Não é de hoje que roteiristas preguiçosos utilizam o estupro como forma de desenvolvimento de roteiro. Se olharmos para a nossa literatura, produções de filmes e séries, conseguimos pensar em diversos casos em que a violência contra a mulher é utilizada para dar alguma motivação à ela ou pior, desenvolver um personagem masculino.
Raras são às vezes que este tipo de situação é utilizada como forma de denúncia, crítica ou para evidenciar de qualquer maneira o quão errada e problemática é a cultura do estupro, e estas cenas (mal) escritas, acabam somando-se à própria cultura defasada.
Durante os 16 dias de ativismo na luta contra a violência à mulher, os blogs envoltos pelo #feminismonerd se propuseram a discutir as problemáticas em torno da representação de mulheres como uma matriz que reitera os discursos de violência e ódio, quanto veículos que visibilizam a discussão. Sabemos que apenas a exposição e discussões possibilitam o combate direto, a resolução e identificação do problema. Como reitera a escritora e teórica feminista Audre Lorde : “é preciso transformar o silêncio em linguagem e ação.”

Nós sabemos o quão poderosa pode ser uma obra de ficção. Não porque as pessoas vão assistir e sair reproduzindo pura e simplesmente, mas porque conseguimos levantar pontos de debate ou naturalizar problemas que, muitas vezes, não deveriam ser vistos como normais.
A atriz e diretora Jodie Foster, disse em um debate “Mulheres no Cinema” que:
“Uma das coisas que mais me irritava como atriz era ver que, quando os roteiristas homens buscavam uma motivação para a mulher, eles a estupravam.”
Os estupros são usados como motivação, redenção, justificativa ou castigo, como em “Verdades Secretas”, quando a personagem da Grazi Massafera foi estuprada porque fez coisa errada (que feio!).
Apesar de Game of Thrones ser uma série incrível, os roteiristas são mestres em utilizar o estupro (e o corpo da mulher) da pior forma possível e como objeto de decoração da cena (vide cena na casa do Craster, onde várias mulheres sem nome foram estupradas ao fundo sem acrescentar em nada na história).

Há formas de retratar o estupro sem ignorar que é um problema ou naturalizar a questão e, principalmente, sem objetificar a mulher. Importante lembrar que não existe sexo com consentimento e sem consentimento. Se não houve consentimento: é estupro.
Como adoramos testes que avaliam roteiro e representatividade, e para complementar a discussão, explicaremos o Teste Jada.
Em uma análise levantada pela Vulture, a autora Jada Yuan adaptou o Teste de Bechdel para analisar a forma que estão retratando os estupros na ficção. Assim como nos casos anteriores, para passar no Teste a obra tem que passar por três critérios:
- O estupro ocorre pelo ponto de vista da vítima?
- A cena de estupro possui o propósito de desenvolvimento da personagem da vítima em vez da trama da narrativa?
- O abalo emocional da vítima é desenvolvido depois?
E como bem disse a Ana Recalde de Collant Sem Decote, seria interessante pensar se “o corpo nu da vítima é mostrado durante a cena como objetivo de sexualização?”.
Além destas questões já citadas, temos o problema de percepção. Alguns diretores sequer entenderam que a cena desenvolvida foi de estupro, porque eles eram casados, ou a mulher apenas disse que não, mas não lutou. Vamos repetir um mantra “Não é não” e parar de arrumar desculpas para roteiros preguiçosos? Vamos!
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