2019 foi um ano de diversas leituras inesquecíveis. Entre livros e quadrinhos, passamos pelos mais variados gêneros, com histórias que nos fizeram companhia e nos marcaram ao longo deste ano. Aqui listamos as melhores leituras de 2019. Confira!
Por Samantha Brasil
Meu ano de descanso e relaxamento – Ottessa Moshfegh
“Meu ano de descanso e relaxamento“, escrito pela norte-americana Ottessa Moshfegh, com tradução de Juliana Cunha, é um daqueles livros que ao mesmo tempo é instigante, incômodo, duro e divertido. Com toques de ironia, sarcasmo e autodepreciação somos apresentados à protagonista (sem nome) que decide passar o ano dormindo.
Quem nunca desejou alijar-se por um longo período para que os problemas sumissem, a dor passasse ou para simplesmente não ter que enfrentar a vida de frente? Esses e outros temas vão ser abordados pela autora nessa trama que se passa no começo dos anos 2000 em Nova York. A protagonista procura uma psiquiatra aleatoriamente na lista telefônica, pois sua função será única e exclusivamente fornecer remédios para que seu plano dê certo: manter-se dormindo o máximo que puder.
Nessa jornada, somos apresentados a Reva, sua melhor amiga, que é tratada de forma totalmente desprezível pela personagem principal. Um dos grandes trunfos da obra vem justamente da relação das duas e dos limites de empatia com personagens odiosos. Amamos odiar a protagonista do livro e isso, por si só, é um desafio enorme de leitura. Os direitos para adaptar a obra foram comprados pela produtora LuckyChap e Margot Robbie está sendo cotada para protagonizar o filme.
Por Isabelle Simões
Lady Killers – Tori Telfer
Quando o assunto são serial killers conseguimos listar com facilidade alguns dos diversos homens mais temíveis e cruéis que passaram por sociedades e épocas distintas da humanidade. Temos um material extenso na cultura, com vários filmes, séries e livros que narraram as histórias sanguinárias destes homens. Mas por que as assassinas em série não são lembradas ou mencionadas com a mesma veemência que os homens, como vemos, por exemplo, na série “Mindhunter“? Será que temos pouco interesse em conhecer a história dessas mulheres impiedosas?
Em “Lady Killer: Assassinas em Série“, a autora americana Tori Telfer apresenta trechos da vida e dos crimes praticados por algumas das assassinas mais frias da história. São mulheres que viveram em épocas distintas, com realidades sociais diferentes, mas que compartilharam a mesma sede de sangue. Entre esfaqueamentos e envenenamentos, a autora busca investigar como era a vida dessas mulheres antes de tomarem tais decisões mortais. Além disso, Telfer desconstrói arquétipos femininos, revelando como essas mulheres são vistas pela sociedade. Você nunca mais permanecerá a mesma após adentrar na mente dessas psicopatas.
Por Isabelle Simões
A Pequena Sereia e o Reino das Ilusões – Louise O’Neill
“A Pequena Sereia e o Reino das Ilusões“, obra da irlandesa Louise O’Neill, é um livro que todas as garotas adolescentes deveriam ler. Através de uma releitura feminista do clássico infanto-juvenil de Hans Christian Andersen, a autora nos apresenta a jornada da sereia Gaia, revelando o poder feminino debaixo dos mares numa sociedade patriarcal e opressora.
O livro retrata o culto à juventude e ao padrão de beleza cobrado das mulheres desde a infância, discutindo temas como abandono paterno, maternidade compulsória, amor romântico e o desgaste mental que as mulheres são submetidas em relacionamentos heteronormativos, além da cultura do estupro, entre outros assuntos. A sereia dessa releitura também sofre por amor, mas diferente da história original, ela reconhece o seu próprio valor e inicia uma jornada em busca de libertação para si e suas irmãs.
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Por Laís Fernandes
Redemoinho em Dia Quente – Jarid Arraes
Em “Redemoinho em Dia Quente“, antologia de contos de Jarid Arraes, lançada pelo selo Alfaguara, somos apresentadas às diversas mulheres que moram e vivenciam o Cariri, lugar de origem da autora. Através das ruas, pessoas, cheiros e cores, Jarid nos guia pelos corações de seus pares, as quais possuem muito dela e exalam realidade por todos os poros.
A narrativa de Jarid transita por diversos temas, como a fervorosa fé de senhorinhas e suas curiosidades pelas novidades do mundo; as dificuldades de ser mulher exercendo sua profissão em uma sociedade machista; os dilemas interiores de uma mulher bissexual e a falta de aceitação da família, entre outras pautas importantíssimas, coroada pela magnífica escrita da autora.
Além dos temas, o estilo literário da autora atinge vários patamares, chegando, inclusive, ao realismo fantástico. A escrita de Jarid envolve, comove, inflama e fica para sempre presa à nossa memória. A caligrafia da resistência de Jarid Arraes se faz nestes tempos sombrios.
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Por Laís Fernandes
Porém Bruxa – Carol Chiovatto
Na trama de “Porém Bruxa“, livro de estreia da autora brasileira Carol Chiovatto, acompanhamos a vida de Ísis Rossetti, uma bruxa encarregada de desvendar mistérios envolvendo magia no caótico centro de São Paulo.
Ísis tem como regra não interferir em crimes envolvendo os comuns, mas nada a impede de fazer justiça sempre que necessário – principalmente quando o pedido vem de uma amiga que trabalha na Delegacia da Mulher. Acontecimentos estranhos e a imagem de uma escultura em madeira de uma onça viram de cabeça para baixo a vida da protagonista. Ela terá que recorrer aos ecos fantasmagóricos de seu passado para solucionar dois mistérios muito parecidos.
A protagonista da história é uma personagem que não mede esforços para ajudar as pessoas que necessitam, nem que para isto coloque sua própria vida em risco. Ela é uma personagem que, apesar dos poderes, reflete muito de nós mulheres, em suas reflexões, anseios, desejos e ações.
A trama aborda pautas muito relevantes como intolerância religiosa, machismo e possui personagens LGBTQ+: uma grande surpresa e mais uma deliciosa obra do Fantasismo brasileiro.
Por Laís Fernandes
A Fúria – Silvina Ocampo
Silvina Ocampo foi uma das escritoras argentinas mais aclamadas de sua época e importantes para o realismo fantástico latino-americano, mesmo não tendo o mesmo conhecimento no Brasil, país no qual sua antologia de contos, “A Fúria“, chegou apenas em 2019.
Dotada de uma escrita lírica e poderosa, Silvina encanta, assombra, diverte e faz leitoras refletirem sobre a sociedade. Apesar de antiga, esta sociedade possui muitos traços do que hoje observamos por aí. Por exemplo, o medo escondido em cada esquina, a dor da separação, a mágoa, o ressentimento, o ciúme e a violência instaurada.
É interessante reparar em como a autora trabalha as personalidades de suas personagens, expandindo conflitos para acontecimentos inimagináveis. Silvina nos transporta para atmosferas tensas, nas quais a realidade e o assombro andam de mãos dadas.
Por Laís Fernandes
Este é o Mar – Mariana Enriquez
Mariana Enriquez chamou a atenção das brasileiras pela sua escrita política envolta pelos terrores diários de uma Argentina assombrada pelos fantasmas da ditadura, da desigualdade social e do machismo, no livro de contos “As Coisas que Perdemos no Fogo“, e, neste ano, pudemos conhecer uma outra faceta da escrita da autora, na novela “Este é o Mar“: as diversas mitologias mundiais deram as mãos ao cenário do rock ‘n roll, a fim de explicar todo o movimento de devoções, rituais e sacrifícios em função de ídolos que, nos dias de hoje, funcionam como os antigos deuses.
O Enxame, um grupo de divindades femininas, é encarregado de influenciar pessoas do mundo todo para que devotem seu tempo, lágrimas, amor e energia vital aos grandes astros do rock, como acontecera com Kurt Cobain e Jimmy Hendrix. No entanto, além da fama, estas criaturas precisam chegar ao nível extremo: transformá-los em Lenda em decorrência da morte. Caso alcancem este objetivo, são transformadas em Luminosas e passam a viver em uma casa à beira-mar. Lá, elas poderão desfrutar de uma vida silenciosa e tranquila, diferente da qual levam.
O livro faz uma análise da sociedade contemporânea e do quanto consome, financeira e artisticamente. Do mesmo modo, a obra traça um paralelo antropológico entre o comportamento dos fãs nas sociedades dos likes e streamings e o que era comum nas sociedades passadas e seus rituais de adoração aos deuses e entidades locais.
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Por Jessica Bandeira
Prólogo, Ato e Epílogo – Fernanda Montenegro
Este ano foi muito especial para Fernanda Montenegro, muito porque ela comemorou seus 90 anos junto ao público. “Prólogo, Ato e Epílogo” foi uma oportunidade de vê-la em um ramo que até então ela não havia adentrado: a literatura.
Em suas memórias, Fernanda realiza uma defesa apaixonada da arte no Brasil, especialmente do teatro brasileiro. Neste ano, nossa cultura foi atacada e criminalizada diversas vezes. Ao revisitar a própria história, e a da arte no Brasil do século XX, Montenegro mostra que é olhando para nosso passado que poderemos enxergar o futuro.
Por Jessica Bandeira
Herói Mutilado: Roque Santeiro e os Bastidores da censura à TV na ditadura – Laura Mattos
“Herói mutilado“, o livro de estreia de Laura Mattos, pesquisadora da USP, faz parte de uma das coleções mais importantes lançadas em 2019, Arquivos da Repressão no Brasil, coordenada pela historiadora Heloisa Starling.
Há quem se pergunte: as novelas brasileiras são relevantes enquanto arte e história para o nosso país? Com certeza! Muito mais do que melodramas, as novelas fizeram parte de muitos momentos da história.
Laura Mattos resgata um desses capítulos em especial: quando a ditadura civil-militar censurou Roque Santeiro em 1975 antes mesmo de a novela ir ao ar. Ao olharmos para os bastidores da censura à TV, nos reconectamos com nossa memória coletiva e reforçamos a importância das telenovelas. Um livro extremamente necessário no Brasil de 2019.
Por Rafaella Rodinistzky
Tina: Respeito – Fefê Torquato
Tina, personagem de Maurício de Sousa inspirada no movimento hippie, é a protagonista da 24ª publicação do selo Graphic MSP. Em “Tina – Respeito“, a jovem, recém-formada em jornalismo, busca realizar seu grande sonho profissional que é trabalhar em uma grande redação. Ao conseguir o que tanto desejava, Tina descobre que deadlines e pautas derrubadas são seus menores problemas naquele ambiente. Delegação de tarefas fora do cargo, piadas machistas e cantadas do próprio editor-chefe do jornal são algumas de suas reais preocupações.
Com roteiro e arte de Fefê Torquato, as expressões faciais desenhadas pela artista chamam a atenção, mesmo quando não há falas o rosto da protagonista. As aquarelas também estão impecáveis, fazendo com que a leitora demore mais tempo na página apreciando o trabalho de Fefê.
Em um mundo ideal, Tina ou qual outra mulher não deveria se preocupar com assédio, mas como ainda não é possível, essa graphic novel sinaliza a importância da força interior e da sororidade como instrumentos de resistência.
Por Juliana Trevisan
A Cozinha – Rainhas do Crime
Através de um compilado de oito edições da HQ produzida por Ollie Masters, Ming Doyle e Jordie Bellaire, o lançamento da Panini apresenta a história de três mulheres, esposas de criminosos, que têm seus maridos presos e decidem continuar o negócio. Ambientada na década de 1970, em Nova York, elas se envolvem com mafiosos e pessoas perigosas e conquistam espaço no crime de Hell’s Kitchen.
A HQ “A Cozinha – Rainhas do Crime” mostra como as mulheres precisam se “masculinizar” para serem respeitadas, ignorar sentimentos e acreditar que cabeças cortadas podem ser elementos normais do seu dia a dia, além de abordar como elas lidam com a mudança abrupta de modo de vida: antes donas de casa respeitadas por serem esposas de criminosos e agora respeitadas (ou nem sempre) por serem criminosas.
Por Jéssica Reinaldo
Lady Killer – Joëlle Jones
Escrito por Joëlle Jones (responsável também pela arte) e Jamie S. Rich, lançado pela editora DarkSide Books, “Lady Killer” é um quadrinho subversivo ao que podemos compreender do que seria uma dona de casa dos anos 1950. A protagonista, Josie Schuller, até seria essa típica dona de casa americana da década de 1950, não fosse o fato de que ela também é uma assassina de aluguel durante a noite. Entre cuidar da casa, dos filhos, do marido, Josie tem que cuidar de sua vida dupla, limpar as manchas de sangue de suas roupas e tomar cuidado para que ninguém descubra o que faz quando sai.
“Lady Killer” é um quadrinho divertido e que altera muitas convenções de “mulher ideal”. Josie não pode ser considerada uma mulher bela, recatada e do lar, mas, ainda sim, se esforça para ser boa mãe e boa esposa, além de boa profissional. A obra entretém e foi um excelente lançamento de 2019.
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Por Laís Fernandes
A Menina do Outro Lado – Nagabe
No mangá “A Menina do Outro Lado“, de Nagabe, somos apresentadas aos protagonistas Shiva e Sensei: a primeira, uma garotinha cheia de vida, que trilha seu destino em busca de respostas para o seu passado nebuloso e, o segundo, uma criatura amaldiçoada que vive com uma aparência animalesca e oferece riscos para os humanos habitantes do chamado “mundo de dentro”. Conta a lenda que, há milhares de anos, viviam sobre a Terra o Deus da Luz e o Deus das Trevas.
As criaturas das trevas foram banidas do reino da luz e obrigadas a vagarem pela eternidade longe das outras criaturas, as quais passaram a se isolar do mundo exterior e temerem o que não conheciam de fato. A obra fala sobre intolerância, violência institucionalizada e o medo que se tem do Outro (sendo este outro, alguém diferente de nós), fatores que tomam proporções absurdas por serem alimentadas pelo ódio, a falta de empatia e o senso de individualidade promovido pela sociedade da história. Uma fábula que resgata algo que nos assusta todos os dias e está presente em cada parte do mundo.
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Por Laís Fernandes
Minha Coisa Favorita é Monstro – Emil Ferris
No quadrinho “Minha Coisa Favorita é Mostro“, roteirizado e ilustrado por Emil Ferris, acompanhamos a história de Karen, uma garotinha de 11 anos que ama histórias de terror. Ela não se enquadra no que a maior parte da sociedade (denominada por ela de T.U.R.B.A.) espera, justamente por ter gostos peculiares e ser constante motivo de bullying na escola. Karen aceita quem é, apesar de se decepcionar a todo instante com as pessoas de fora da sua família, e, para tanto, toma para si a persona de “lobismoça”, uma vez que o lobisomem era um de seus personagens de filmes clássicos de terror favoritos.
Um dos focos da narrativa da quadrinista é o misterioso assassinato de Anka, a vizinha de Karen, e com a qual a menina se identificava e nutria um profundo carinho. Karen, então, decide investigar por conta própria o que acontecera à amiga – e, ao longo do quadrinho, tece um retrato social e político fidedigno da Chicago da década de 60.
Emil Ferris ganhou vários prêmios por “Minha Coisa Favorita é Monstro”, obra que nasceu em seu período de recuperação após contrair a Febre do Nilo Ocidental, doença que paralisou seus membros inferiores e as mãos. O minimalismo de seus desenhos, feitos com canetas esferográficas, e as pautas importantes abordadas no texto – como misoginia, questões raciais e o florescer das descobertas sexuais – tornam “Minha Coisa Favorita é Monstro” um dos melhores e mais importantes quadrinhos da época.
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Por Laís Fernandes
Francis – Loputyn
Loputyn, artista italiana, pincela uma linda fábula sobre autoconhecimento e magia no quadrinho “Francis“, publicado pela DarkSide Books. Na trama, acompanhamos Melina, uma jovem bruxinha que está às vésperas de disputar o cargo de sacerdotisa de seu coven. No entanto, Melina não se prepara o suficiente e precisa recorrer ao espírito de Francis, uma raposa que promete ajudá-la a cumprir os passos necessários para a realização da tarefa – porém tudo acontecerá com um preço a ser pago.
“Francis” fala sobre as descobertas do “eu” que, mais cedo ou mais tarde, vêm à tona, e também sobre as escolhas que fazemos em certos momentos e que podem ter consequências não apenas para nós, como também para as pessoas que nos cercam. A arte de Loputyn encanta e ajuda a contar uma história que, mesmo envolta de magia, possui os pés na realidade.