Lady Killers: quando a feminilidade dá lugar à crueldade

Lady Killers: quando a feminilidade dá lugar à crueldade

Quando o termo serial killer vem à tona, muitos lembram de Ted Bundy, Jack, o Estripador, Jeffrey Dahmer ou do ainda misterioso Assassino do Zodíaco. Nomes como Nannie Doss, Mary Ann Cotton e Anna Marie Hahn, e suas coleções de assassinatos, ainda são desconhecidos para a maioria – a não ser para quem leu Lady Killers, de Tori Telfer, publicada no Brasil pela Darkside Books.

Num panorama global, as mulheres são frequentemente associadas a características como compaixão, delicadeza e maternidade, sendo vistas como menos propensas à violência.

No entanto, Lady Killers desconstrói essa percepção, apresentando casos reais de mulheres que romperam com essas normas e cometeram assassinatos chocantes. A obra destaca que, assim como os homens, as mulheres também podem ser motivadas por uma variedade de razões complexas que as levam a cometer atos extremos.

"Lady Killers" de Tori Telfer
“Lady Killers” de Tori Telfer | Foto: Bianca Smiderle

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Sedução e bruxaria eram os julgamentos mais comuns

A narrativa sobre mulheres que cometem crimes hediondos frequentemente se baseia em estereótipos que tentam simplificar tais comportamentos com explicações generalistas. Embora as histórias citadas no livro se desenrolem em diferentes países, épocas e contextos sociais, a maioria delas tem algo em comum: a invalidação de possíveis transtornos psicológicos e da crueldade que motivou ações tão frias e calculadas.

Tanto em audiências oficiais nos tribunais quanto no julgamento mediado pela mídia, o entendimento popular sobre as motivações dos crimes frequentemente envolvia bruxaria ou sedução. Esses estereótipos distorciam a verdadeira complexidade por trás dos motivos e circunstâncias desses crimes.

Historicamente, mulheres que desafiavam as normas de gênero ou se envolviam em comportamentos considerados socialmente inaceitáveis eram rotuladas como “bruxas“, termo usado para marginalizar mulheres que se destacavam de maneira não convencional.

Em casos de assassinatos planejados por mulheres, esse rótulo simplificava e demonizava a acusada, desviando a atenção da análise profunda dos fatores envolvidos e do simples fato de que mulheres também podem ser essencialmente más.

Da mesma forma, o estigma de “sedutora” era frequentemente usado como fator descredibilizante, promovendo a ideia da femme fatale, cuja suposta capacidade de manipulação era considerada a única explicação para seus atos.

Tais convicções não apenas distorciam a verdadeira natureza dos crimes, mas também contribuíam para um ambiente de julgamento moral, onde a sociedade estava pronta para condenar as assassinas com base em preconceitos de gênero e ideias pré-concebidas sobre feminilidade.

As justificativas rasas muitas vezes serviam como uma maneira conveniente de desviar a atenção das questões reais e reforçar narrativas que continuavam a inferiorizar a população feminina.

Lady Killers: Elizabeth Bathory e Alice Kyteler

A autora lança luz sobre como a sociedade tende a retratar as mulheres que cometem crimes de maneira sensacionalista, usando até elementos mágicos como justificativa para a crueldade. Dois exemplos são a condessa húngara Elizabeth Bathory e a abastada irlandesa Alice Kyteler.

Elizabeth, também conhecida como “Condessa Sangrenta“, é frequentemente julgada como quase sobrenatural e associada a figuras vampirescas. No entanto, a análise histórica revela uma escassez de provas concretas em relação aos numerosos crimes dos quais é acusada.

Grande parte das alegações contra Báthory parece estar envolta de lendas exageradas, o que contribui para sua reputação sombria. As atrocidades que supostamente cometeu, incluindo assassinatos em massa e práticas sádicas, são difíceis de serem corroboradas de maneira definitiva.

Os crimes que podem ser atribuídos a ela, por outro lado, poderiam ter sido perpetrados por qualquer pessoa mentalmente perturbada ou puramente cruel.

A Condessa Elizabeth Bathory pintada pelo artista holandês Anthonie Blocklandt van Montfoort nos anos 1500
A Condessa Elizabeth Bathory pintada pelo artista holandês Anthonie Blocklandt van Montfoort nos anos 1500 | Foto: Divulgação

O nome de Alice é o primeiro registro de uma pessoa acusada de bruxaria na Irlanda. As acusações contra ela, incluindo pactos demoníacos e práticas sexuais com seres sobrenaturais, carecem de evidências sólidas. Sua posição social elevada e riqueza crescente certamente contribuíram para o desconforto e desconfiança da sociedade da época.

A prosperidade associada a Alice desafiava as normas patriarcais que prevaleciam na Idade Média, onde se esperava que as mulheres ocupassem papéis mais tradicionais e submissos. Portanto, sua associação com a bruxaria pode ser entendida como uma tentativa de justificar a desconfiança em relação a ela.

Ilustração do rosto de Alice Kyteler, artista desconhecido
Ilustração do rosto de Alice Kyteler, artista desconhecido | Foto: Divulgação

Mulheres que desafiavam as expectativas eram frequentemente vistas como ameaças à ordem estabelecida, e rotulá-las como tendo ligação com o sobrenatural oferecia uma narrativa que legitimava o medo e a desaprovação social.

Ao vinculá-las com a bruxaria e o vampirismo, por exemplo, a sociedade buscava desacreditar suas motivações, obscurecendo as razões reais por trás de suas ações.

Essas associações também serviam como uma ferramenta conveniente para explicar suas prosperidades e status sociais de Alice e Elizabeth de uma maneira que se alinhasse aos preconceitos da época.

Apesar de assassinas em série, as personagens ainda são seres humanos

Ao longo do livro, é evidente a dedicação de Tori Telfer para retratar as personagens como seres humanos, cada uma com sua história de vida e caminhos que podem tê-las levado ao seu infame fim. A autora destaca nuances psicológicas, sociais e históricas que moldaram suas vidas, indo além das simplificações da mídia e julgamentos públicos.

Tori Telfer, autora de "Lady Killers"
Tori Telfer, autora de “Lady Killers” | Foto: Darkside Books / Divulgação

Telfer explora motivações individuais, contextos sociais, desafios pessoais e circunstâncias que levaram essas mulheres a cometerem assassinatos brutais. Isso permite que a leitora compreenda a complexidade por trás de cada história, desafiando a ideia de que as mulheres são movidas apenas por características estigmatizadas.

Apesar de humanizar essas mulheres, o objetivo da obra não é inocentá-las. Na verdade, seus crimes são bem descritos e reafirmados ao longo de cada narrativa.

A real intenção de Tori é retratar essas mulheres como capazes de tudo o que a classe masculina sempre fez, inclusive matar outros seres humanos a sangue frio por motivos fúteis. Afinal, quem é Ted Bundy perto de Tillie Klimek?

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Uma jornalista apaixonada por música, literatura e cinema. Seus maiores hobbies incluem criar playlists para personagens fictícios e falar sobre Taylor Swift nas redes sociais.
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