Entre Irmãs: a união de duas mulheres que desafiam o patriarcado no sertão nordestino

Entre Irmãs: a união de duas mulheres que desafiam o patriarcado no sertão nordestino

Entre Irmãs é um filme de Breno Silveira, com roteiro de Patrícia Andrade, que estreia no cinemas de todo Brasil nesta quinta feira (12/10) e conta a belíssima e atual história das irmãs Luzia (Nanda Costa) e Emília (Marjorie Estiano), que vivem sua saga no Nordeste dos anos 1930. A história é baseada no livro “A costureira e o cangaceiro”, da autora Frances de Pontes Peebles.

O elenco tem ainda Julio Machado (Carcara), Rômulo Estrela (Degas), Letícia Colin (Lindalva), Gabriel Stauffer (Felipe), Cláudio Jaborandy (Dr. Duarte), Cyria Coentro (tia Sofia), Ângelo Antônio (Dr. Eronildes), Fábio Lago (Orelha) e Rita Assemany (D. Dulce).

Entre Irmãs nos dá a dimensão de que pouco evoluímos como sociedade e cultura, uma vez que assistimos durante o longa o surgimento de questões que ainda hoje não se resolveram completamente, sendo que muitas delas até pioraram. A dureza do sertão, a violência, o patriarcado dos coronéis e de grupos como o cangaço, a sociedade machista, o papel da mulher, sempre relegada a segundo plano, códigos sociais hipócritas, a homossexualidade tratada como doença ou desvio…tudo contado nessa incrível história de amor e de luta.

Luzia e Emília são duas jovens costureiras criadas por tia Sofia, que vivem em uma fazenda no sertão do Nordeste. As duas, apesar de muito diferentes uma da outra, são muito ligadas e fiéis à relação de irmandade e ao vínculo afetivo que as une. 

Luzia (Nanda Costa) é uma menina forte e decidida, com um grande senso de liberdade, e parece aceitar a vida no sertão com resignação, como se esse fosse seu destino. Porém, em seu íntimo, sempre acalentou a expectativa de ser livre. 

Emília (Marjorie Estiano) parece mais frágil que Luzia, tem alma sonhadora e está à espera de um “príncipe” que a levará do sertão para a cidade grande. Acredita que algo muito maravilhoso está por acontecer em sua vida e conta as horas por deixar o local onde cresceu e viveu.

Entre Irmãs
Luzia (Nanda Costa), tia Sofia (Cyria Coentro) e Emília (Marjorie Estiano) no filme “Entre Irmãs”.

Apesar dos desejos diferentes e expectativas de vidas bem distintas, as duas viviam em harmonia e, de certa forma, protegidas dos perigos que o sertão e a cidade grande reservaria para elas. Porém, um acontecimento muda totalmente suas vidas e as coloca diante de seus respectivos caminhos e destinos.

[ATENÇÃO: COMEÇO DO SPOILER]

Naquela época havia um bando de cangaceiros liderados por Carcará, famoso por suas práticas violentas. De outro lado, muitas dessas ações praticadas pelo grupo eram sucedidas por atos de caridade e auxílio aos menos favorecidos – fato que dividia a população do sertão entre o temor e a idolatria pelos cangaceiros. E foi exatamente o grupo de Carcará que promoveu a tal mudança de direção na vida das irmãs. O grupo de cangaceiros invade a fazenda onde as irmãs vivem e Carcará decide levar Luzia com ele. Apesar de Emília implorar que a irmã fuja e não vá com ele, Luzia se resigna com seu destino e escolhe seguir com o grupo.

Essa fato cai como uma bomba na vida das três mulheres, e a tia logo fica doente e morre, aparentemente pelo que os mais antigos classificam como desgosto. Emília casa-se com Degas (Rômulo Estrela), um moço rico da capital e estudante de direito, que passava uma temporada na fazenda do amigo Felipe (Gabriel Satuffer), onde as meninas moravam quando se deu o ocorrido com o grupo de cangaceiros.

[FIM DO SPOILER]

Luzia, assim como Emília, almejava algo para além das fronteiras da fazenda onde vivia. Não sabia exatamente o que era, uma vez que não sonhava com a cidade grande, tampouco com um príncipe encantado. Mas sentia um desejo enorme de liberdade, somado pela vontade de cruzar os limites entre aquilo que lhe fora imposto como mulher e a busca pelo desconhecido.

Entre Irmãs
Luzia (Nanda Costa) no filme “Entre Irmãs”.

É muito interessante observar em Entre Irmãs que a possibilidade de liberdade venha nos braços de um grupo opressor, formado apenas de homens. Contudo pode ser bem significativo que Luiza tenha visto e aceitado esse desafio, como algo que pudesse lhe aproximar do que desejava: seguir rumo ao enfrentamento de seus medos e de seu destino.

Luzia segue firme ao lado do grupo, e descobre dentro de si forças para enfrentar os desafios que uma vida em meio a cangaceiros foras da lei traz, ainda mais quando se trata de uma mulher. Mas assim como Maria Bonita o fez quando foi viver com Lampião, Luzia abriu seu caminho com muita coragem, certa de que a vida não lhe ofereceria muito mais do que uma máquina de costura, uma terra para arar, e quem sabe, um marido e filhos para cuidar.

Leia na íntegra: 
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Claro que essa vida idealizada dentro (e pelos) limites impostos pela cultura patriarcal poderia ser o desejo de qualquer outra mulher, mas certamente não era o de Luzia. Com Emília não foi muito diferente: a vida de casada e a sociedade burguesa onde foi introduzida, não atenderam exatamente as expectativas que nutria enquanto vivia no sertão, mas certamente foi a ocasião ideal para – assim como Luzia – lutar para conseguir seu espaço num mundo de intolerância e preconceito, e se afirmar enquanto mulher e indivíduo, que merece ter garantia dos mesmos direitos que qualquer outro homem.

No filme Entre Irmãs, Luzia e Emília representam o que há de mais lindo e poético na luta pela igualdade de gênero, e na crença de que, assim como os homens, as mulheres podem e devem escolher seus caminhos. Evidentemente que a luta não é fácil, são grandes as batalhas que temos de enfrentar e renúncias que temos de fazer. No meio do caminho muitas vezes perdemos coisas, pessoas e direitos, mas o destino nada mais é do que a força que fazemos em vida para nos realizarmos em nossa totalidade enquanto humanos, independente de sermos homens, mulheres, brancos, negros, gays, lésbicas ou transgêneros.

Não há limites para a busca de nossos direitos, e somente quando nos permitirmos seguir nossos caminhos com propósito e força é que nos destacamos e nos firmamos enquanto mulheres, independente de qual seja esse caminho: o cangaço, um casamento, filhos, a política, ou qualquer outra coisa que nos represente.

Assistindo Entre Irmãs, refletimos que o sucesso de nossos propósitos depende de uma infinidade de variáveis, e que muitas vezes não o alcançamos, mas o grande desafio é se levantar e recalcular a rota. Sempre!

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Mulher, mãe, profissional e devoradora de filmes. Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo, trabalhando com Gestão de Patrocínios e Parceiras. Geniosa por natureza e determinada por opção.
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