem: Reprodução

Num primeiro olhar, o enredo pode parecer seguir o padrão comum. Adolescentes brincando com o desconhecido e percebendo que foi uma má ideia já é uma narrativa conhecida em Hollywood. No entanto, a história toma um rumo interessante quando os espíritos concentram seus esforços em prejudicar apenas uma pessoa do grupo.

Mia (interpretada por Sophie Wilde) é o verdadeiro alvo e a razão pela qual eles continuam a assombrar sua vida e a dos outros personagens. Após a morte de sua mãe, Mia se encontra vulnerável, e os espíritos exploram essa fragilidade para entrar em contato com ela, assumindo a identidade da falecida e cruelmente atraindo-a por meio de Riley (interpretado por Joe Bird), irmão de sua melhor amiga.

Riley entrando em contato com o mundo espiritual. Cena do filme "Fale Comigo" (2023)
Riley entrando em contato com o mundo espiritual | Imagem: Reprodução

Embora mantenha um senso de proteção e carinho pelo garoto, Mia não perde a oportunidade de conversar novamente com a figura que assume a identidade de sua “mãe”.

Naturalmente, as consequências de suas ações são profundas, pois deixam o garoto como condutor entre os mundos por tempo demais. Isso a assombra com o peso na consciência pela destruição da aparência e do psicológico de Riley, mas não a impede de permanecer próxima do mal que gradualmente toma conta de sua mente.

Ideia genérica, execução original

Desde o primeiro contato de Mia com a possessão, ela descreve a experiência como incrível. A sensação de estar fora de si mesma se torna uma válvula de escape para a dor que ela carrega desde a perda de sua mãe. Lidar com a realidade se torna excessivamente complicado, então por que não permitir que algo mais assuma o controle?

Essa ação não é somente intrigante, mas também controversa. Seria mais esperado que Mia sentisse medo em vez de prazer ao se envolver tão profundamente com o desconhecido. Suas decisões questionáveis sugerem uma metáfora relacionada à depressão, ao vício e ao abuso de substâncias, onde o “espírito” se torna uma espécie de droga sussurrando em seu ouvido.

Cena do filme "Fale Comigo" (2023)
Mia enquanto possuída | Imagem: Reprodução

Envolta no luto e na busca por aliviar a dor que o acompanha, a atmosfera angustiante criada ao redor de Mia é, no mínimo, desconcertante. Nos primeiros 45 minutos, uma introdução meticulosa dá vislumbres do que está por vir e sugere o destino possível da protagonista.

Uma falsa sensação de tranquilidade é retratada por meio de duas situações cômicas e facilmente identificáveis, especialmente para a geração atual. A primeira delas utiliza o sucesso Chandelier de Sia como trilha sonora. A segunda está ligada à necessidade obsessiva de exposição nas redes sociais, independentemente de quão absurda a situação possa ser.

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Final (in)esperado

Os momentos finais conseguem ser simultaneamente previsíveis e surpreendentes. A essa altura, Mia se transformou em uma personagem completamente distinta daquela que conhecemos no início. Levada a cometer uma tragédia, ela paga o preço por se afundar em seu próprio sofrimento. O impacto da cena é tão profundo que é difícil não continuar refletindo mesmo após sair da sala de cinema.

O leque de possibilidades para a sequência, que já foi confirmada pela A24, é amplo. Explorar a mitologia e a origem em torno da mão embalsamada, desenvolver outros personagens ou até continuar a jornada de Mia no limbo onde ela se encontra são todas ideias válidas e confiáveis para serem desenvolvidas.

Sophie Wilde entrega, do começo ao fim, uma atuação digna do terror moderno. Cena do filme "Fale Comigo" (2023)
Sophie Wilde entrega, do começo ao fim, uma atuação digna do terror moderno | Imagem: Reprodução

Do Youtube para o Cinema

A estreia dos irmãos gêmeos Danny e Michael Philippou na indústria cinematográfica é excepcional. Como proprietários do canal RackaRacka desde 2013, o qual acumula atualmente mais de 6 milhões de inscritos, eles criaram vídeos que combinam terror e comédia ao vivo para a internet.

Irmãos Philippou, os diretores de "Talk to Me" (2023)
Irmãos Philippou (Imagem: Reprodução)

O anúncio do projeto que culminou em Fale Comigo ocorreu em 2020. Durante três anos, a direção dos irmãos foi muito além do básico, conseguindo equilibrar o medo e a aflição do gore em cenas gráficas ao mesmo tempo em que desenvolviam a construção dos personagens.

Em vez de retratá-los como ingênuos e tentar fazer o público também acreditar nisso, eles optaram por criar personagens compreensíveis. Sabemos que estão equivocados e enfrentam perigo, mas o respeito e a empatia pelos jovens predominam.

Com um elenco excepcional, que inclui não apenas Sophie e Joe, mas também atuações de Alexandra Jensen, Miranda Otto, Otis Djanji e Zoe Terakes, Fale comigo traz consigo o potencial necessário para se tornar um clássico do terror contemporâneo.

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Graduanda em Jornalismo com síndrome de Lady Bird. Criadora de conteúdo literário no @sohmagio, têm como filosofia de vida as obras da Ai Yazawa. Nas horas vagas, é fã e apreciadora da profundidade nas músicas do My Chemical Romance e da Taylor Swift.
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