“Aves de Rapina” chega sem pudores, apostando no lúdico

“Aves de Rapina” chega sem pudores, apostando no lúdico

Arlequina (ou Harley Quinn, no original em inglês) é uma personagem cujas várias facetas ressoam pela cultura pop. Tem quem a veja apenas como a namorada do Coringa, em um viés mais tradicional (e machista, diga-se de passagem); tem quem tenha começado a enxergar nela um símbolo de resistência feminina, além de uma luz no fim do túnel da falta de representatividade LGBTQ, cânone no universo da DC. Que entre, então, “Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa“, filme que retrata a adorada Miss Quinn por aquilo que ela é: uma explosão de emoções e brilho colorido.

Se o péssimo “Esquadrão Suicida” serviu para alguma coisa, foi para que a personalidade anárquica de Arlequina tenha conquistado corações e aberto caminhos para seu longa particular. Diferente do filme de David Ayer — que se chegou a ser memorável de alguma forma, foi pela sua falta de qualidade —, “Aves de Rapina” possui sua própria vivacidade, se destacando completamente do seu predecessor como um spin-off que nada deve ao filme de 2016.

AVISO: O texto abaixo não contém spoilers do filme

Aliás, uma das primeiras características que a nova obra tem em comum com “Deadpool“, da Marvel, é seu lugar paralelo dentro do contexto geral do universo cinematográfico da franquia a qual pertence. O filme referencia o DCEU (Universo Estendido DC) sem medo, mas nunca desenvolvendo uma conexão direta com ele (personagens que podem ser considerados relevantes para a trama, como o próprio Coringa, por exemplo, não chegam a dar as caras no filme).

É, afinal, a hora de Arlequina brilhar — e ela faz isso com maestria. Margot Robbie toma as rédeas da personagem, bem como da produção do filme, e entrega um mundo brilhante, fantabuloso e turbinado. Agora, totalmente desconectada do seu ex abusivo e pronta para ser protagonista da própria história, Arlequina é presenteada com o papel de narradora da trama. Sua função como fio condutor da narrativa faz com que seu espírito colorido e anárquico esteja presente ao longo das 1h49min que acompanhamos, com prazer, sua emancipação e libertação amorosa, seus tropeços e sua relação com as demais anti-heroínas da história.

Arlequina em Aves de Rapina
O espírito colorido e anárquico de Arlequina está presente ao longo do filme.

Senhoras e senhores, as Aves de Rapina!

Falando nelas, as Aves de Rapina são um prato cheio de carisma, com cada uma das atrizes acertando o tom de suas personagens e abraçando, de peito aberto, a tonalidade do filme. Cabe uma apresentação rápida de cada uma delas: Dinah Lance (Jurnee Smollett-Bell), ou Canário Negro, é uma cantora discreta que prefere manter seu dom supersônico em segredo; Renee Montoya (Rosie Perez), policial frustrada que faz do seu objetivo principal desmascarar o vilão Roman Sionis (Ewan McGregor), o Máscara Negra; Helena Bertinelli (Mary Elizabeth Winstead), ou Caçadora, uma órfã em busca por vingança; e, por fim, Cassandra Cain (Ella Jay Bosco), delinquente juvenil que sai por aí roubando carteiras e objetivos de valor até roubar, sem querer, o bem mais precioso de Roman Sionis e se tornar um alvo para o vilão.

O grupo de personagens desajustadas brilha nos seus próprios moldes. Nada glamourosas, as Aves de Rapina são extremamente reais e modestas, sendo apaixonantes justamente por trazerem um ar despretensioso e lúdico para o longa. Talvez um ponto negativo do filme seja justamente que este perde a oportunidade de desenvolver ainda mais as suas protagonistas, escolhendo focar em Arlequina por esta ser o fio condutor da história.

Aves de Rapina (crítica)
Como foca bastante em Arlequina, o filme perde a oportunidade de desenvolver sua relação com as demais anti-heroínas, como Dinah Lance.
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É reconfortante, ainda, que nenhuma das personagens precise assumir um papel de mulher com “características masculinas” para serem lidas como fortes e poderosas. A feminilidade, aqui, é sinônimo de força e fonte da brutalidade de cada uma. Tal conceito fica claro nas cenas de luta — muito bem coreografadas, diga-se de passagem —, nas quais as protagonistas usam os corpos dos capangas contra eles mesmo, adotando uma série de movimentos que destacam seus corpos esguios como uma vantagem, não um defeito.

Esta talvez seja nossa primeira dica de que a direção de Cathy Yan e o roteiro de Christina Hodson fizeram uma enorme diferença em “Aves de Rapina”. Dos outfits mais compostos — que já cobrem mais do que uma parte da bunda e dos peitos — a um prendedor de cabelo sendo oferecido no meio da luta, os detalhes de se ter uma produção totalmente feminina são de acalentar o coração.

Representatividade LGBT

É inegável, também, o cuidado com a representatividade dentro do filme. Logo no começo, quando Arlequina desabafa sobre sua origem complicada e seus relacionamentos amorosos, vemos uma insinuação muito clara de sua bissexualidade, um destaque que não passará despercebido aos mais atentos. Filme adentro, também nos deparamos com o lesbianismo da policial Renee, explicitado pela narração ao indicar outra personagem como sua ex-namorada.

Em um viés mais homoerótico, somos apresentados a um Máscara Negra cujo braço-direito, o assassino Victor Zsasz (Chris Messina), está mais para amante e fiel companheiro, com cenas que exploram a conexão dos dois e até sugerem momentos de carinho e cuidado. É uma escolha corajosa de um roteiro que se recusa a trazer, até para a narrativa do vilão, o retrato de uma masculinidade mais tóxica.

Máscara Negra em Birds of Prey
Ao contrário do tradicional, o vilão Máscara Negra não representa um retrato de uma masculinidade mais tóxica.

Narrativa sem pudores

“Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa” é, por fim, um filme inegavelmente divertido, que veio, talvez, sem grandes pretensões, mas que acabou se revelando a narrativa imoral e sem pudores que a DC precisava. Repleto de boas sacadas e com alta carga de adrenalina, o longa, que em nenhum momento se leva a sério, vende-se exatamente por aquilo que é: modesto, despretensioso e lúdico. O antídoto perfeito para a overdose de filmes de super herói mais dramáticos.

Com a boa aceitação do público (o filme conta com 85% de aprovação da mídia no Rotten Tomatoes), é a chance de “Aves de Rapina” tornar-se um divisor de águas, a prova de que narrativas femininas podem — e devem — ser exploradas pelos universos cinematográficos das HQs para além de simples histórias de origem. Que venha ainda mais girl power!

Muito Girl power em "Aves de Rapina"
Um brinde ao girl power!

Edição e revisão por Isabelle Simões.

Escrito por:

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Jornalista, feminista, apaixonada por escrever e doida da problematização. Adooora dar opinião sobre tudo e criticar séries, filmes e livros é uma paixão de infância.
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