Millennium: Lisbeth Salander e a violência de gênero institucionalizada

Millennium: Lisbeth Salander e a violência de gênero institucionalizada

Escrita pelo sueco Stieg Larsson, a série Millennium teve seu primeiro livro: “Os homens que não amavam as mulheres” lançado em 2005. O segundo e o terceiro livros foram lançados respectivamente em 2006 e 2007, já o quarto, escrito por David Lagercrantz após a morte prematura de Larsson, foi lançado em 2015.

A série, que também foi adaptada para o cinema sueco e americano, começa acompanhando a história do jornalista Mikael Blomkvist que investiga um possível assassinato, mas logo se torna muito mais complexa quando a história de Mikael se cruza com a de Lisbeth Salander. E, assim nós passamos a conhecer uma heroína diferente de quase tudo que já havíamos visto antes

Durante os 16 dias de ativismo na luta contra a violência à mulher, os blogs envoltos pelo #feminismonerd se propuseram a discutir as problemáticas em torno da representação de mulheres como uma matriz que reitera os discursos de violência e ódio, quanto veículos que visibilizam a discussão. Sabemos que apenas a exposição e discussões possibilitam o combate direto, a resolução e identificação do problema. Como reitera a escritora e teórica feminista Audre Lorde: “é preciso transformar o silêncio em linguagem e ação.”

(CONTÉM SPOILERS)

*AVISO DE GATILHO: ESTUPRO*

Já falamos aqui sobre Lisbeth, e sobre como a sua história ao longo da trilogia representa tipos diferentes de abusos sofridos por nós mulheres. Lisbeth é uma hacker super inteligente, que leva uma vida reclusa e possui problemas para se relacionar com os outros. Considerada um sociopata que precisa de tutela pelo Estado, ela não confia em instituições e em quase ninguém, agindo sempre sozinha e fazendo o que poderia ser chamado de “justiça com as próprias mãos”. Entretanto, o que parece uma atitude radical a princípio, logo se explica como a reação de uma mulher que foi vítima do sistema a vida toda.

Ao longo dos 3 primeiros livros da série é possível notar que a história de Lisbeth não é apenas marcada por violência masculina, mas também por um descaso do governo e da autoridade. Afinal, seu pai era um espião protegido pelo governo sueco que podia participar de esquemas de tráfico de mulheres e bater diariamente na esposa quando chegava em casa, tudo sem sofrer consequência nenhuma.

Dessa forma, diferente da maior parte das representações de estupro e abusos na cultura pop que são praticadas por “vilões maus” (alguém lembra do Ramsay de “Game of Thrones”?) ou por “mocinhos”, quando o roteiro não reconhece a prática do estupro (estilo Jaime Lannister), em Millennium, o abuso sexual é uma violência sistemática e institucional, praticado por diferentes tipos de homens. Não existe um motivo específico para o tutor de Lisbeth estuprar ela no primeiro livro, ou para seu pai bater todos os dias em sua mãe, eles fazem isso simplesmente porque assim como qualquer homem na nossa sociedade, eles podem.

Além disso, as cenas de violência sexual não são usadas como armas de roteiro e também não são jogadas no meio da história como algo gratuito, elas existem com o propósito de representar uma sociedade que, assim como indica o título, é composta por homens que odeiam mulheres. Isso fica muito claro quando Lisbeth descreve Martin Vanger, o culpado pelo assassinato que Mikael investigava:   

A cena do livro foi adaptada na versão cinematográfica.

Lisbeth é portanto uma heroína diferente, pois além de ser vítima da violência, ela também resiste além das autoridades. Ela não se preocupa em ser um modelo a ser seguido, e não quer créditos quando salva vidas. Sua ética pode sim ser questionada, mas nunca a sua racionalidade ou inteligência. Em um mundo repleto de homens que odeiam mulheres, Lisbeth Salander surge como a heroína justiceira que todas nós em algum momento já sonhamos em ser. 

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Feminista. 20 anos. Libriana indecisa com ascendente em leão que sonha em viajar o mundo. Estudante de publicidade e propaganda, apaixonada por séries, livros, filmes e levemente viciada em ver fotos de animais fofinhos na internet.
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