Duas Rainhas: um conto histórico sobre sororidade

Duas Rainhas: um conto histórico sobre sororidade

O título de “Duas Rainhas” evoca rivalidade. Chamar-se de rainha enquanto outra ocupa o trono é sinônimo de guerra, de usurpação. É uma grata surpresa que o filme de Josie Rourke não caia nesses clichês e traga, como principal mensagem, um apelo à sororidade e à irmandade entre mulheres.

Pois bem, “Duas Rainhas” aborda a tão conhecida parte da história do Reino Unido em que as vidas de Mary Stuart (Saoirse Ronan), Rainha da Escócia, e Elizabeth Tudor (Margot Robbie), Rainha da Inglaterra, se fundem. Primas, a primeira foi mandada para a França para casar-se com o futuro rei Francis, enquanto a segunda herdou o trono da Inglaterra.

Suas vidas, antes paralelas, se cruzam no momento em que Stuart volta da França para a Escócia, agora viúva, e é tida por todos como uma ameaça à coroa inglesa, já que tem direito ao trono caso Elizabeth não se case e não tenha herdeiros. Além disso, Mary é uma católica no meio de duas ilhas onde o protestantismo é proeminente, o que contribui ainda mais para a desconfiança que cresce entre ela, sua corte e seus inimigos.

Mary Stuart (Saoirse Ronan) e Elizabeth Tudor (Margot Robbie)
Mary Stuart (Saoirse Ronan) e Elizabeth Tudor (Margot Robbie). Imagem: Reprodução/Universal Films

Uma estrangeira em sua própria casa, Mary entende que é preciso demonstrar força e autoridade em um reino que duvida de sua capacidade de governar e teme uma guerra iminente com a Inglaterra. Enquanto isso, Elizabeth estuda de longe a jovem rainha, a quem vê como mais moderna e tolerante, se recusando a conhecê-la pessoalmente e sustentando uma comunicação através de emissários — falhando, portanto, em ver o que Mary enxerga claramente: ambas, como mulheres em posição de poder, travam a mesma guerra, cercadas de homens que, diretamente ou não, impedem que uma união se forme entre as duas rainhas.

Rivalidade feminina em “Duas Rainhas”

É prazeroso, ainda, que “Duas Rainhas” não se deixa seguir a história comum de rivalidade entre mulheres, apostando diversas vezes na conexão entre Mary e Elizabeth para traçar paralelos diretos. São duas mulheres fortes, mas vulneráveis, vítimas de conspirações externas, mas também de sua própria ingenuidade. Rainhas que se complementam até nas diferentes formas de encarar o amor e o respeito de seus súditos, que manipulam a outra para, enfim, perceber que jogam juntas.

Mary Stuart (Saoirse Ronan)
Mary Stuart (Saoirse Ronan) em “Duas Rainhas”. Imagem: reprodução

Duas Rainhas” poderia ser resumido em algumas cenas teatrais do começo e final do filme, que certamente ludibriam a telespectadora em meio ao fraco senso de narrativa e cronologia da obra. Talvez até por escolha narrativa: é um longa extremamente pessoal, e talvez por isso acabe pecando na autenticidade histórica, adicionado ainda o tom conspiratório que envolvia a monarquia naquele período. Portanto, “Duas Rainhas” atua, assim, quase como um lembrete que a história é aquilo que se interpreta dela, nunca sendo totalmente oficial.

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Contudo, o viés pessoal que o filme carrega acaba ficando desbalanceado. Diferente do título original do filme, “Mary Queen of Scots”, “Duas Rainhas” sugere um certo equilíbrio na forma em que a história é contada, chamando por uma narrativa que destrinche tanto Mary quanto Elizabeth. O que acaba não acontecendo: enquanto a Rainha da Escócia tem seus anseios e suas vontades tratadas com delicadeza dentro da narrativa, cabe a Elizabeth o papel de coadjuvante, sendo definida por cenas mais enigmáticas que não tratam com profundidade de seus sentimentos e acabam sendo bastante teatrais.

Elizabeth Tudor (Margot Robbie)
Elizabeth Tudor (Margot Robbie) em “Duas Rainhas”. Imagem: Reprodução/Universal Films

Performances complexas e um possível Oscar bait

Por fim, as performances de Saoirse Ronan e Margot Robbie trazem vida às duas rainhas, passando a complexidade das personagens para a tela de forma penetrante. Mas, graças ao roteiro fraco de Beau Willimon, há um amargo gosto de Oscar bait (ou seja, filmes que parecem ter sido produzidos com o único propósito de ganhar indicações ao Oscar e demais premiações) ao final das cenas mais marcantes, principalmente no que diz respeito a Elizabeth/Robbie, graças ao papel secundário que esta assume.

O encontro das duas, contudo, segurado até o último ato do longa, é uma cena esplêndida. Tanto em comum, tanto a ser explorado entre as duas. O combo fotografia e atuação entre Ronan e Robbie sustentam a ligação entre Mary e Elizabeth com maestria. São olhares que procuram força na outra, ao mesmo tempo que buscam fraqueza. Olhares que pedem ajuda, mas desconfiam.

Duas Rainhas” é um filme que ecoa e faz refletir, principalmente entre mulheres. A diferença de ter uma mulher por trás das câmeras talvez resida justamente aí: no cuidado em contar a história focando no olhar feminino. Suas desavenças, loucuras, tombos, rebeldias, amores, vulnerabilidades, conexões e forças. Na frustração de alegar que “escolhe ser um homem”, como diz Elizabeth, na tentativa de ganhar respeito. Mesmo quando já se é a pessoa mais poderosa na sala.


Edição realizada por Isabelle Simões.

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Jornalista, feminista, apaixonada por escrever e doida da problematização. Adooora dar opinião sobre tudo e criticar séries, filmes e livros é uma paixão de infância.
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