[CINEMA] Bergman – 100 anos: As muitas faces do mestre num trabalho de pesquisa primoroso (crítica)

[CINEMA] Bergman – 100 anos: As muitas faces do mestre num trabalho de pesquisa primoroso (crítica)

Neste mês de julho, os cinéfilos comemoram o centenário de Ingmar Bergman, um dos cineastas mais celebrados da história da sétima arte, diretor de um sem número de obras-primas, como Persona (1966) e Gritos e sussurros (1972). Aproveitando a ocasião, a diretora Jane Magnusson lança Bergman – 100 anosEm realidade, o título brasileiro busca capitalizar sobre a data, enquanto o original Bergman: A Year in a Life [Um ano numa vida] verdadeiramente dá conta das intenções da realizadora, que constrói uma pequena cinebiografia do cineasta tomando como recorte privilegiado o ano de 1957, unidade de tempo que ela destrincha de uma perspectiva ao mesmo tempo fabular e extremamente bem documentada.

1957 é de fato um ano-chave na vida de Ingmar. Em apenas doze meses, ele lançou duas de suas obras-primas (O sétimo selo e Morangos silvestres), rodou dois outros filmes (um para a televisão, outro que estrearia no ano seguinte) e idealizou quatro projetos para o teatro, sendo um deles uma ambiciosíssima montagem de “Peer Gynt”, de Ibsen, que agitou o cenário cultural sueco e cuja encenação durava cerca de quatro horas. Pois o mistério dessa imensa produtividade é o foco do documentário de Magnusson, que usa 1957 como lastro e se permite saltar e retroceder livremente no tempo a partir dessa pedra fundamental.

Bergman

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A montagem precisa, que faz com que essas costuras difíceis pareçam perfeitamente naturais, é um dos grandes trunfos do longa. Outro é a profunda pesquisa da diretora, que traz um material de arquivo de valor absolutamente inestimável, com bastantes imagens raras. Tal mergulho sobre o universo bergmaniano já havia até mesmo rendido um outro longa, o também excelente Trespassing Bergman (2013), que mostra um grande número de cineastas que viajam para conhecer os aposentos do mestre sueco na ilha de Fårö ou prestam depoimentos sobre a influência dele em suas cinematografias.

Em Bergman – 100 anos, a diretora explora as contradições da vida do diretor, seu confuso histórico familiar (e seus desentendimentos com o irmão mais velho) e sua personalidade bastante ambígua: em certos momentos, ele veste a máscara do galhofeiro do set, do gênio generoso que partilha seu espaço de criação, em outros manipula atores, assedia moralmente membros da equipe e irrompe em surtos de fúria.

Bergman - 100 Anos

Além disso, seus problemas de saúde e muitas neuroses também são abordados, em especial sua assumida negligência com relação à família – Bergman trai descaradamente suas mulheres e nem sequer acerta o número de filhos que tem, que dirá as idades e datas de nascimento da prole. Outra curiosidade são seus extensos problemas de saúde e hábitos alimentares pouco ortodoxos, que relevam sua personalidade estressável e o peso de uma autoexigência desenfreada. É interessante que esse perfil demasiadamente humano, e nada heroico ou santificável, seja traçado por uma realizadora mulher.

Todas essas facetas de Bergman são alinhavadas por uma série de entrevistas com conhecidos, familiares, atores e outros colaboradores (muitas das quais bastante dignas de nota por se tratar de pessoas até então pouco ouvidas, outras um tanto deslocadas, como as longas intervenções de Barbra Streisand). A narração da própria autora, que flerta com a ironia e destaca as ambivalências, em vez de tentar resolvê-las, torna o resultado ainda mais orgânico e fascinante.

Bergman – 100 anos estreia 19 de julho nos cinemas. Confira o trailer:

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Formada em Cinema, doutora em Literatura Comparada, faz parte do coletivo de mulheres críticas de cinema Elviras e é uma das apresentadoras do vlog A Lente Escarlate. Em 2015, lançou Olhar o mar: Woody Allen e Philip Roth - a exigência da morte (editora Verve).
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