Compra-me Um Revólver: a ternura em meio à barbárie

Compra-me Um Revólver: a ternura em meio à barbárie

Compra-me Um Revólver”, novo filme do diretor Julio Hernández Cordón, traz o olhar de uma criança inocente em meio ao caos e violência causados pela barbárie adulta. Em um México distópico, dominado por narcotraficantes, as mulheres estão desaparecendo rapidamente. Isso faz com que um homem, que teve sua mulher e sua filha mais velha raptadas pelos bandidos, disfarce a filha mais nova de menino e a chame de Huck. Ele é músico, mas trabalha na manutenção de um abandonado estádio de baseball para que o chefe do tráfico possa jogar com seus comparsas quando quiser.

A primeira parte de “Compra-me Um Revólver” foca mais no pai e seu esforço para esconder a filha, relegando pouco espaço à pequena, que teoricamente é a protagonista do filme. Como parte do disfarce, a menina também usa uma máscara bastante assustadora, contribuindo para o clima de distopia. 

Compra-me Um Revólver
Cena de “Compra-me Um Revólver” (Imagem: divulgação)

Há algumas passagens interessantes sobre cuidados e paternidade, embora efêmeras. A menina também cuida do pai, de certa forma. A intenção de mostrar a inocência de uma criança que tem que conviver com a barbárie já foi muito explorada por cineastas, se tornando quase um clichê. O diferencial aqui, que trabalha em detrimento do filme, é que Huck e seus outros colegas possuem pouco senso de individualidade. É como se estivéssemos vendo crianças genéricas, que não demonstram muito terem personalidades individuais; assim, acompanhar o filme se torna um exercício bastante enfadonho.

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Também existe pouco senso de propósito durante a projeção. Começando bastante naturalista, os elementos fantásticos só são apresentados muito mais tarde na trama, expressados na forma anormal com que o chefe do tráfico se comporta, por exemplo. Justamente esses elementos, que tornam “Compra-me Um Revólver” mais interessante, são logo interrompidos por um fim abrupto. O diretor gasta muito mais tempo tentando estabelecer um certo realismo à situação, quando o melhor parecia ser introduzir logo os detalhes surreais, que tornam a trama mais interessante de acompanhar.

Compra-me Um Revólver
Cena de “Compra-me Um Revólver” (Imagem: divulgação)

Foi desperdiçada também uma grande chance de analisar o papel do gênero neste cenário. O fato das mulheres estarem desaparecendo é apenas um detalhe quase inócuo. Nada é enfatizado sobre a solidão de Huck, a única menina em vista, ao redor de apenas personagens masculinos. Até seus colegas, com quem brinca de vez em quando, são todos meninos.

Tampouco vemos alguma critica, latente que seja, à violência enquanto expressão de uma narrativa sobre a masculinidade. Tanto o pai quanto o chefe do tráfico desviam, em certos momentos, dessa representação masculina padrão, mas pouquíssimo disso é explorado. São pequenas migalhas que serão percebidas e interpretadas apenas por espectadoras mais atentas. Com uma premissa interessante, é uma pena que “Compra-me Um Revólver” acabe sendo um filme com tão pouco a dizer. 

Compra-me Um Revólver” estreia nos cinemas dia 30 de maio. Assista ao trailer:


Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

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Cineasta, musicista e apaixonada por astronomia. Formada em Audiovisual, faz de tudo um pouco no cinema, mas sua paixão é direção de atores.
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