Nascida na Índia e radicada no Canadá, a poeta Rupi Kaur empreende em seu novo livro uma jornada de reencontro consigo mesma: seu corpo, suas fragilidades e sua força.
Em Meu corpo, Minha casa, Rupi mergulha em feridas profundas e faz emergir traumas, abusos, a depressão, a ansiedade a relação conturbada com seu próprio corpo.
“depois de tanto tempo separados
minha mente e meu corpo enfim
voltaram a se encontrar”.
Um mapa interior
O livro é dividido em quatro partes que se assemelham a um mapa íntimo e intimista: mente, coração, repouso e despertar. Ao transitar por cada uma delas, a poeta traz à tona dúvidas, dores e feridas e, através das palavras, as encara.
No processo, a um só tempo dolorido e cuidadoso, sua voz aprende a cantar o aprendizado que é usar as próprias vulnerabilidades como caminhos para redescobrir e amar a própria pele. Enquanto perscruta o passado ou redescobre o presente, a poeta veste suas fragilidades e compartilha o que aprendeu sobre si e o mundo.
Rupi está aprendendo de novo a se amar e a habitar seu corpo como casa. Redescobre sua própria beleza, assim como o prazer que pode experimentar no próprio corpo. Aos poucos, deixa que as partes mais escondidas dessa mulher, que surpreende morando em si, virem poesia.
A voz poética é sempre uma redescoberta, assim como o amor próprio. A autora descortina quem é, da face brilhante à oculta, e é a dualidade que lhe permite reconhecer-se como a mulher de sua própria vida.
Sua cura não é um assunto resolvido, mas sim um processo. É necessário que sempre se recomece na linha de chegada, onde ela encontra outra de si mesma, outra mais forte e pronta para empreender a próxima jornada. É uma viagem longa a um território desconhecido, mas também de onde nunca se sai.
A brevidade e a simplicidade da poesia de Rupi são os pontos mais criticados em sua escrita. Entretanto, é interessante pensar que por mais que, de fato, estejamos cada vez mais exaustas da velocidade vertiginosa de nossos dias, a brevidade de uma obra não implica má qualidade.
Sua poesia é curta, seus temas e estética semelhantes aos dos dois livros anteriores, mas há um amadurecimento importante: mais segura, e talvez em resposta às próprias dúvidas sobre sua própria arte, ela mergulha no próprio estilo e na própria voz. Rupi faz bom uso do parece frugal mas tem muito a dizer. Sua brevidade, na verdade, reforça a assertividade de sua mensagem.
A fragilidade, a depressão e os traumas a atravessaram por toda a vida, mas não por completo. Também sempre estiveram presentes a força, o amor e o cuidado das pessoas à sua volta. Seu corpo nunca a deixou, mesmo sob tantos anos de rejeição. Nele, mora sua voz, e em sua voz, milhares de outras mulheres que vieram antes dela.
Rupi descobre que amar a si própria é também rebelar-se contra o machismo e desconstruir estruturas opressivas. Afinal, amar a si também é lutar por outras mulheres, para que elas também usem a própria voz, se sintam seguras, dignas do amor, do cuidado e da valorização que merecem como seres humanos. O amor próprio não exclui a empatia e pode ajuda a curar o coletivo.
A mulher inteira
Meu corpo, minha casa é um manifesto, mas também uma declaração de amor para a Rupi que aprende, cada vez mais, a amar a própria pele, a morar na própria casa. É um livro sobre a volta para o próprio corpo, mas também sobre a valorização das que nos levantam, nos nutrem e nos acolhem. A força e a vulnerabilidade são faces complementares do que é ser humano.
A volta para o corpo não é um destino final, mas sim um movimento constante. Essas são jornadas que sempre se farão necessárias durante a vida. Rupi não nos garante que nunca mais nos perderemos, que sempre nos amaremos e estaremos do nosso próprio lado. Ela nos mostra que o convite à jornada de volta para nós mesmas sempre estará ali, a um ato amoroso de distância.
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