El Ministerio del Tiempo: a história como entretenimento e memória

El Ministerio del Tiempo: a história como entretenimento e memória

A Espanha está vivendo um período de ouro nas produções televisivas. Depois de Merlín, La Casa de Papel e de Las Chicas del Cable, a Netflix disponibiliza em seu catálogo as 3 temporadas da série El Ministerio del Tiempo, produzida pela RTVE e disponibilizada internacionalmente pela Netflix.

Criada pelos irmãos Pablo e Javier Olivares, El Ministerio del Tiempo acompanha as aventuras de um grupo de agentes especiais de um ministério do estado espanhol, que tem como função salvaguardar e preservar a história da Espanha através do tempo. A série mistura história, drama, comédia, ficção científica e a luta feminina por direitos igualitários. Os episódios são organizados em forma de caso do dia (começo, meio e fim). Com a duração de 70 minutos, a série possui um bom ritmo, o que ajuda uma possível maratona.

A organização que da título a série é formada por agentes de diferentes períodos, com destaque para os três protagonistas: Alonso de Entreríos, um cavaleiro da Coroa Espanhola, de 1569; Amelia Folch, uma jovem universitária, de 1880; Julián, um socorrista, de 2015, que na segunda temporada é substituto por um outro personagem chamado Pacito.

Além dos protagonistas temos o diretor chefe da organização, Salvador Martí, que tem como braço direito a agente Irene, uma mulher forte, nascida na década de 1930, que fugiu de uma vida infeliz e opressiva; o seu assistente Ernesto, um homem introspectivo que viveu os tempos da Inquisição Espanhola; e por último e não menos importante temos Angustias, uma simpática secretária no começo do século XX, e Diego Velázquez, que foi um importante pintor espanhol do século XVII.

El Ministerio del Tiempo

Uma das melhores coisas de El Ministerio del Tiempo é que a série não se leva a sério. Em cada episódio, podemos enumerar as incoerências científicas e históricas presentes na produção. A forma que os agentes viajam no tempo não faz nenhum sentido e os roteiristas em nenhum momento quiseram justificar e construir uma lógica científica para isso. A produção espanhola possui uma estrutura parecida com outras produções famosas de ficção científicas, como Doctor Who e Life on Mars, com a diferença de que as mulheres possuem um grande destaque em El Ministerio del Tiempo.

Outra coisa que chama atenção em El Ministério Del Tiempo são suas constantes referências irônicas a outros filmes, como O Exterminador do Futuro, De Volta para o Futuro, O Túnel do Tempo, Serpico, etc, que serve como escada para ironizar hábitos, costumes e a atual situação econômica da Espanha. Em vários diálogos, os personagens ironizam o jeitinho espanhol de fazer as coisas.

A parte técnica melhora a cada temporada. É visível o aumento do investimento financeiro da primeira temporada para terceira. Os cenários e figurinos são um destaque à parte. No quesito atuação não existe nada para reclamar, todos os atores e atrizes estão muito bem em seus papéis, com destaque para atriz Aura Garrido, que interpreta a jovem agente Amelia Folch. O crescimento e o amadurecimento da personagem fica bem demarcado nas temporadas.

As luta das mulheres através do tempo

El Ministerio del Tiempo

El Ministerio del Tiempo é uma série diferente, não só por seu enrendo criativo, mas também pela forma como os roteiristas trabalham a história da Espanha e a evolução dos direitos sociais das mulheres. Durantes todas as temporadas, através dos personagens da Amelia e Irene, somos levadas a entender as dificuldades que uma mulher sofre quando ocupa um cargo de liderança. No caso de Irene, além de ser uma mulher no cargo de liderança, é uma mulher lésbica que fugiu de seu tempo e de uma vida infeliz. Antes de aceitar trabalhar no ministério, Irene estava ao ponto de cometer suicídio para fugir do seu casamento e de seu pai autoritário.

Amelia representa bem uma geração de mulheres que foram pioneiras, como umas das primeiras mulheres que ousou a fazer uma universidade. Já no primeiro episódio, da primeira temporada, somos apresentadas a toda dificuldade que Amelia vive para estudar e ter suas capacidades intelectuais reconhecidas por seus colegas e professores, e pela imposição dos pais, que querem lhe arranjar um casamento a todo custo.

Em um dos últimos episódios da segunda temporada, conhecemos rapidamente a história das Las Sinsombrero, um dos grupos de pioneiras do movimento feminista espanhol, do começo do século XX. Esquecidas pela história, o grupo era composto por artistas e pensadoras da geração de 27, e tinha como membros personalidades como Maruja Mallo e Margarita Manso, além do apoio de figuras como Salvador Dalí e Federico García Lorca.

A série retrata o contexto histórico de Las Sinsombrero e demonstra muito bem como funciona o processo de apagamento histórico que as grandes mulheres sofreram na história – aquela que destaca majoritariamente as grandes conquistas realizadas por homens.

El Ministerio del Tiempo

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Mesmo que de maneira não intencional e com licença poética, El Ministerio del Tiempo é uma teleaula sobre a história da Espanha e da Europa. A série conseguiu reunir personagens como Cristóvão Colombo, Adolf Hitler, Velázquez, Federico García Lorca, sem cair numa caricatura humorística.

Para quem tiver curiosidade, existe uma versão portuguesa chamada “Ministério do Tempo”, com apenas uma temporada, de 21 episódios. A produção tem o mesmo argumento da versão espanhola, com diferença que os agentes viajam no tempo com o objetivo de impedir que a história de Portugal seja alterada.

Segundo alguns sites espanhóis, uma quarta temporada da série é improvável. Atualmente, a produção está envolta num escândalo de não pagamento dos salários dos seus atores, além disso desde a segunda temporada, a série sofre devido a saída dos seus protagonistas, e a terceira só foi produzida devido a um acordo firmado entre RTVE e Netflix.

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Graduada em Ciências Sociais. Cineasta amadora. Viciada em livros, séries e K-dramas. Mediadora do Leia Mulheres de Niterói (RJ).
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