[CINEMA] O Novíssimo Testamento: e se Deus fosse uma mulher?

[CINEMA] O Novíssimo Testamento: e se Deus fosse uma mulher?

O Novíssimo Testamento (2016), dirigido e roteirizado por Jaco Van Dormael, co-escrito com Thomas Gunzig, é um daqueles filmes em que a temática do empoderamento feminino se faz presente de forma divertida e inusitada.

O filme conta a história de Deus, um cara rabugento e malvado que vive em Bruxelas com a filha e a esposa. A filha, cansada dos desmandos do pai, resolve revelar a data da morte de cada um dos habitantes de Bruxelas e sai em busca de novos apóstolos que escreverão o Novíssimo Testamento. Isso gera uma confusão enorme na população, o que obriga Deus a sair de seu “trono” e tentar consertar a situação que a filha criou.

A proposta do diretor Jaco Van Dormael é fazer uma brincadeira baseada na ideia de quem seria e como viveria Deus nos dias de hoje, criando características pouco apropriadas para a figura celestial tão difundida e conhecida por nós, mortais. Para compreender essa brincadeira é importante que coloquemos de lado nossas convicções religiosas e nos deixemos levar pela reflexão proposta nessa história.

O Novíssimo Testamento

No filme, Deus é retratado como um homem comum, que vive em Bruxelas, casado, pai de dois filhos: Jesus, obviamente, e uma menina de 10 anos. Porém, Deus não é somente um homem comum, ele é um homem mau que não gosta dos seres humanos. Por isso, sua diversão favorita é atormentar seus discípulos criando regras e situações desagradáveis para as pessoas.

Em casa, na intimidade de seu lar, Deus é ainda pior. Demonstra enorme desprezo por sua mulher e por sua filha, e não raro usa força física para punir ambas quando se sente contrariado ou tem sua autoridade desafiada. O Deus de Jaco Van Dormael não só detesta a humanidade, como também é o símbolo da misoginia e patriarcado enraizados em nossa sociedade.

O Novíssimo Testamento propõe uma possibilidade interessante e nossas reflexões giram em torno dela: e se Deus fosse uma mulher?

Partindo dessa premissa, vamos aos fatos: a Bíblia sagrada e tudo nela contido foi escrito e concebido por homens; portanto, é justo pensar que Deus é uma criação do homem. Sabemos para muitos o tema é delicado e de difícil racionalização, e soa até leviano levantar esse ponto de partida para seguirmos com a reflexão proposta. Mas a proposta é que entremos na brincadeira que o filme nos apresenta e nos deixemos levar pela tentadora imagem de um mundo que, desde sua origem, fosse construído e concebido por mulheres.

O Novíssimo Testamento

Ora, se tudo o que sabemos sobre e entendemos como mundo é o entendimento dos homens sobre coisas, sensações, emoções e pessoas, podemos dizer que o mundo é um lugar feito e pensado para outros homens. Porém, havia um dilema na criação do mundo. Aos homens não foi concedido, por Deus, a capacidade da procriação, contingência que impôs a “invenção” de outro ser, criado à imagem e semelhança dos homens, mas de sexo feminino, que tivesse a capacidade de trazer ao mundo mais homens para dominarem o Paraíso. A mulher, desde sua “estreia” no mundo, sempre teve um papel utilitário.

Portanto, é muito natural que todos os códigos sociais, acessos ao mundo, conhecimentos e liberdades fossem dirigidos e permitidos somente aos homens, ou seja, aos criadores de Deus. O que, por consequência lógica, dá aos homens e somente a eles o poder sobre as decisões que movem a Humanidade.

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Estamos então admitindo que ao homem foi concedido o papel de poder, e a criação de um símbolo soberano (Deus) que determina o destino de todos foi fundamental na garantia e manutenção desse poder. Diante desse cenário, como imaginar uma Deusa? Que repertório temos para construir tal identidade? Como romper com um conjunto de ideias, regras e leis elaboradas com o intuito de controlar?

O Novíssimo Testamento

Passamos um tempo nos dedicando a esse pensamento, e confessamos que tivemos certa dificuldade, pois todos os caminhos nos levavam ao engano de reduzir o papel da mulher, como Deusa, apenas à uma figura conciliadora, terna e maternal (inclusive um dos problemas do filme), ignorando o poder e força de cada uma de nós. Talvez essa seja de fato uma difícil tarefa, se levada a sério. Para que seja divertida, teríamos que nos libertar e nos permitir guiar pelo nosso imaginário e nosso repertório.

Por fim, chegamos à conclusão que não gostaríamos de estar no lugar de nenhum homem na construção de uma Deusa. Cada uma de nós representa uma Deusa única e poderosa que é guiada pelo desejo de ser livre para escolher seus caminhos.

E vocês? Já imaginaram como seria uma Deusa no lugar de Deus?

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Mulher, mãe, profissional e devoradora de filmes. Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo, trabalhando com Gestão de Patrocínios e Parceiras. Geniosa por natureza e determinada por opção.
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