A Assistente: o silenciamento dos assédios em Hollywood

A Assistente: o silenciamento dos assédios em Hollywood

A Assistente (2019), dirigido e escrito por Ketty Green, disponível no Amazon Prime Video, é a soma de quase cinco anos de discussões sobre um tema sensível a Hollywood, mas que finalmente começa a ganhar luz. O filme relata como Hollywood vem propagando um sistema de silenciamento das mulheres vitimas de assédio sexual e moral.

Em 2017, as mulheres da indústria cinematográfica ganham voz através da #MeToo, que tomou as redes sociais ao denunciar casos de abuso. Entre os relatos, o nome do produtor de cinema Harvey Weinstein recebeu dezenas de acusações de crimes sexuais. Um homem influente em Hollywood e co-fundador da empresa de entretenimento Miramax, Weinstein era um predador sexual. 

Entre as acusações, mulheres relataram que o ex-produtor as obrigava a massageá-lo e vê-lo nu. Além disso, fazia inúmeras investidas para que atrizes tivessem relações sexuais com ele em troca de carreiras promissoras. Ainda em 2017, o caso foi exposto também pelo New York Times que ouviu as vítimas. Sabe-se que Weinstein abusava de mulheres desde os anos 80 e que seus colegas tinham conhecimento dos crimes. 

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Harvey Weinstein
Harvey Weinstein é sentenciado em Nova York por assédio sexual. (reprodução)

Em 2020, Weinstein foi sentenciado a 23 anos de prisão. Após ser considerado culpado de duas das cinco acusações de má conduta sexual. Ao todo mais de 80 mulheres falaram contra o criminoso, entre celebridades, assistentes e produtoras. 

É fato que a indústria cinematográfica é um âmbito majoritariamente machista que invisibiliza as mulheres e silencia qualquer debate de denúncia. Logo, a sentença de Weinstein visa dar fim a uma cultura estrutural e institucional de relações abusivas que acometem as mulheres de Hollywood. 

Contudo, o ex-produtor e criminoso é somente uma agulha em um grande palheiro. E por mais que filmes como O Escândalo (2019) busquem fazer uma espécie de denúncia (ainda que de forma abrupta) sobre outros homens do ramo de entretenimento, é o longa de Ketty Green que lança um olhar profundo sobre essa indústria do abuso.  

Invisibilização e silenciamento 

Ainda está escuro quando Jane (Julia Garder) sai de casa em direção ao seu trabalho. A assistente de uma grande produtora de cinema entra no banco de trás de um carro. Perdida em pensamentos, observa as ruas desertas enquanto pisca longamente revelando estar com sono.

O dia mal amanheceu e Jane já está no escritório preparando café, imprimindo papéis, atendendo telefonemas e fazendo anotações. A rotina no ramo de filmes nem sempre é glamorosa. Muito pelo contrário, a diretora Green faz um retrato da monotonia que um escritório pode ser, tal como, um dia de trabalho no qual as horas parecem nunca passar.  

Jane está a dois meses nesse trabalho desgastante, mas é uma grande oportunidade para ela, já que pretende ser produtora. Dessa forma, ao analisar um dia na vida de Jane dentro do escritório, Green quer que a espectadora presencie todo tipo de situação que a assistente passa. 

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Julia Garder em A Assistente.
Julia Garder tem uma atuação minimalista em A Assistente. (reprodução)

Por isso, os closes up nas reações de Jane exemplificam o sistema abusivo e silenciador, no qual a empresa vive. Dessa maneira, o assediador se faz presente através de telefonemas explosivos, e-mails por hora agressivos, por hora elogiosos e comentários debochados de colegas sobre seus atos. 

De fato, a diretora Green nunca mostra o rosto do chefe abusador, apenas sua voz e presença ecoam pelo escritório. Nesse sentido, também não há nenhuma explicitação de violência sexual, sendo o grande feito de A Assistente a concepção dos detalhes. São as evidências do chefe e o comportamento errôneo da empresa em achar tudo “normal” que colocam Jane de cara com a verdade.   

Somado a isso, a aparição de mulheres jovens aspirantes a atrizes, para um encontro particular com o chefe acionam em Jane um senso de perigo pelas moças. Logo, cansada de ser uma observadora e consciente do sistema abusivo do escritório, decide denunciar o chefe no RH da empresa. A ação não leva a nada, Jane é desacreditada pelo funcionário que chega a sugerir que ela estava com ciúmes e termina a conversa dizendo que ela “não faz o tipo” do chefe. 

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A Assistente (crítica)
Hollywood silencia mulheres em A Assistente. (reprodução)

Desse modo, Green quer que a espectadora se sinta como a própria Jane: exaurida e invisibilizada. A indústria tenta engolir toda moral e ética de Jane querendo deixá-la apática ao sistema que se perpetua. Logo, a paleta de cores cinza atrelado aos espaços pequenos que Jane precisa percorrer no escritório denota como o ambiente é sufocante e desconfortável.  Nesse sentido, se a voz de Jane não é ouvida, sobra para o seu olhar atônito passar uma mensagem de preocupação aos seus colegas.

No entanto, a direção de Green mostra que Jane não é “ninguém” para confrontar o sistema. Quando com outras pessoas, o enquadramento faz questão de colocá-la nos cantos, como se fosse invisível e por vezes a câmera superior tende a diminuir Jane, sua fala não é importante. Logo, Jane é sempre confortada a se conformar com a situação. 

Nem só Hollywood 

Em A Assistente não existe espaço para o empoderamento feminino. É a mais pura representação da sujeição que está presente em todos os ramos. Logo, é correto afirmar que existem outras inúmeras “Janes” que se silenciam por suas carreiras ou que são silenciadas pelo sistema.

Dessa maneira, a diretora do longa, Ketty Green, traz uma visão não otimista a partir de fatos que pautaram o real, já que o caso Weinstein foi amplamente divulgado, causando uma grande comoção. É como se Hollywood se auto referenciasse ao falar nos filmes de um tema que assombra até os mais poderosos.  

Nessa perspectiva, Green é cirúrgica ao empregar um senso de conformismo em seu filme para causar no público o contrário. De maneira sutil, a diretora explica alguns exemplos do que acontece em ambientes abusivos sem nunca ser expositiva, deixando para o público a revolta (que nunca acontece) de Jane. 

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Sendo assim, é importante ressaltar que a narrativa de A Assistente vem de uma fala real que é cada dia mais vista até mesmo no Brasil. Basta lembrar do recente caso, no qual o comediante global Marcius Melhem foi acusado de assédio sexual pela comediante Dani Calabresa.

As primeiras denúncias ocorreram em 2019. Porém alguns relatos são de 2017, no qual Calabresa relata que Melhem forçou contato físico com ela. Ao todo existem três vítimas de assédio sexual, sete de assédio moral; e três vítimas dos tipos. Segundo a Globo, o acusado não faz mais parte da empresa e a emissora não tolera comportamentos abusivos em suas equipes.

O caso segue em análise, mas já apresenta uma dimensão do sistema de silenciamento e abusos a que o entretenimento brasileiro também está sujeito. Além disso, tanto Hollywood como a Globo são cúmplices dos assediadores que tentam se esconder por trás do poder. Logo, até quando uma mulher precisará sobreviver ao seu ambiente de trabalho?   


Edição e revisão por Isabelle Simões.

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Jornalista em formação apaixonada pela sétima arte. Representatividade e movimentos sociais através do cinema é fundamental. Apreciadora de livros, animes e joguinhos de ps4 nas horas vagas. The final girl.
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