“Feministas: O Que Elas Estavam Pensando?” é um abraço necessário em momentos de desesperança

“Feministas: O Que Elas Estavam Pensando?” é um abraço necessário em momentos de desesperança

O novo documentário da Netflix, Feministas: O Que Elas Estavam Pensando?, dirigido por Johanna Demetrakas, dá voz para as mulheres retratadas pela fotógrafa Cynthia MacAdams no livro “Emergence”, publicado em 1979, que mais tarde se transformou em uma exposição chamada Feminist Portraits 1974 – 1977, na Galeria Steven Kasher, em Nova York.

O documentário dialoga diretamente com outro documentário, também disponível na Netflix, She’s Beautiful When She’s Angry, o qual aborda a segunda onda feminista onde as mulheres americanas foram às ruas durante os anos 60 e 70 lutar por direitos reprodutivos, visibilidade lésbica, salários e oportunidades iguais no trabalho.

Com o ambiente fértil para uma nova atitude, as mulheres engajadas dessa época se transformaram ao expressar suas pluralidades de forma ativa e criativa. Foi nessas novas mulheres que MacAdams se interessou em fotografar, percebeu que nelas havia algo diferente, e assim fez o registro no momento em que elas se sentiam livres para ser quem eram. O resultado são fotos icônicas e inspiradoras.

Em Feministas: O Que Elas Estavam Pensando? mulheres como Jane Fonda e Lily Tomlin (que juntas estrelam a maravilhosa série Grace & Frankie), a artista plástica Judy Chicago, a cantora Michelle Phillips (que integrou o The Mamas & The Papas), a artista e compositora Laurie Anderson e a ativista Margaret Prescod contam o que pensavam na época em que as manifestações das mulheres eram bastante expressivas.

Elas revelam também quais foram os momentos de epifania que as fizeram se identificar com o movimento feminista. Para Lily Tomlin, por exemplo, foi quando ouviu que não era necessário ser talentosa quando já se era bonita; já o da escritora Phyllis Chesler foi quando lhe disseram que deveria escolher entre o trabalho e os filhos. Mas afinal, o que é que elas pensavam sobre tudo isso? Spoiler: o mesmo que nós pensamos hoje.

Elas perceberam que desde criança existiam diferenças entre mulheres e homens que eram injustas e que favoreciam mais a eles, do que a elas. As mulheres da segunda onda feminista vinham sentindo uma grande pressão para estarem sempre atraentes, serem delicadas e sorrindo o tempo todo. Além do grande esforço da mídia da época, em mostrar uma dona de casa de forma romantizada, Jane Fonda, que nasceu nos anos 30, conta que desde pequena ouvia insistentemente que meninas deviam ser educadas e comportar bem. Nós, que nascemos nos anos 80, 90, sabemos exatamente do que ela está falando.

Isso nos mostra que o desafio da mudança se mantém e que podemos nos inspirar bastante nestas mulheres, que desde os anos 70 demonstraram que juntas é possível se posicionar ativamente e das mais variadas formas, seja através da música, da performance, da atuação política ou das artes visuais. Um exemplo é o da artista plástica Judy Chicago, que criou junto com a artista Miriam Schapiro, o primeiro programa de arte feminista dos Estados Unidos, para dar a outras mulheres a oportunidade de serem artistas sem se desconectarem dos impulsos femininos, ajudando umas às outras a encontrarem sua própria identidade em um ambiente que não fossem julgadas e menosprezadas por se expressarem da forma que se expressam.

Devemos aprender com essas mulheres que vieram antes de nós. Elas nos ensinam a reconhecer nossos privilégios e usá-los para dar espaço para outras realidades, a lutar não só por nós mesmas, mas também pela vida de outras mulheres com necessidades diferentes das nossas. A ativista e feminista negra Margaret Prescod, lembra que nos anos 70 enfrentava barreiras dentro do próprio movimento feminista, e reforça que na luta pela igualdade é fundamental que as mulheres negras tenham voz sem precisar abrir mão das suas pautas pelo bem da maioria. Vale lembrar que Angela Davis já nos alerta a tempos de que não basta não ser racista, é preciso ser antirracista.

O que as mulheres americanas pensavam nos anos 70, se assemelha com o que pensamos hoje: que para termos um mundo com mais igualdade é preciso se unir e encarar o problema de frente. As mulheres daquela época, retratadas em Feministas: O Que Elas Estavam Pensando?, nos fazem refletir sobre as mulheres brasileiras de hoje. As pautas pelo direito ao aborto, contra o assédio e o estupro, pela representatividade na política e no mercado de trabalho, pela equiparidade salarial, cotas raciais e visibilidade LGBT+, estão em discussão desde aqueles tempos, e de uns anos pra cá vêm ganhando bastante visibilidade no Brasil.

Feministas
Judy Chicago em “Feministas: O Que Elas Estavam Pensando?” (Imagem: Netflix / reprodução)
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Quando olhamos para o nosso país, percebemos a relevância cada vez maior do movimento feminista, embora ainda seja visto com maus olhos por alguns. A palavra “feminismo” entrando no ouvido de quem desconhece a sua importância, vira palavrão, ameaça, tem conotação pejorativa e preferem manter distância. Porém, após o maior ato de mobilização feito por mulheres no Brasil, o #EleNão, é a prova de que somos mobilizadas e relevantes, e de que a decisão de ir às ruas com outras mulheres para lutar contra a reprodução de discursos intolerantes e ser a resistência em um país que quer controlar a vida e os corpos das minorias, é um caminho sem volta.

Quando o feminismo entra na pauta dos homens é comum percebermos, principalmente dentro do campo progressista, homens que se dizem feministas sendo aplaudidos por outros homens que se dizem feministas. Eles usam bottons, camisetas e bonés apoiando o movimento (alguém aí viu a quinta temporada de BoJack Horseman?), mas não é raro vê-los fazendo mansplaining ou defendendo, na mesa do bar, a liberdade sexual e a independência das mulheres, enquanto em casa sobrecarregam as esposas, as mães ou as irmãs.

O feminismo é uma luta das mulheres porque sabemos que depende de nós defendermos as nossas pautas e questionarmos o papel imposto às mulheres em uma sociedade patriarcal. Como disse no Facebook a candidata à vice-presidência do Brasil, Manuela D’ÁvilaNão me perguntem por que levo Laura. Perguntem quem cria os filhos dos candidatos de vocês, beleza?”.

A gente que está na luta muitas vezes se vê cansada, com a impressão de que não está tendo resultados significativos, mas quando olhamos com atenção, percebemos que nós mesmas já nos transformamos e somos inspiração para tantas outras meninas que estão descobrindo que há espaço para elas; percebemos que um caminho de conquistas tem sido trilhado desde as gerações anteriores e é importante reverenciarmos essas mulheres que vieram antes de nós, seja nos Estados Unidos ou no Brasil, e agradecer pelas portas que deixaram abertas para que nós pudéssemos continuar lutando por mais portas abertas para as próximas gerações.

Nos anos 70, Cynthia MacAdams retratou mulheres importantes como Patti Smith, Gloria Steinem, Kate Millett, Judy Chicago, Jane Fonda, Lily Tomlin e tantas outras mulheres que continuam sendo relevantes hoje em dia. No Brasil, mulheres como Leila Diniz, Ana Cristina César, Elza Soares, Rita Lee e tantas outras que resistiram e continuaram lutando mesmo durante a ditadura militar, são exemplos que também nos inspiram até hoje. Em um momento como o que vivemos, de forte ascensão do feminismo, temos ainda outras tantas brasileiras relevantes a celebrarmos, como Marielle Franco, Djamila Ribeiro, Clara Averbuck, Nátaly Neri e Sabrina Fernandes.

O documentário Feministas: O Que Elas Estavam Pensando? é um abraço necessário em momentos de desesperança. É um lembrete para não deixarmos a peteca cair, porque ainda há muita luta pela frente. Mesmo que de formas e em contextos diferentes, elas passaram pelo o que nós estamos passando atualmente, e é renovador ouvirmos essas mulheres, que já estão na faixa dos 70, 80 anos, nos dizerem o que pensam hoje: que já notam a nossa geração diferente da delas e que estão muito orgulhosas da transformação que fizeram e da que estamos fazendo agora. E assim seguimos.

Autora convidada: Lígia Maciel Ferraz é taurina com lua em peixes, ama animais descabelados e pessoas esquisitas. Ao longo dos anos, entre tantas variáveis, a escrita sempre se manteve constante.

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