[CINEMA] Paterson: A representação feminina e o Manic Pixie Dream Girl

[CINEMA] Paterson: A representação feminina e o Manic Pixie Dream Girl

No dia 20 abril deste ano estreou aqui no Brasil o filme Paterson, dirigido por Jim Jarmusch. O enredo do filme pode soar interessante para as pessoas que apreciam filmes cuja temática é centrada no cotidiano, em rotinas, nas coisas ordinárias do dia a dia, e que nos faz pensar que o mais corriqueiro pode ser digno de roteiro de filme, encantar e ser poético.

Paterson tem a priori todos esses elementos: a história é sobre um motorista poeta ou um poeta motorista (chamado Paterson e interpretado pelo ator Adam Driver) que mora e trabalha em Paterson, uma pequena cidade da Nova Jersey e vive uma vida pacata ao lado de sua esposa Laura (interpretada pela atriz iraniana Golshifteh Farahani). Apesar de ser Paterson o protagonista, é a personagem da Laura que causa algumas inquietações e sentimentos controversos, no filme ela é retratada como uma dona de casa sonhadora, que vive investindo em atividades como pintura, artes plásticas, culinária e música, sempre acreditando que vai se tornar expert em coisas que mal acabou de aprender. À medida que os minutos do filme vão passando, a Laura vai se mostrando uma personagem um pouco fútil, sem ambições e as atividades que ela se propunha a fazer pareciam ser vivenciadas como hobbies passageiros até que ela descobrisse a sua próxima “aptidão”.

Paterson
Laura afirmando para o Paterson que iria ser a próxima estrela da música country após seu primeiro dia tentando tocar violão.

Laura caía fácil no estereótipo da mulher que está ali só pra ser o par afetuoso do protagonista homem e a aversão que ela suscitou em algumas pessoas que viram o filme poderia ter acontecido pelo fato do Jim Jarmusch ter usado uma boa dose de Manic Pixie Dream Girl ao compor a personagem. Você pode nunca ter ouvido o termo, mas com certeza já viu uma Manic Pixie Dream Girl.

Paterson
Em suas respectivas ordens temos: Natalie Portman no filme Hora do voltar, 2004, dirigido por Zach Braff. Zooey Deschanel em 500 dias com ela, 2009, de Marc Webb e Kate Winslet em Brilho eterno de uma mente sem lembranças, 2004, de Michel Gondry.
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Kirsten Dunst é outro exemplo de manic pixie dream girl, no filme Tudo Acontece em Elizabethtown, 2005,  direção de Cameron Crowe.
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O termo se refere a um estereótipo amplamente usado em muitos filmes para representar personagens femininas cujas personalidades por vezes “excêntricas” são dotadas de outras características como: otimismo, bom humor exagerado, parecem meio “doidinhas” e se comportam em algumas vezes de um jeito inocente e ingênuo quase beirando o infantil. Mas talvez o ponto mais problemático seja o fato de que dentro das narrativas as manic pixie dream girls se fazem presentes para impulsionar a história dos protagonistas homens, as histórias nunca são apenas sobre elas.

Então foi isso, a Laura não passava de uma manic pixie dream girl voltada para o público cult. Motivo explicado para não se gostar tanto dela? Só que não! Lendo a opinião de outras mulheres sobre a Laura é possível perceber que algumas delas também não gostaram e criticaram a personagem, a acharam fútil e também se incomodaram com o fato dela depender economicamente do Paterson. Pensando sobre esse incômodo causado pela Laura é possível ponderar que existiu uma intencionalidade na composição da personagem e que o Jim Jarmusch não usou meramente de um clichê, mas poderia haver o intuito de nos provocar a respeito de que algo que pareça ruim, subalterno e limitante para algumas, pode ter sido uma escolha planejada e represente uma vida feliz para outras.

O fato de ansiarmos por ver mulheres representadas como fortes, heroínas, etnicamente diversas, bem resolvidas e fora dos clichês clássicos, tem muito a ver com a nossa temporalidade; vivemos um momento em que as pautas marcadamente feministas estão mais difundidas e cobramos (com razão) essa difusão também dentro das artes, aqui incluso o cinema.

Mas o fato é que os nossos anseios ideológicos não podem fazer com que a gente jogue pra debaixo do tapete ou crie ojeriza por outras possibilidades de personagens femininas, como a da dona de casa que depende financeiramente do marido e que está feliz com isso. Afinal, essas mulheres também existem na vida real e negar isso seria cair no equivoco de polarizar a representação feminina em alternativas limitadas e pré-moldadas que não abrem espaço para a construção de personagens mais complexas e diversas.

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O problema de quem se sentiu desconfortável com a Laura pode estar no fato de ela estar na contramão de um discurso que almeja outros elementos como fundamentais na vida de uma mulher como, por exemplo, dependência financeira e carreira profissional estável. Mas nem todas querem isso e não há problema nenhum nisso também.

Talvez nem tenha passado pela cabeça do diretor essas questões e no fim das contas a Laura seja apenas mais uma manic pixie dream girl e esse texto uma viagem de uma feminista que problematiza quase tudo. Mas cinema é isso, ver uma obra e sentir o que está passando na tela a partir de suas próprias subjetividades e leitura de mundo que se tem.  E no fim das contas, Paterson é um filme a ser indicado? Sim. Vale a pena conferir e tentar não esquecer que existe poesia escondida no meio da rotina e até mesmo numa caixa de fósforos.


Autora convidada: Jaqueline Queiroz é feminista e historiadora, amante da literatura, de bons filmes, boas conversas e de boas pessoas.

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