A Sombra do Pai: masculinidade tóxica e paternidade

A Sombra do Pai: masculinidade tóxica e paternidade

A Sombra do Pai” é o novo filme de Gabriela Amaral Almeida, diretora premiada por “O Animal Cordial” (2018) e um dos grandes nomes atuais do cinema de gênero no país. O filme tem estreia prevista para o dia 2 de maio, mas a Pandora Filmes convidou o Delirium Nerd para a Cabine de Imprensa e Pressday, com direito a uma rápida conversa com a diretora.

[O texto abaixo não contém spoilers]

Após a morte da mãe, Dalva (Nina Medeiros), uma criança bastante reservada, precisa aprender a lidar com tarefas de casa, cuidar de seu pai e de si mesma, manter tudo em ordem, além, claro, de todas as responsabilidades infantis, como a escola, se divertir, manter suas amizades, etc. Seu pai, Jorge (Júlio Machado), é um homem bastante fechado, que trabalha como pedreiro em uma construção e tem o temperamento e pensamentos típicos de um homem que cresceu em uma sociedade que não admite que seus homens demonstrem fraqueza ou qualquer outro tipo de sentimento, fazendo com que ele tenha dificuldade em se conectar com sua filha. A tia de Dalva e irmã de Jorge, Cristina (Luciana Paes), é uma mulher religiosa, que faz suas simpatias de casamento e percebe em Dalva alguns “dons” ligados à essa religiosidade.

Se você assistiu “O Animal Cordial”, é necessário adiantar que “A Sombra do Pai” não é semelhante à produção anterior da diretora. Talvez, em alguns elementos, até pode se dizer que os filmes tratam de coisas semelhantes: a masculinidade tóxica, a pressão da sociedade, os terrores das responsabilidades e algumas discussões podem ser levantadas tanto nos personagens de Jorge como no de Inácio (interpretado por Murilo Benício, em “O Animal Cordial”). Porém, as abordagens de ambas as obras são completamente diferentes. Em “O Animal Cordial”, nós vemos crimes e violência; em “A Sombra do Pai“, nós estamos lidando com outro tipo de violência, com uma pegada bem mais sobrenatural. Porém, algo que é visível nos dois longas é a crueza e a terrível realidade que são retratadas muito bem.

A Sombra do Pai
Cena de “A Sombra do Pai” (Foto: divulgação/Pandora Filmes)

Júlio Machado, em seu papel de pai e homem preso às pressões colocadas por instituições patriarcais, como a falta de sentimentos e essa ideia de que suprir necessidades que podem ser pagas por dinheiro, como o alimento e o teto, já é o suficiente do papel de pai, faz um trabalho impecável. Sua voz, seus gestos, o físico e toda a preparação do ator para as cenas é perceptível. Jorge sofre e seus sentimentos são extremamente bem passados ao público através de suas expressões. Jorge é um homem tóxico, que tem relações complicadas com a irmã e com a filha, mas não por ter escolhido ser assim, mas por estar preso à essas convenções e não conseguir se livrar delas, se tornando um zumbi de suas próprias ações. E aqui, talvez, seja possível traçar um paralelo com “A Noite dos Mortos Vivos“, de Romero, como a forma de zumbificação da sociedade pode ser nociva aos cidadãos.

Nina Medeiros faz uma atuação brilhante no papel de Dalva. Ela nos entrega uma personagem taciturna e quieta demais, que faz sentido com tudo que ela já teve que passar em sua curta vida. Suas cenas são expressivas e sempre que está em tela há um certo desconforto da forma como ela encara alguns pontos, da forma como ela precisa agir como a “adulta da casa”, enquanto cresce com seu pai distante. Apesar de certa estranheza da infância de Dalva, de vermos como ela é afastada do que seria uma infância comum, ainda assim é uma realidade entre tantas famílias que existem no país: a necessidade da ausência dos pais para o trabalho, enquanto as crianças assumem responsabilidades enormes e crescem distanciadas de seus familiares. E esse talvez seja um dos pontos mais acertados das narrativas de Gabriela Amaral, a facilidade como ela encaixa o dia a dia de famílias brasileiras em seus filmes, que não soam caricatas, que são reais e palpáveis.

A Sombra do Pai
Nina Medeiros como Dalva em “A Sombra do Pai” (Foto: divulgação/Pandora Filmes)

Luciana Paes, como sempre, tem uma atuação impecável. Já parceira de longa data de Gabriela Amaral Almeida, estando em “O Animal Cordial” e “A Mão que Afaga“, nos apresenta um papel extremamente diferente do que fez no filme anterior da diretora. Cristina é uma mulher que quer se casar, constituir família, só quer um pouco de paz, mas não quer abandonar a sobrinha e tudo que está acontecendo na vida da criança. Uma personagem bastante simples, mas muito bem escrita, bem fechada em sua história e com uma ótima atriz para interpretá-la.

Durante a entrevista, a diretora falou um pouco sobre suas influências e os elementos que costuma trabalhar. Quando questionada por quais influências teve ao escrever suas personagens femininas, sempre tão bem construídas, mesmo quando não são as personagens principais, Gabriela Amaral Almeida mencionou as personagens de Stephen King, como Carrie, e citou as autoras Flannery O’Connor e Carson Mccullers, que não são exatamente de terror, mas que descrevem muito bem sobre a violência e têm personagens femininas bastante reais em suas histórias.

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Gabriela Amaral Almeida é mestre em Literatura e Cinema de Horror pela UFBA, com especialização em roteiro pela Escuela Internacional de Cine y TV (EICTV) de Cuba. Este é seu segundo filme, porém foi seu primeiro roteiro, que teve uma escrita de oito anos, em meio aos seus outros trabalhos. Foi apresentado em festivais durante a estreia comercial de Animal Cordial, em agosto de 2018.

A Sombra do Pai” está sendo distribuído pela Pandora Filmes e faz parte do projeto “Caixa de Pandora”, em que as estreias acontecem simultaneamente em 25 cidades com cinemas Cinépolis, uma iniciativa para que filmes independentes cheguem a mais locais e tenham mais acessos.

O trailer do filme pode ser conferido abaixo:


Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

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Formada em História, escreve e pesquisa sobre terror. Tem um afeto especial por filmes dos anos 1980, vampiros do século XIX e ler tomando um café quentinho.
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