[ENTREVISTA] Gabriela Deptulski (MMGL): Psicodelia e transparência

[ENTREVISTA] Gabriela Deptulski (MMGL): Psicodelia e transparência

A banda My Magical Glowing Lens começou em 2013 como um projeto autoral de Gabriela Deptulski, que compôs, gravou e produziu todas as músicas de seu primeiro EP sozinha. Após uma turnê por várias regiões do país, Gabriela integrou seus parceiros de banda ao processo criativo, lançando o álbum Cosmos em 2017, pelos selos Honey Bomb Records, Subtrópico e PWR Records. O disco se destaca nos lançamentos nacionais deste ano por sua sonoridade distorcida, remetendo à psicodelia dos anos sessenta e setenta, e principalmente pela vulnerabilidade expressa nas composições. Conversamos com Gabriela Deptulski sobre o processo de elaboração do álbum e formação da banda, sobre machismo na cena e como é produzir música no Brasil.

DN – Primeiro, queremos saber como você começou na música.

Gabriela Deptulski – Meu pai é músico, então ouço música desde a barriga. Ele toca muito violão em casa. A tocar, eu comecei bem novinha, com uns 8 anos talvez? Minha prima tocava piano e eu tocava um pouco com ela. Mas sempre foi algo muito experimental, nunca gostei de aula, gostava de aprender de maneira livre. A Babi [Bárbara Deptulski], minha prima, me ensinava coisas no piano. Foi vendo ela tocar que vi que eu também poderia tocar. Fiz umas aulas de flauta também, flauta doce. Tinha uma gaita, mas não sabia tocar. Tocava no teclado da minha madrasta, a Marlene, algumas músicas dos Beatles que tinha na memória do teclado. Ficava tirando, sabe? Mas o instrumento que mais amei foi o violão. Este foi meu pai quem me ensinou. A cantar, quem me ensinou foi minha mãe. Ela não é cantora, mas ela canta o tempo todo em casa… Meu pai me ensinou eu devia ter uns 10 anos, ou 11. Minha família é muito musical, todo mundo ama música e, se não sabe tocar um instrumento, sabe pelo menos alguns acordes.

DN – O que despertou o interesse pra psicodelia? E você sempre pensou em seguir na música como carreira?

Gabriela Deptulski – Não sei ao certo se profissionalmente, mas quando eu era bem novinha, quando conheci o Nirvana, tinha certeza que a música era a grande paixão da minha vida. Foi com essa banda que descobri que não precisa tocar tudo “certinho” pra me expressar de forma intensa com música, daí consegui me entregar totalmente pra isso. Não queria mais ir pra escola, queria só tocar. Tocava, fazia e ouvia música o dia inteiro. Até os 15 anos eu tinha certeza que essa era a grande paixão da minha vida: tocar! Mas alguma pressão social e familiar e alguma fraqueza de espírito minha me afastou disso. Fiz Filosofia, me formei. Daí, fiz mestrado. No meio do mestrado me apaixonei por um rapaz que me apresentou o rock clássico e a psicodelia dos anos 60 e 70. Foi então que tive de voltar pra isso. Não conseguia terminar o mestrado e só conseguia compor o tempo todo.

Gabriela Deptulski
Capa do álbum Cosmos (Reprodução)

DN – Como foi o processo de compor o álbum? Há quanto tempo está trabalhando nele?

Gabriela Deptulski – Há muito tempo. Desde 2014. Essas composições vem da época mais difícil da minha vida, pois eu larguei uma profissão que me dediquei durante sete anos, pra ir para uma outra profissão que é muito complicada, que não dá dinheiro, ou muito pouco dinheiro. Durante esse processo eu terminei um mestrado em Heidegger (estudava se a linguagem poderia expressar de forma genuína o modo de ser das coisas), me apaixonei perdidamente diversas vezes, tive problemas com drogas… Muita coisa aconteceu. Foi a época em que eu caí na real, e percebi que se a gente quer manter o que a gente tem por dentro, e não o que impõe pra gente, temos de ser muito sinceros e responsáveis com o que a gente acredita. Se não a gente pode ficar meio louco, se perder a vera…

DN – É muito interessante ter contato com essa sua perspectiva, porque a impressão que fica do álbum é de explorar a internalidade, uma coisa mais reflexiva, e ver você se entregando completamente no show reforçou essa experiência. Queremos ouvir um pouco do que você acha sobre isso. Você teve um esforço deliberado de transmitir essas ideias, uma intenção de transmitir no álbum essa percepção de sinceridade e responsabilidade com o que se acredita?

Gabriela Deptulski – Que bom que sentiu isso! Eu me entrego muito quando estou no palco, é a forma que tenho de me libertar das amarras que criaram e que eu mesma crio pra mim… Você quer saber se tenho a intenção de transmitir algo? Não é intencional… Eu apenas ouço o que vem de dentro, é muito forte isso pra mim. Eu passei muito tempo sem ouvir, me dedicando a uma profissão que não era a minha. Eu amo filosofia, mas não queria me dedicar a isso a vida inteira. Então, quando veio essa voz interna que eu abafava, veio forte demais. Então agora, eu apenas dou ouvido a isso que vem de dentro e jogo limpo comigo mesma e com os outros. Não há uma Gabi que pensa e outra que faz, há uma pessoa fazendo tudo o que acredita, uma unidade nesse corpo que me esforço para manter em sintonia com a mente.

Gabriela Deptulski

DN – E sobre essa entrega no palco, o que significa pra você poder explorar esses sentimentos e as suas visões de mundo por meio da música?

Gabriela Deptulski – No palco é a hora que tenho de ser livre! Ali sou completamente livre, pois não penso no que vou fazer ou falar, apenas faço tudo o que meu corpo pede. Então é muito difícil também. Porque eu não tenho controle do que faço, é uma entrega completa. Pedro, que toca sintetizador com a gente, também é muito assim. Ele mais ainda, ele chega a esquecer de como foi, de tão compenetrado que ele fica ali naquele momento. A entrega de todos é muito grande! No meu caso, digo por mim, sinto como se o palco fosse o lugar onde eu sempre deveria estar, e onde todos deveríamos estar. Pois ali não há uma representação, uma performance, mas ali há uma Gabi completamente sincera, que respeita todos os impulsos de sua mente e corpo. Por isso saio do palco as vezes, eu acho… É meu modo de dizer: todos podem!!! Todos podem ser si mesmos!!!

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DN – Como foi o processo de envolver outras pessoas nas suas composições e de trabalhar nessas colaborações?

Gabriela Deptulski – Colocar outras pessoas pra arranjar e tocar as músicas comigo foi muito difícil, porque eu fiquei com medo de quererem modificar a ideia inicial que tive com o MMGL em sua origem, que foi uma experiência muito mágica de união com o mundo… Ainda tenho medo disso… Mas preciso confiar nas pessoas que estão comigo! É um processo também, confiar no outro. Hoje em dia ninguém confia em ninguém… Porque a maioria de nós não sabe mais pensar no outro, mas só num modo de conseguir dinheiro pra si próprio… Mas acredito cada vez mais que meus parceiros não são assim! E que eu mesma não sou assim; e que somos assim, estamos mudando!

Com relação à composição agora, não foi difícil, porque a pessoa que compôs uma das músicas comigo é o Rayman. E ele é uma das pessoas mais puras que conheço. Ele nunca age por interesse, mas sempre pela voz que ele ouve dentro de si. Ele compôs Tente Entender em sonho, pra você ter uma ideia… Ele sonhou que eu estava cantando aquela melodia, acordou e gravou.

Noite Estrelada foi [com] um figuraça que é um grande amigo meu. Outra pessoa que é completamente transparente! Com relação ao Cará [Caramuru Baumgartner], gente tava bêbado conversando pelo WhatsApp, a gente conversava muito nessa época. Ele tinha enviado umas músicas secretas dele e eu me apaixonei completamente pela pessoa dele. É um ser completamente transparente! Tudo o que ele pensa, ele fala. É bem incrível lidar com ele… Daí, nessa conversa, depois de muita história, muita conversação e chororô, e risos, gargalhadas e tudo mais que a amizade nos proporciona, ele criou uma canção com essa letra: Livre estou das paredes, onde estou tu estás. A melodia dela é outra. Quando eu criei Noite Estrelada, eu fiz essa música pra ele. Mas ela tinha uma letra horrível… Daí quando tentei encaixar essa letra dele na música, coube perfeitamente!!! Foi incrível!

DN – Nesse álbum você canta mais em português. Como fica essa parte da língua na hora de compor, é uma escolha deliberada ou o que vem naturalmente? Nesse caso de Tente Entender parece ter sido completamente natural.

Gabriela Deptulski – Ah, eu tento compor em português faz muito tempo, viu… Mas é muito difícil! A língua é meio dura, você tenta fazer ela ficar macia e não consegue. Ou a gente que é muito duro e não sabe lidar com a maciez do nosso português, vai saber… Sei que acho difícil. Lembro que o Johnny da Catavento me influenciou a compor em português. Ele tinha uma música no projeto solo dele que eu amava, que falava assim: Vou caminhando no verde no ar, sinto vontade de ver enxergar. Foi daí que pensei: “poderia fazer algo parecido”. Daí conheci Rayman, ouvi as músicas dele do Trem Fantasma e me deu vontade novamente! Daí conheci o Cará, e as músicas dele também me influenciaram a isso! Foi tentando copiar os amigos que eu aprendi a compor em português! (risos)

DN – É muito legal ver que um álbum que parece tão reflexivo tenha tido influências de pessoas próximas. Além desses amigos, quais são as suas influências? Particularmente, quais são as mulheres que te inspiram?

Gabriela Deptulski – Tenho três guias: a Rita Lee, a Melody Prochet do Melody’s Echo Chamber e a Karen Dalton. São minhas guias, quando penso que tudo está perdido, lembro delas e continuo ainda mais forte! As influências são diversas, além dessas que falei, Alceu Valença, Rihanna, M.I.A, Mutantes, Flaming Lips, Secos e Molhados, Neutral Milk Hotel, Sonic Youth, Syd Barrett… As bandas de amigos são as que mais me influenciam: Catavento, Bike, Boogarins, Tagore, Caramurú, Trem Fantasma.

DN – E como você percebe as questões enfrentadas por mulheres no campo da música? Como é a receptividade na cena brasileira?

Gabriela Deptulski – É terrível, ainda mais quando você é instrumentista e produtora. Eu produzo meus próprios álbuns, produzi o Cosmos… Mas quando as pessoas vão procurar alguém pra trabalhar, procuram meus parceiros de banda, que são homens… e não a mim. Quando chamam pra tocar em bandas, chamam eles… e não a mim. É um pouco frustrante. Mas eu tento lidar com frustração como uma barreira que vai te fazer ficar mais forte e que fazer você se entender melhor e entender melhor os outros.

Eu conheci uma menina esses dias que queria montar uma banda com ela, ela se chama Gaivota Naves. É difícil encontrar meninas que gostam desse tipo de música, pois foi uma cena que muito tempo foi liderada por homens. Daí as meninas acabam se afastando disso. Então quando eu encontro uma, já quero sentar pra conversar pra sempre. Pena que ela é de Brasília. Tem um vozeirão danado, e gosta das bandas de rock clássico tudo. Queria muito tocar com ela.

DN – Grande parte das novas bandas e artistas da cena brasileira parece estar vindo de lugares além do eixo São Paulo – Rio de Janeiro, principalmente em Goiás. Você percebe isso no Espírito Santo também?

Gabriela Deptulski – Acho que todo lugar tá surgindo banda! Mas poucas continuam… Por causa da dificuldade que é ter uma banda. Você fica duro sempre, sabe? Seu status social é zero. Tudo o que você ganha com outros trampos que te dão grana, você gasta com sua banda (risos). É só prejuízo… Financeiro, né. Porque pra alma não tem prejuízo algum! Se você não tem um trabalho freelancer ou uma família que te apoia, você não consegue continuar. Não sei o que a galera de SP, RJ e GO faz pra conseguir lidar com isso. Gostaria de aprender!

DN – O álbum foi lançado pela Honey Bomb Records, pela Subtrópico e pela PWR Records. Como foi a aproximação com esses selos?

Gabriela Deptulski – Eu estou com a Honey desde 2014! Relação antiga já. E cada encontro amo mais eles. São místicos, muito místicos, calmos, alguns se comunicam por pensamento… Me identifico com eles demais da conta. É como se eu tivesse nascido em Caxias e caí errado aqui… São quase família já. A PWR a gente conheceu quando fomos pro Nordeste. Eu tenho uma ligação muito forte com o Recife desde criança, porque meu artista preferido sempre foi o Alceu! Eu ouvia um vinil dele quase diariamente e ficava imaginando o Recife mágico que ele criou. E olha que ele não criou muita coisa, não, viu. Lá é mágico mesmo! E a Hanna e a Let são muito mágicas, pessoas puras que acreditam na música mais do que em tudo nessa vida! Então a conexão foi instantânea. São grandes amigas, esses dias mesmo Hannah me ligou e ficamos muito tempo no telefone. Morro de saudades delas. São relações pessoais, sabe? A Subtrópico é minha casa de verdade, é a relação de proximidade máxima, a gente sonha fazendo já! E Gil é muito assim, ele já pensa fazendo. Isso me estimula demais, amo isso nele! É na Casa Verde (sede da Subtrópico) que fico quando vou pra Vitória, foi lá que o álbum foi gravado. Então é uma relação muito concreta e realista! É um choque de realidade toda vez que lido com eles, pois estamos na mesma situação, num estado que dá muito pouco valor a cultura, tentando sobreviver num deserto. São meus parceiros de caça e sobrevivência na selva de pedras.

Gabriela Deptulski
Foto por Felipe Amarelo (Reprodução)

DN – Você está fazendo shows pelo Brasil todo agora e tem recebido ótimas críticas pelo disco. Como tem sido essa experiência? Quais são os próximos passos?

Gabriela Deptulski – Tem sido alegria atrás de alegria. Quando o sofrimento vem, passa rapidinho, porque eu sempre achei que nunca ninguém entenderia nada desse monte de coisa complexa que eu sinto, mas parece que é muito simples do que eu pensava. As pessoas entendem sim! A gente passa por muita dificuldade, sabe? Mas quando vê a galera falando o que disse do que a gente faz, fala sério! Isso estimula a gente a continuar!

A gente tá tramando dois vídeos! Já comecei a compor alguma nova, vou me mudar pra Itapina pra ficar mais focada! É um sítio que temos no interior da cidade, num distrito chamado Itapina. Morarei lá por um tempo para compor músicas novas e começar o processo do novo álbum. Fora isso, quero ir pro Norte do Brasil. Ainda não fomos lá.

DN- E por último, você tem uma faixa preferida no álbum? Se sim, por que ela é especial?

Gabriela Deptulski – Não tenho… Infelizmente amo todas… São todas tão puras e trabalhamos tanto nelas, que é impossível olhar de fora. São todas partes de nós, e amo tudo o que fizemos com essa banda!

Escrito por:

Estudante de Direito que gosta de criar tempo pra escrever e ouvir música. Adora ler, admirar cachorros e plantinhas, bordar e conhecer lugares novos. Ainda vai aprender a tocar muitos instrumentos.
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