Nesse 19 de abril, todas as vivas à Lygia Fagundes Telles, que comemora 96 anos de vida na terra! Uma das mais importantes escritoras brasileiras do século 20, Lygia construiu uma obra de relevância imensa para a literatura brasileira, além de ser uma personalidade muito querida e amada tanto por leitores quanto por escritores.
A infância
Em 19 de abril de 1923, na rua Barão de Tatuí, centro de São Paulo, nascia Lygia de Azevedo Fagundes, quarta filha de Durval e Maria do Rosário. Brincando com o local do nascimento, seu pai gostava de chama-la de “Baronesa de Tatuí”. Durante a infância, Lygia costumava ouvir histórias de crianças vizinhas e pajens empregados pelos pais. Mais tarde, já alfabetizada, começa a escrever, nas páginas finais de seus cadernos, as suas próprias histórias, que irá contar em casa.
Quando criança, ia com o pai a casas de jogos, que a levava para “dar sorte”, embora constantemente perdesse, dizendo à filha que “amanhã eles venceriam”. Ela compara o jogo à literatura e relembra o episódio em entrevistas: “tudo isso é um jogo, não é? Se este livro não der certo, eu não vou arrancar os cabelos. O outro dará. Lembro do meu pai: amanhã a gente ganha. É o jogo, é o jogo.”
A juventude
Em 1938, aos 15 anos, Lygia publica o primeiro livro, “Porão e sobrado”, com 12 contos e edição paga com a mesada que ganhava do pai. Na capa, assina como Lygia Fagundes. Tanto esse livro como o seguinte, “Praia viva”, de 1944, são considerados mortos pela escritora e estão fora de circulação. Sobre isso, ela diz que prefere que as pessoas leiam suas melhores obras e não essas “juvenilidades”.
Em 1940, ingressa na Escola Superior de Educação Física; em 1941, inicia o curso de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Para justificar a decisão, afirma: “foi um cálculo de futuro! Sabia que nunca poderia viver só de literatura. Então precisava de profissões que me rendessem o bastante para viver […] sem depender de ninguém – inclusive de marido”.
Nesse contexto, a escritora começou a entrar no círculo literário muito cedo, chegando a ter contato com escritores influentes como Mário de Andrade e Cecília Meireles. Ela conta sobre seu encontro marcante com Mário no relato “Durante aquele estranho chá”. No livro homônimo, Lygia relata essa e outras amizades que nutriu com personalidades importantes, como Simone de Beauvoir, Sartre, Hilda Hilst, Clarice Lispector, Jorge Luis Borges, Drummond, Manuel Bandeira e José Saramago.
Uma das maiores amizades literárias no Brasil foi entre Lygia e Hilda Hilst, que se conheceram devido à Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, na qual ambas foram alunas. Começando nos anos 50, essa amizade durou toda a vida (de Hilda, que faleceu em 2004). As duas liam as obras uma da outra, se ajudavam, faziam leituras críticas e davam conselhos pra vida. Hilda dizia que queria morrer de mãos dadas com Lygia, porque ela saberia como a acalmar na hora H.
Muito politizada, Lygia participa, desde estudante, da vida política do país. Em 1945, vai a uma passeata contra o Estado Novo de Getúlio Vargas, ao lado dos colegas da Faculdade de Direito. Casa-se, em 1950, com o jurista Goffredo da Silva Telles Jr., que havia sido seu professor na Faculdade de Direito e era, na época, deputado federal pelo Partido de Representação Popular. Passa, a partir daí, a assinar Lygia Fagundes Telles.
A maturidade
Em 1952, começa a escrever o romance “Ciranda de Pedra” na fazenda Santo Antônio, da família Silva Telles, que sediou várias reuniões modernistas na década de 20, contando com a presença de Tarsila do Amaral, Mário e Oswald de Andrade, Anita Malfatti e outros. O livro, publicado em 1954, é considerado pelo grande crítico Antonio Candido o romance no qual a autora atinge a sua maturidade literária.
Em 1960, separa-se de Goffredo. Em 1963, começa a viver com o intelectual Paulo Emílio Salles Gomes e inicia a escrita de “As Meninas”, romance inspirado no momento político do Brasil, tematizando as atrocidades do regime militar. Alguns anos depois, em 1970, lança os contos “Antes do Baile Verde”, que recebe, na França, o Grande Prêmio Internacional Feminino para Estrangeiros.
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Em 1973, Lygia publica “As Meninas”, que passa pela censura pois foi julgado como “livro de mulherzinha” pelo censor, que não terminou de lê-lo. O livro ganha todos os prêmios literários importantes do país: Coelho Neto (ABL), Jabuti (Câmara Brasileira do Livro) e o da APCA. Extremamente contrária ao regime militar, em 1976 integrou uma comissão de escritores que foi à Brasília entregar ao Ministro da Justiça o famoso “Manifesto dos Mil”, veemente declaração contra a censura e que foi assinada pelos mais representativos intelectuais do Brasil.
Após a morte de Paulo Emílio em 1977, Lygia assume a presidência da Cinemateca Brasileira, que Paulo Emílio ajudou a fundar. Ela permanece na entidade até meados dos anos 80. Em 1982, é eleita para a cadeira 28 da Academia Paulista de Letras. Em 1985, é eleita para ocupar a cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras, na vaga deixada por Pedro Calmon e cujo patrono é o poeta Gregório de Mattos.
Nas décadas de 80 e 90, continuaria a publicar contos e romances pelos quais é continuamente premiada. A consagração maior vem em 2005, quando ela é agraciada pelo Prêmio Camões, maior honraria da literatura em língua portuguesa. Em 2016, chegou a ser cotada para ganhar o Prêmio Nobel de Literatura.
No ano passado, saiu pela Companhia das Letras a reunião completa de seus contos. A quem quiser se iniciar na obra dela, recomendamos veementemente a leitura de alguns: “Antes do pôr-do-sol”, “Senhor Diretor”, “Antes do Baile Verde” e “A caçada”.
Além de nossas vivas à existência de uma personalidade tão importante, acreditamos que a melhor forma de ler Lygia é viver Lygia, sobretudo enquanto ela está viva. Em entrevista à amiga Clarice Lispector, afirmou: “As glórias que vem tarde já vem frias, escreveu o poeta, aquele Dirceu de Marília. Me leia enquanto estou quente”. E nós também ficamos em chamas ao te ler, ó, Lygia! Feliz aniversário!
Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.