“The Girl From Everywhere – O Navio Além do Tempo“ é a continuação de “O Mapa do Tempo“, da autora Heidi Heilig, publicado pela editora Morro Branco, e, assim como o primeiro livro, discute a ideia de destino e livre arbítrio. Até onde, afinal, vai a nossa capacidade de mudar a nossa história? E se um destino é previsível, isto significa que deveríamos deixar de tentar? Mas apesar da mensagem central semelhante, “The Girl From Everywhere – O Navio Além do Tempo” possui um ritmo bastante diferente do livro inicial. É mais maduro no desenvolvimento dos personagens e expande melhor as relações, sobretudo as amorosas.
Em “O Mapa do Tempo“, apresenta-se a protagonista Nix, uma jovem de 16 anos que, assim como seu pai, possui a capacidade de navegar entre diferentes lugares e tempos. Basta um mapa e um pouco de fé que seu navio atravessa a neblina rumo a lugares fantásticos. Junto à sua equipe, então, Nix passeia por lugares históricos e reinos míticos, mas entre o real e o imaginário, o passado e o futuro, às vezes é difícil distinguir o que ocorre à sua frente.
“O Navio Além do Tempo” e o paradoxo do tempo
A continuação “The Girl From Everywhere – O Navio Além do Tempo“, portanto, começa imediatamente do ponto em que o livro anterior parou. O saque no Havaí se concretizou. Blake, embora baleado, faz parte da tripulação; acima de tudo, no entanto, seu pai tomou uma decisão. Ele a escolheu, ainda que isso significasse perder o amor de sua vida e mesmo que também significasse largar o ópio, e a escolha do Capitão Slate significa não apenas que Nix nascerá e viverá, como conhecerá Kash.
E quando eles pensavam estar a salvo, Nix tem um choque com a sua condição. Descobre uma versão do seu futuro que não está disposta a viver, mas sabe que, se viver sua vida para mudar o destino, provavelmente acabará como o Slate. Seria, então, a maldição de todo navegador?
Nix sabe bem o que é ter a liberdade de navegar entre os tempos, mas estar preso ao conhecimento. No entanto, ela também sabe o que perder uma pessoa amada pode fazer com uma pessoa. Dessa forma, quando surge uma única chance de proteger aqueles que ama, ela não hesita. Ocorre que se o tempo é único, então sua próprias ações já foram consideradas na ideia de destino. A Nix que perde é a Nix que tenta, é a Nix que entrega um mapa a um estranho e a Nix que acaba em um reino fictício prestes a ser alagado – e ao fugir de seu destino, talvez ela o esteja encontrando ou talvez descubra a chave para ter o poder sobre sua vida.
Protagonismo feminino e controle sobre a sua vida
A principal questão de “The Girl From Everywhere – O Navio Além do Tempo“, portanto, vai além do paradoxo do tempo. Traz, na verdade, uma discussão sobre o controle exercido sobre a própria vida. Nix é uma personagem na liderança, cresceu com um pai viciado em ópio que oscilava em um amor complicado e, muitas vezes, tóxico e, assim, teve que aprender a comandar a si e à sua tripulação para quando não existia aquela figura que, pelo estereótipo, seria amorosa e protetora, mas mesmo Nix possui medos e aspirações que a governam em paralelo com a sua racionalidade em sentido insensível.
O novo confronto de Nix, dessa maneira, é com seus receios. Apegar-se à previsão do seu futuro significa resignar-se e perder o controle sobre sua vida em uma incansável busca que pode não gerar nada além de dor, e, enquanto isso, ela deixa de aproveitar o instante por algo que pode nem ser o que ela imagina e afasta, assim, inclusive aqueles que ama, como Kash.
No entanto, ignorar o conhecimento também é impossível, portanto, talvez a maldição dos navegadores não seja exatamente a possibilidade de confrontar passado e futuro, mas o fato de que, com isso, adquirem um conhecimento com o qual não sabem lidar.
Outros navegadores além de Nix e Slate
Um dos pontos mais interessantes de “The Girl From Everywhere – O Navio Além do Tempo“ é que Heidi Heilig traz novos navegadores além de Nix e Slate. Sim, outros já haviam sido apresentados antes, mas não era um dos elementos centrais da história. Agora, Nix e Slate são ameaçados pelos interesses de outros que possuem a mesma capacidade de viajar através do tempo e precisam decidir se fazem ou não parte de um esquema que pode alterar a história da humanidade.
Caso aceitem a proposta, podem salvar inúmeras vidas da crueldade de uma figura histórica. Contudo, isto significa também alterar as vidas futuras. Afinal, talvez a Nix do século 19 não tivesse nascido se as mortes do século 21 fossem evitadas. Por essa razão, a história não trabalha com “se”. Antes de tudo, entretanto, há uma perspectiva ética que precisa ser considerada: ter a escolha de mudar o passado significa também mudar o presente. Então, os navegadores seriam como deuses brincando com os destinos das outras pessoas?
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Se é certo ou errado, é uma resposta a que se deve chegar internamente. Nix, entretanto, não pode ignorar que isto trará reflexos para as suas relações e como num sonho, Blake ou Kash, por exemplo, podem se lembrar de realidades que nunca viveram – ou viveram, mas foram alteradas – e podem se perguntar qual o direito de Nix ou de qualquer outro de tomar decisões por eles, alterando suas vidas, mas também podem se perguntar o que é real ou não em tantas versões adulteradas. Talvez seus próprios sentimentos sejam tão fictícios quanto os reinos que visitam.
A mitologia de “O Navio Além do Tempo”
Novamente, Heidi Heilig faz um bom trabalho de mesclar elementos históricos a diferentes mitos. Se em “O Mapa do Tempo“ ela trouxe mitos havaianos e egípcios, em “The Girl From Everywhere – O Navio Além do Tempo“ ela vai aos mitos gregos e europeus e fala, assim, sobre a aquisição de conhecimento infinito, sobre esquecimento e sereias e cidades que fecham seus portões para se engolidas pelas águas da incerteza, e este é, sem dúvidas, um dos pontos altos da história, porque permite conhecer histórias muitas vezes não contadas, inclusive em suas diferentes versões e discutidas de forma coerente ao enredo.
E, em meio a isso, há o desenvolvimento de personagens cativantes, que podem não agir como o esperado; quem partiu pode voltar e quem escolheu ficar pode querer ir embora, mas entre alianças e traições, Nix e Kash permanecem lutando por seus destinos. No entanto, o livro é um pouco ambíguo em relação a determinismo e livre arbítrio. Embora apresente indícios de que é possível alterar o futuro, parece também reforçar a hipótese de determinismo.
Um dos pontos negativos foi a falsa ideia de finais alternativos. Ao olhar o final do livro, as leitoras podem ser levadas a crer que há outras versões do futuro, como se, de fato, houvesse mais de uma linha do tempo. No entanto, trata-se de versões anteriores do final escrito por Heidi Heilig e das dicas de revisão. Apesar de bastante interessante ler os rascunhos iniciais da autora e entender como ela chegou ao resultado final, a expectativa era diferente.
Enfim, “The Girl From Everywhere – O Navio Além do Tempo“ é um bom livro infantojuvenil, dinâmico, talvez seja ainda melhor que o livro anterior por conta do desenvolvimento das personagens e conduz a reflexões sobre as decisões tomadas em nossas próprias vidas.
The Girl From Everywhere – O Navio Além do Tempo
Heidi Heilig (Autora), Sofia Soter (Tradutora)
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Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.