A atriz Cassandra Peterson é conhecida mundialmente por interpretar Elvira, o ícone do Halloween e do cinema de horror, também conhecida como a Rainha das Trevas. Com seu visual icônico, composto por um vestido preto longo, maquiagem trevosa e um penteado que lembra uma colmeia, a personagem ganhou destaque por sua inteligência divertida, humor afiado e timing perfeito para piadas, tornando-se um fenômeno cultural.
Cassandra desenvolveu a personagem em 1981, quando foi escolhida para apresentar uma série no KHJ-TV, canal local de Los Angeles. Com a ajuda do maquiador Robert Redding, criou-se o famoso look. O programa, chamado Elvira’s Movie Macabre, apresentava filmes B de horror, interrompidos ocasionalmente por piadas ou comentários.
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Cassandra Peterson nasceu em Manhattan, Kansas, que, conforme relata em sua autobiografia Yours Cruelly, Elvira, é conhecida como “a cidade que sempre dorme”. Ela cresceu em um ambiente desafiador, com um pai amável, uma mãe com atitudes abusivas e familiares difíceis.
Dessa forma, deixou sua casa cedo, aos 17 anos, tornando-se dançarina em Las Vegas. Aos 21, aventurou-se na Itália, figurando no filme Roma (1972) de Federico Fellini e, em seguida, integrou uma banda de bossa nova.
Ao retornar aos EUA, estabeleceu-se em Los Angeles, dedicando-se ao estudo de atuação. Entre testes de elenco, Cassandra enfrentou assédios, incluindo agressões sexuais. Sua autobiografia revela a sinceridade sobre a falta de recursos e o temor ao buscar oportunidades em uma indústria predominantemente masculina.
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Aos 29 anos, um agente disse que ela já havia passado da idade, destacando a triste realidade de como a indústria descarta mulheres à medida que envelhecem. Isso persiste, exemplificado por casos como Anne Hathaway e Maggie Gyllenhaal, que perderam papéis ao atingirem os 30 anos.
Aos 30 anos, Cassandra fez o teste que a transformaria em Elvira. A chamada era para uma personagem sexy e engraçada, à la Morticia Addams. Ignorando o roteiro, ela improvisou, conquistando os produtores e garantindo a vaga.
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Elvira: A Rainha das Trevas nos cinemas
Massacrado pela crítica no lançamento, o filme Elvira: A Rainha das Trevas (1988), de James Signorelli, hoje é um cult. No Brasil, é um clássico da Sessão da Tarde, conhecido pelas gerações dos anos 1990 e 2000. Cassandra Peterson estrela e coescreve o filme, considerando-o uma de suas conquistas de maior orgulho.
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Mas apesar de tudo, Elvira permanece confiante consigo mesma e nas suas escolhas. Ela é sexy e faz questão de não esconder isso. A personagem tem total consciência da imagem que representa e não se desculpa por conta disso.
Numa cena, adolescentes tentam espiar Elvira pela janela, com a intenção de vê-la sem roupa. Vestida com roupão confortável e máscara facial, ela os flagra, frustrando suas expectativas.
Além disso, ela brinca com o espectador, que espera uma cena mais reveladora: numa passagem do filme, a protagonista aparenta dormir sobre lençóis de seda, com cabelos perfeitamente arrumados e uma camisola preta sexy. No entanto, revela-se como parte de um sonho, onde Elvira está dormindo com uma camiseta velha e papel no cabelo para proteger o penteado.
Ela, assim como qualquer mulher, deveria poder usar o que bem entender sem inibições, sem ser alvo de espiadas ou assédio. O problema reside nas más intenções alheias, não nas escolhas de vestimenta das mulheres.
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O filme como obra feminista
A recusa de Elvira diante do assédio é um tema constante no filme. No início, o novo dono da emissora sugere que ela deve se envolver com ele para manter o emprego, mas ela rejeita a proposta sem medo.
Em uma cena de boliche, ela enfrenta homens inconvenientes que a julgam pela aparência. Ao mostrar a casa a um corretor, ele tenta agarrá-la à força, mas Elvira o expulsa batendo nele, e afirma que a venda da casa não significa que ela esteja disponível.
Enfrentando assédio em uma cidade conservadora, Elvira responde com coragem, humor, sarcasmo e independência. Em todas essas situações, a protagonista não demonstra medo ou conformidade diante dos assediadores.
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Ao envolver-se com Bob (Daniel Greene), dono do cinema local, Elvira mostra interesse no rapaz bonito e de bom coração. A relação deles inverte estereótipos, com Bob sendo o ingênuo transformado por uma mulher que traz novas perspectivas e liberta-o de uma vida monótona e sem graça.
O filme desafia o clichê da jovem excêntrica em uma cidade pequena. Elvira não busca se encaixar; ela vive tranquila, priorizando sua própria felicidade sobre normas sociais que não a agradam. Ela dá mais valor a si do que ao julgamento alheio.
O filme em si, não é uma obra perfeita. A direção é bem convencional e alguns ângulos e enquadramentos não têm a melhor orientação. A iluminação em alguns momentos lembra a dos filmes B que Elvira apresentava em seu programa. Seria uma inspiração? Mas apesar disso, é uma obra autêntica, genuína e divertida, em diversos pontos, em especial por conta de sua protagonista.
Elvira como protagonista subversiva
Cassandra é lindíssima, mas o que mantém a atenção do público em Elvira ao longo dos mais de quarenta anos de existência da personagem vai além da aparência. A relevância reside no fato de que Elvira é quem deseja ser e toma decisões independentes.
Com trajes sedutores, maquiagem destacada, decote e comportamento considerado promíscuo, ela é a protagonista. Em muitos filmes de terror dos anos 1980, Elvira poderia ser objetificada e brutalmente assassinada, dada a moral da época que favorecia protagonistas com o estigma virginal. Nessa era conservadora do governo Reagan, as mulheres eram incentivadas a serem submissas e dóceis.
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E por conta de tudo isso, Elvira é considerada um ícone feminista, defendendo que, independentemente de sua postura, seu corpo merece respeito. Sua influência feminista é evidente, destacando a importância da igualdade de gênero e repreendendo qualquer forma de discriminação.
A personalidade da personagem transcendeu o cinema, marcando presença em shows em Las Vegas e participações em programas de TV. Representando mulheres livres e independentes, lutando contra o preconceito, ela conquista sucesso entre o público feminino, que não necessariamente curte o cinema de horror, e se torna um ícone na comunidade LGBTQIA+.
Durante cerca de 19 anos, Cassandra manteve em segredo seu relacionamento com uma mulher devido ao medo da reação dos fãs e à pressão ligada à marca “Elvira”. Ela apresentava sua companheira apenas como assistente pessoal.
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Apesar de Elvira: A Rainha das Trevas se enquadrar em estereótipos de uma mulher monstruosa (como bruxa) dentro de estigmas patriarcais, ela destaca-se como uma protagonista feminina pouco comum no cinema de horror dos anos 1980.