[EVENTO] Encontro Lady’s Comics na Quanta: A importância de eventos sobre quadrinhos organizados por mulheres

[EVENTO] Encontro Lady’s Comics na Quanta: A importância de eventos sobre quadrinhos organizados por mulheres

Nos dias 06 e 07 de maio aconteceu o encontro Lady’s Comics na Quanta Academia de Artes, em São Paulo. O evento reuniu quadrinistas, ilustradoras, jornalistas e editoras de sites e foram apresentadas inúmeras oficinas de arte, a exposição internacional Chicks on Comics, palestras e feiras com quadrinhos feitos por mulheres. Além disso, o evento trouxe pautas importantes que foram discutidas como a representação feminina nos quadrinhos e na cultura pop; os desafios na elaboração de críticas sobre quadrinhos, e como funciona o mercado editorial no país. Essas pautas foram discutidas especificamente na palestra “Jornalismo e Quadrinhos”, que falaremos mais detalhadamente a seguir. 

Como o evento permitia que escolhêssemos apenas uma atividade, por ser tratar de uma edição pocket e limitada para participantes, escolhemos conferir a palestra “Jornalismo e Quadrinhos”, mediada por uma das fundadoras do Lady’s Comics, a jornalista Mariamma Fonseca, com as convidadas Rebeca Puig (Collant Sem Decote), Fernanda Café (Pac Mãe), Gabriela Borges (Mina de HQ) e Daniela Razia (Preta, Nerd & Burning Hell) – e não nos arrependemos!

As convidadas comentaram na palestra principalmente sobre a dificuldade da valorização dos quadrinhos no Brasil. Gabriela Borges (jornalista e criadora do projeto Mina de HQ, que também escreve para as revistas TPM e Trip) disse que quando estava na Argentina realizando uma pesquisa sobre quadrinhos voltada para o gênero, percebeu que no país há uma valorização maior em comparação com o Brasil. Ela afirmou que no Brasil, a maioria das pessoas quando pensam em quadrinhos nacionais recordam apenas em Turma da Mônica, que conheceram na infância. Além disso, as convidadas comentaram sobre a falácia de que mulheres não leem ou não produzem quadrinhos no Brasil, como se fosse uma espécie de nicho. Rebeca Puig (roteirista e editora do site Collant Sem Decote) complementou dizendo que há uma grande falha ao acesso a cultura no Brasil com a falta de bibliotecas públicas, por isso é tão difícil que leitoras e leitores conheçam outros quadrinhos além do conhecido Turma da Mônica.

Não adianta falarmos sobre a valorização dos quadrinhos nacionais sem pensarmos nessa falta de distribuição das obras como um problema cultural do nosso país.

Rebeca ainda afirma que o mesmo problema repete na literatura nacional, recordando que quando organizou o evento Nerd Sem Carteirinha, onde convidou cerca de 5 autoras nacionais de ficção científica e fantasia, apenas uma escritora, Aline Valek, foi publicada por uma editora grande.

Como o público pode conhecer quadrinhos e livros nacionais feitos por mulheres se a desigualdade está desde a linha editorial até os meios de distribuição?

Demonstra-se cada vez mais necessário a importância de sites independentes para a divulgação de obras feitas por mulheres. Mesmo que tais obras não cheguem através de grandes editoras, que possuem um alcance maior de leitoras e leitores. A existência de coletivos como o Lady’s Comics, que sai da esfera virtual durante os seus 7 anos de atividade e organiza eventos presenciais, justamente para discutir esses problemas, é essencial. Se não há um espaço organizado exclusivamente para discutir a dificuldade da publicação e distribuição de obras feitas por mulheres no nosso país, como o mercado pode melhorar futuramente e trazer uma equidade de gênero? Rebeca afirmou que

“A distribuição de cultura está na mão de homens”. São esses homens que estão escolhendo quais obras merecem destaque e divulgação nas grandes editoras, assim como nos grandes sites de críticas de conteúdo.

A palestra discutiu também a importância da presença de artistas homens em eventos organizados por mulheres, que visam a discussão da representação feminina nas obras. Alguns quadrinhos possuem histórias ótimas, mas o grande problema é a utilização constante da sexualização de personagens femininas nessas histórias, como relembrou Rebeca. Precisamos que homens participem de mesas e palestras que tem essa discussão como pauta. Eles precisam ouvir. 

Gabriela Borges, que organiza pautas para a revista TPM, comentou sobre a importância do reconhecimento dos próprios privilégios como mecanismo para conceder o espaço para que outras pessoas discorram sobre assuntos ligados à questão da representatividade.

“Não adianta proporcionar a representatividade e não dar voz. […] Às vezes por meio da TPM eu alcance os caras que não estão interessados em vir aqui.”

Sites independentes como o Preta Nerd & Burning Hell (que faz um recorte racial dentro da cultura pop) são espécies de nichos na internet, que embora não tenham o mesmo alcance que outros sites maiores, discutem problemas que às vezes os sites maiores não se preocupam em colocar em pauta.

Mariamma Fonseca, jornalista e uma das fundadoras do coletivo Lady’s Comics, comentou sobre o poder que as editoras grandes exercem quando concedem espaços para publicar obras feitas por mulheres, como podemos recordar o excelente trabalho que a Editora Nemo está realizando este ano, quando assumiu o compromisso de publicar mais quadrinhos feitos por mulheres.

“Quando editoras tomam essa postura de publicar mais mulheres, isso faz a diferença”, comenta Rebeca.

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Mariamma ainda recordou sobre a dificuldade para que a discussão vá além do alcance das mesmas pessoas que já conhecem e concordam com as críticas e textos do Lady’s Comics.

A dificuldade de escrever e produzir críticas que quebram o clube do bolinha e discutam os problemas da representação feminina e dos quadrinhos, assim como a divulgação de obras feiras por mulheres, também foi abordado na palestra. Fernanda Café (jornalista e criadora do site Pac Mãe) relembrou a dificuldade de continuar escrevendo para o Pac Mãe, pois certas pautas “incomodam” alguns homens, e pode se tornar desgastante e tóxico – quando recordou que ficou cerca de 6 meses sem escrever para o site porque precisava de um descanso.

Ao mesmo tempo afirmou como é gratificante acompanhar os elogios do público que acompanha seu trabalho como produtora de conteúdo, mesmo atingindo um num nicho específico como a junção da maternidade no universo nerd. Rebeca relembrou na palestra sobre o comentário de uma leitora do Collant Sem Decote, que disse que a produção do site ajudou ela a sair de um relacionamento abusivo. Embora sites independentes como Collant Sem Decote, Preta, Nerd & Burning Hell, Lady’s Comics, Pac Mãe, Nó de Oito, Séries por Elas, MinasNerds, Momentum Saga, e tantos outros sites independentes e importantes busquem discutir principalmente a representação feminina na cultura e a divulgação de obras feitas por mulheres, é necessário compreender que a internet  é um ambiente tóxico, principalmente quando é uma mulher produzindo conteúdo.

Lady's Comics
Foto retirada do site do evento.

Uma crítica negativa de uma determinada obra feita por um homem não sofrerá o mesmo “impacto” que a crítica feita por uma mulher. Podemos lembrar do lamentável caso da crítica publicada por Priscilla Rúbia sobre o mangá Bersek, no site Leitor Cabuloso, onde a autora criticou a forma como abordaram o estupro de uma personagem feminina na história e em troca recebeu inúmeras críticas com teor carregado de ódio vindas de homens que não concordaram com o seu posicionamento e se sentiram no direito de ofender publicamente a autora do artigo com várias ofensas pessoais. Ou seja, ao mesmo tempo que é importante vermos mulheres como críticas de obras, o meio pode ser extremamente tóxico e perigoso para as mulheres; ainda mais na internet, um local onde a liberdade de expressão é confundida diariamente com ofensas gratuitas.

O que a palestra “Jornalismo e Quadrinhos” e eventos como o Lady’s proporcionam é um questionamento além do que consumimos, valorizados e criticamos. Precisamos de mais eventos como o Lady’s em nosso país, eventos que tenham a preocupação em dar vozes a mulheres que fazem quadrinhos, que escrevem sobre quadrinhos e cultura pop, mulheres que sejam convidadas para eventos grandes para debaterem sobre a representação feminina na cultura pop e sobre o mercado editorial nacional.

O encontro do Lady’s na Quanta este ano trouxe uma experiência marcante sobre o que significa ser mulher produzindo e consumindo quadrinhos no Brasil, experiência que precisa atingir cada vez mais um público maior, principalmente quando os meios de produção e divulgação de quadrinhos ainda é majoritariamente comandado por homens.  

Para saber mais sobre o encontro do Ladys Comics na Quanta, acesse: http://ladyscomics.com.br/encontro-na-quanta-foi-lindo

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Fundadora e editora do Delirium Nerd. Apaixonada por gatos, cinema do oriente médio, quadrinhos e animações japonesas.
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